Carente
de modelos reais na vida humana decidi procurá-los na natureza.
Com
a ajuda da televisão, claro, Canal Odisseia, National Geographic, Canal Panda,
essas coisas. Pode-se lá chegar à natureza, nos dias que correm, senão pela
televisão! Três rolos modelos logo me saltaram à vista: o Amor do Louva-a-deus;
o Amor do Cisne; o Amor do Urso Polar.
Após
alguma esmiuçação, concluí que qualquer um me parece bem, e tem as suas
vantagens e desvantagens.
No
romance do louva-a-deus, a fêmea devora o macho depois da cópula. É natural,
toda a gente sabe que a gravidez estimula o apetite. E seria bem pior se ela o
devorasse antes da consumação.
O
cisne acasala para a vida. É bonito. Lembra certos parzinhos que encontramos
sobretudo na noite boémia, muito perfeitos, muito encapsulados, o mundo é
deles, o mundo são eles. Gosto, mas como nunca experimentei sinto-me sempre um
bocadinho do outro lado da vitrina, a definhar de inveja.
Pronto,
confesso. O que, esse sim, me toca profundamente é o amor do urso polar. É
esquivo, dura pouco – pelo menos a parte do encontro. Urso polar e ursa polar
namoram e acasalam brevemente, e logo se apartam, cada um para seu lado, para
todo o sempre, a fêmea talvez com uma cria, o macho continuando a sua
caminhada, glaciares fora, de nenhures em direção a nenhures.
Vai
solitário e triste, o nosso urso? Talvez. Eu gosto de pensar que vai de coração
cheio, e que a brevidade do encontro é compensada pela intensidade da memória.
Tanto quanto sei, não há ursos com Alzheimer.
Rui Zink, in "O Amante é Sempre o Último a Saber"
Tema(s): Amor