domingo, 30 de setembro de 2012

A ÚLTIMA LIÇÃO


Desculpe-me, mas calado eu não fico
Mesmo sabendo que a língua que falo é de outra raça
Por que quando todos se calam o silêncio torna-se cúmplice
E não posso me tornar cúmplice do teu medo e da tua omissão
e dos meus erros

Os erros por amor já nascem com perdão
Eu já lhe falei disso


Do amor nada mais resta do que esta primavera
Depois de um inverno de podas

Venho envelhecendo lentamente
Como aguardente em barris de carvalho
Inerte e incorpando aromas e sabores
Que fui colhendo nos jardins que visitei

Venho examinando minha consciência nesses últimos anos
Não há um resquício que seja de culpa ou arrependimentos
Tudo foi experiência absorvida e aprendida
Tudo valeu a pena

Eu realmente não sabia que ao te beijar e te desejar
E tê-la por alguns momentos
Eu me tornaria dependente do teu corpo e da tua presença
Do teu calor e do teu sexo

Guardo hoje uma certeza oculta
A de que nunca poderei me separar te ti
Mas ainda não descobri o mistério
Por quê meu coração entristece quando ouço teu nome?

Meu coração ainda não aprendeu a lição final
A que fala da gratidão e do perdão

Eu não falo a língua dos homens
Por isso você não compreende

Muito menos a língua dos anjos
Eu falo aqui a língua dos poetas
Das metáforas e mentonímias
Das hipérboles e dos paradoxos

Entendeu? Ou prefere que eu desenhe?

(Paulo Cesar de Oliveira)

sábado, 29 de setembro de 2012

UM POEMA BOBINHO



Está frio e o meu vinho acabou
Está frio e o meu amor me deixou
Está frio e a paixão suicidou-me
Está frio e o meu coração está seco

Está frio e eu penso em você
Está frio, então, eu fiz esse poema
Para esquentar meu coração
Sim, é um poema bobinho, eu sei
Mas foi só para você não me esquecer

Afinal, se hoje sou poeta,
foi por causa de você

Não precisa compreender
Não precisa interpretar
Não precisa analisar

É apenas um poema bobinho
Porque a vida também é feita de coisas bobinhas
E os bobos, sonham, se iludem e também amam

Se você quiser não chama de poema
Chama de outra coisa qualquer
   
 
(© 29.09.2012 – Paulo Cesar de Oliveira)

A gravíssima crise de confiança que atravessa a Igreja no mundo

Leonardo Boff

O centro da pregação de Jesus não foi a Igreja, mas o Reino de Deus: uma utopia de total revolução/reconciliação de toda a criação. Tanto é verdade que os evangelhos, à exceção de são Mateus, nunca falam de Igreja, mas sempre de Reino. Com a rejeição da mensagem e da pessoa de Jesus, o Reino não veio, e, em seu lugar, surgiu a Igreja como comunidade dos que testemunham a ressurreição de Jesus e guardam seu legado, tentando vivê-lo na história.
Desde o início, houve uma bifurcação: o grosso dos fiéis assumiu o cristianismo como caminho espiritual, em diálogo com a cultura ambiente. E outro grupo, bem menor, aceitou assumir, sob o controle do imperador, a condução moral do Império Romano, em franca decadência. Copiou as estruturas jurídico-políticas imperiais para a organização da comunidade de fé. Esse grupo, a hierarquia, se estruturou ao redor da categoria “poder sagrado” (sacra potestas).

Foi um caminho de altíssimo risco, porque se há uma coisa que Cristo sempre rejeitou, foi o poder. Para ele, o poder em suas três expressões, como aparece nas tentações no deserto – o profético, o religioso e o político -, quando não é serviço, mas dominação, pertence à esfera do diabólico. Mas foi o caminho trilhado pela Igreja como instituição hierárquica sob a forma de uma monarquia absolutista que recusa a participação nesse poder aos leigos, a grande maioria dos fiéis. Ela nos chega até os dias de hoje num contexto de gravíssima crise de confiabilidade.

Ocorre que, quando predomina o poder, se afugenta o amor. Efetivamente, o estilo de organização da Igreja é burocrático, formal e, não raro, inflexível. Nela, tudo se cobra, nada se esquece e nunca se perdoa. Praticamente não há espaço para a misericórdia e para uma verdadeira compreensão dos divorciados e dos homoafetivos.

SEXO E CELIBATO


A imposição do celibato aos padres, o enraizado antifeminismo, a desconfiança sobre tudo que tem a ver com sexualidade e prazer, o culto à personalidade do papa e a pretensão de ser a única Igreja verdadeira e a “única guardiã da eterna, universal e imutável lei natural” dão à Igreja, nas palavras de Bento XVI, “uma função diretiva sobre toda a humanidade”. O então cardeal Ratzinger, ainda em 2000, repetiu no documento Dominus Jesus a doutrina medieval de que “fora da Igreja não há salvação”, e de que os de fora “correm grave risco de perdição”.

Esse tipo de Igreja, seguramente, não tem salvação. Lentamente, perde sustentabilidade em todo o mundo. Qual seria a Igreja digna de salvação? É aquela que, humildemente, volta à figura do Jesus histórico, operário simples e profético, Filho encarnado, imbuído da missão divina de anunciar que Deus está aí com sua graça e misericórdia para todos; uma Igreja que reconhece as demais igrejas como expressões diferentes da herança sagrada de Jesus; que se abre ao diálogo com todas as demais religiões e caminhos espirituais, vendo aí a ação do Espírito que chega sempre antes do missionário; que está disposta a aprender toda a sabedoria acumulada da humanidade; que renuncia a todo o poder e espetacularização da fé para que não seja mera fachada de uma vitalidade inexistente; que se apresenta como “advogada e defensora” dos oprimidos de qualquer espécie, disposta a sofrer perseguições e martírios à semelhança de seu fundador; e na qual o papa tivesse a coragem de renunciar à pretensão de poder jurídico sobre todos e fosse sinal de referência e unidade da proposta cristã com a missão pastoral de fortalecer a todos na fé, na esperança e no amor.

Essa Igreja está no âmbito de nossas possibilidades. Basta imbuirmo-nos do espírito do Nazareno. Então seria, verdadeiramente, a Igreja dos humanos, de Jesus, de Deus, uma comprovação de que a utopia do Reino é verdadeira. Ela seria um espaço de realização do Reino dos libertos para o qual todos são convocados.
(Transcrito do jornal O Tempo)

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

LER POESIA É UMA ARTE



Conforme já foi dito várias vezes, a natureza da realidade essencial não pode ser transmitida por palavras. As palavras são símbolos um pouco mais sofisticadas apenas do que a escrita do antigo Egito que era organizada em forma de hieróglifos.
 
Mas existe algo que todo ser humano possui embora não tenha conhecimento ou não utilize de forma plena, ela se chama ESSÊNCIA.

A ESSÊNCIA não é um pensamento ou uma idéia que a pessoa tenha sobre si mesma. Não é uma auto-imagem cheia de conceitos que se tem sobre si mesmo.

Podemos definir a ESSÊNCIA como uma inteligência superior, que não é física, nem emocional ou mental. É um poder pessoal. Alguns poetas em alguns poemas conseguem se conectar com sua ESSÊNCIA quando escrevem. Assim como outros artistas, pintores, compositores, músicos, etc...

O poeta José Paulo Paes diz: "A poesia não é mais do que uma brincadeira com as palavras. Nessa brincadeira, cada palavra pode e deve significar mais de uma coisa ao mesmo tempo: isso aí é também isso ali. Toda poesia tem que ter uma surpresa. Se não tiver, não é poesia: é papo furado."

Um dos poemas mais lindo que conheço é esse aí embaixo de Carlos Drummond de Andrade:

Procura da Poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
Não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem: rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consuma
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara: ermas de melodia e conceito,
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Vou sugerir uma reflexão sobre por que ler poesia vale a pena:

- a poesia desperta a sensibilidade para a manifestação do poético no mundo, nas artes e nas palavras;

- o convívio com a poesia favorece o prazer da leitura do texto poético e sensibiliza para a produção dos próprios poemas;

- o exercício poético ajuda no desenvolvimento de uma percepção mais rica da realidade, aumenta a familiaridade com a linguagem mais elaborada da literatura e enriquece a sensibilidade.

Rubem Alves foi muito feliz quando disse essas palavras:

"Não basta saber ler para ler poesia. Ler poesia é uma arte. Exige que o leitor se coloque numa posição especial de alma. O segredo da poesia está na música da leitura. Mais do que uma arte: é um ato de bruxedo. O leitor invoca um mistério que se encontra nos interstícios das palavras do poeta. Essas palavras estão dentro dele mesmo. O poema faz-me ouvir um poema que está dentro de mim. Esse poema que está dentro de mim é um pedaço de mim."
Rubem Alves

(Texto de Paulo Cesar de Oliveira)

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

POEMA INCOMPREENSÍVEL



A MINHA REALIDADE É A REALIDADE DAS COISAS IRREAIS
A MINHA FELICIDADE É A FELICIDADE DE NÃO PRECISAR SER FELIZ
O MEU AMOR É O AMOR DE QUEM CONHECEU O NÃO AMOR, SOFREU E NÃO MORREU
A MINHA COMPRRENSÃO É A PERCEPÇÃO DA TRANSITORIEDADE DE TODAS AS COISAS
A MINHA ESPERANÇA NÃO ESTÁ NO FUTURO, MAS NO PRESENTE
O MEU GRANDE AMIGO SOU EU
O MEU DEUS NÃO TEM UM NOME, MAS EXISTE ASSIM MESMO, MESMO QUE SOMENTE DENTRO DE MIM
A MINHA ALEGRIA É SABER QUE NÃO SOU TRISTE
E A MINHA TRISTEZA É SABER QUE SOMENTE EU POSSO ME ENTENDER
COMO ESSE POEMA

(© 26.09.2012 – Paulo Cesar de Oliveira)

terça-feira, 25 de setembro de 2012

A MINHA PRÓPRIA SUSTENTABILIDADE

Em época de "desenvolvimento sustentável"
Em tempos de "sustentabilidade"
Não quero mais amores só pela metade, insustentáveis
insuportáveis, incontroláveis...
Quero um amor "sustentável" também
Não quero mais a "Insustentável Leveza do Ser"
Quero sim, a sustentável leveza de te ter

(Paulo Cesar de Oliveira)

P.S.: É apenas um suposto poema em gente! Não vão fazer igual aquela moça que depois que lhe enviei um poema ela me mandou "sair dessa", que ela já teve "nessa" mais saiu "dessa" para uma "melhor". E confesso que até hoje não sei onde eu estava nem ela.

COLABOREM COM MINHA CAMPANHA

ADULTO ESPERANÇA 2012

Para doar R$ 1.000,00 ... ligue para meu celular,
para doar R$ 1.500,00 ... ligue para meu fixo,
para doar R$ 5.000,00 ... é só me avisar que eu mesmo vou buscar ...
Para doar valores maiores, eu busco a qualquer hora da noite ou da madrugada ...
Doações do exterior ... não se acanhe ...
yo hablo español,
io parlo italiano,
je parle français.
I speak English (British and American)
Ich spreche Deutsch e
também ia gavariu pa ruski ...
 

Ah! também aceito Euro ou Dólar,
Peso não ... já basta o que eu carrego ...
 

Colabore!!! Faça-me feliz!!! Não sou mais criança, mas ainda tenho esperança.....

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

UMA VEZ QUE JÁ TUDO SE PERDEU

Que o medo não te tolha a tua mão
Nenhuma ocasião vale o temor
Ergue a cabeça dignamente irmão
falo-te era nome seja de quem for


No princípio de tudo o coração
como o fogo alastrava em redor
Uma nuvem qualquer toldou então
céus de canção promessa e amor


Mas tudo é apenas o que é
levanta-te do chão põe-te de pé
lembro-te apenas o que te esqueceu


Não temas porque tudo recomeça
Nada se perde por mais que aconteça
uma vez que já tudo se perdeu


Ruy de Moura Belo (São João da Ribeira, Rio Maior, Portugal, 27 de fevereiro de 1933 - Queluz, 8 de agosto de 1978) - Além de poeta, foi contista e ensaísta. Licenciado em Filologia Românica e em Direito pela Universidade de Lisboa, obteve o grau de Doutor pela Universidade Gregoriana de Roma. Também foi tradutor de Antoine de Saint-Exupéry, Montesquieu, Jorge Luís Borges e Federico García Lorca.

domingo, 23 de setembro de 2012

FALANDO DO QUE NÃO SEI




Você diz que ainda não consegui entender e aceitar meus sentimentos com uma mulher.

Mas eu nunca, em nenhum momento da minha vida quis entender e aceitar meus sentimentos com uma mulher.

Tenho dúvidas até de saber quais são meus sentimentos mais simples, quanto mais dos meus sentimentos com uma mulher.

Das mulheres eu só desejei um pouco do seu amor e sexo, da sua ternura e da sua companhia.

Mas era só um pouco, pois sabia que tudo um dia passaria, como tem passado desde os mais remotos dias.

Você tem razão quando diz que amei muitas mulheres, mas não amei somente muitas, amei todas.

Eu nunca ficaria com uma mulher se não a amasse, só que o amor tem várias formas, maneiras, tipos e modos.

E meu amor foi diferente com cada uma de acordo com as suas próprias diferenças e individualidades.

Eu mesmo nunca fui o mesmo. Todos os dias sou uma pessoa diferente.

O amor é como um rio onde é impossível pisar no mesmo rio duas ou mais vezes.

Na verdade estou falando de amor porque você citou essa palavra, mas é uma palavra que ainda estou aprendendo o seu real significado.

Esse amor que você fala de “cuidar do outro” é uma característica do amor, você não definiu com isso o amor, você citou uma das suas características mais marcante, “quem ama cuida”.

Eu também cuidei de todos os meus amores, só que algumas vezes, o remédio que cura também pode matar. Principalmente se você administra uma super dosagem.

Amor não é apego. Muito difícil as pessoas entenderem isso. Você não possui uma pessoa porque supostamente acha que ama ou acha que ela te ama.

Para finalizar: fui e continuo sendo um aprendiz do amor, só que a partir de um certo momento que não sei precisar exatamente quando, a experiência, a maturidade, o cansaço da alma e até físico, as ilusões e as desilusões, etc, redirecionaram meu amor para um tipo de amor que não é o mesmo que buscava e praticava alguns anos atrás, quando você me conheceu.

Esse novo tipo de amor se chama “amor próprio” e ele se baseia na liberdade e aceitação de você mesmo como você é.

Sabe qual é o amor que busco hoje? Uma mulher que não me perguntasse nada, que não quisesse saber do meu passado, do que fui e do que sou e muito menos do que serei um dia.

E que também não me falasse nada do seu passado, do seu presente e do que pretende ser.

Provavelmente essa mulher não existe. Mas tudo bem, provavelmente eu também não exista.

Sabe de uma coisa? É mais fictício que eu e essa mulher existamos em outro lugar e não aqui nesse mundo, nesse planeta.

Mas, sinceramente e honestamente, eu nunca desejei entender meus sentimentos por uma mulher, sempre desejei apenas amar uma mulher segundo meus próprios conceitos e o que entendia por amor naquelas ocasiões.

E algumas vezes desejei apenas fazer sexo com uma mulher, porque sexo também pode ser um tipo de amor e às vezes não.

Tá vendo como esse negócio de amor é complicado e complexo, por isso prefiro fazer amor do que falar de amor.


(Paulo Cesar de Oliveira)
                                     





O JULGADOR



Gostaria de dizer para vocês que ao contrário dos hipócritas e dos moralistas sou uma pessoa muito julgadora, julgo a todo momento. Acredito que tenho julgado desde as primeiras horas quando abri os olhos naquela maternidade no centro da cidade do Rio de Janeiro em maio de 1954. Ali, naquele momento e naquele lugar iniciei minha história de julgamentos que continua até hoje. São 58 anos de julgamentos, só nessa vida.

E não parei mais de julgar. Fui crescendo e julgando. A cada momento me vi numa situação que precisava fazer escolhas e tomar decisões e para fazer isso eu precisava do meu juízo. Nesse momento agora, por exemplo, em que escrevo essas palavras e esse sincero depoimento, estou julgando vocês destinatários e leitores dessa mensagem. Estou julgando que vocês são capazes de compreender o que vos digo.Isso também é um julgamento.

Nos meus julgamentos muitas vezes me engano, outras vezes acerto; algumas vezes sou justo, outras sou injusto. Às vezes sou bom, outras sou mau. Às vezes revejo meu julgamento, outras vezes insisto. Em resumo, não é fácil essa vida de julgador.

Quando leio essas frases prontas como bulas de remédio de gente falando sobre o não julgamento ou, quando ouço ou leio os “ucemistas” falando sobre o fato deles não julgarem ninguém, fico triste e alegre ao mesmo tempo; fico com inveja deles, ao mesmo tempo em que sinto orgulho de mim. E fico imaginando: “que planeta bom e bonito que essas pessoas vivem, onde não há necessidade de julgar nada nem ninguém”.

Mas eu tenho uma dúvida. Me ajudem nessa, por favor. Quando uma pessoa diz para a outra que ela é julgadora, define o outro como fazendo um julgamento, essa pessoa não estaria ela, naquele exato momento, fazendo também um julgamento? Tenho pensado nisso.

A minha mente julgadora, quiçá todas as mentes julgadoras iguais a minha, funcionam assim: você observa, analisa, julga, decide e escolhe. Por isso, minha amiga, meu amigo, eu não fico nem um pouco incomodado se você, julgadora ou julgador como eu, me julga um julgador ou julga meus poemas como se realmente fosse eu. Só eu sei como é difícil a vida de um julgador. Só eu sei como é difícil e ao mesmo tempo maravilhoso ser o que sou. Estar cercado de gente por todos os lados e estar sozinho num mundo estranho de onde você não sabe de onde veio, para onde vai e o que está fazendo aqui.

Só julgando mesmo.

Quando eu te amei e me enganei, eu também estava julgando. Estava julgando a minha capacidade de amar. Estava julgando que te amava. Estava julgando que você me amava. Estava julgando o próprio amor...Que pretensão minha, não é mesmo.

E mesmo hoje, quando alguns anos já se passaram e mesmo assim ainda acordo na madrugada pensando em você, julgo que a paixão talvez não seja amor, mas também pode ser. Mas pode ser apenas mais uma doença que mesmo curada, ainda  não foi extinta. 

E julgo então que um JULGADOR pode ser ao mesmo tempo um POETA, um APAIXONADO, um DOENTE ou apenas mais um LOUCO. Mas nunca poderá ser um hipócrita mentiroso. Porque o coração não mente.

(Esse texto fiz pensando em você cujo nome não pode ser revelado. Penso em você o dia inteiro, e se errei no meu julgamento, foi porque você me distraiu.)


(© 23.09.2012 – Paulo Cesar de Oliveira)

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

"Se alguém te perguntar o quiseste dizer com um poema, pergunta-lhe o que Deus quis dizer com este
mundo..."


(Mario Quintana)

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

NÓS SOMOS O AMOR QUE DESEJAMOS



Há algo que você não entende
Mas mesmo assim preciso lhe dizer
Eu não posso te amar nem amar a ninguém
Enquanto não amar a mim mesmo
E não posso amar a mim mesmo
Se não sei quem eu sou
Eu já tentei amar dessa maneira diversas vezes e não deu certo
Nessas tentativas, pessoas foram magoadas e eu fiquei ferido
Você me pergunta o que é “amar a si mesmo”
Significa ser você mesmo, naturalmente, pacificamente e interiormente
O amor precisa se tornar não um relacionamento, não um estreitamento
Mas uma expansão, sua própria irradiação
Não existe divisão entre eu, você e Deus
Somos unidos
Sentir esta música da existência é a única religião que posso aceitar como válida
Meu amor eu estou apenas te dizendo que precisamos mudar o significado do amor
Ele não é algo que estamos tentando obter do outro e essa tem sido a história do amor
Todos estão tentando obtê-lo do outro, tanto quanto possível
E dessa forma ninguém está obtendo coisa alguma
Amor não é algo para se obter
Amor é algo para se dar
Mas você só pode dar somente quando você tem
Eu vaguei entre as trevas durante milhões de vida
Mesmo assim mantive minha Luz interior
E posso hoje lhe dizer que o maior mistério da vida é conhecer a si mesmo
A vida só é real quando Eu Sou
Mas você sempre foi a mais linda das minhas ilusões 

(© 20.09.2012 – Paulo Cesar de Oliveira)

Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.


Alberto Caeiro é um dos heterônimos do poeta português Fernando Pessoa
"Amo-te tanto ! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz. "


(Florbela Espanca)
("Odalisque", obra de Pablo Picasso, 1951)

MOTIVO

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou se desfaço,
- Não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada. 


Cecília Meireles

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

QUANDO NIETZSCHE CHOROU EU ESTAVA LÁ



 Quando Nietzsche chorou
Eu estava lá e chorei com ele
Qualquer sentimental que lá estivesse
Também choraria ao ver
O impossível amor acontecer e morrer
Lou Salomé era uma bela mulher
Mas se apaixonou apenas pelo intelecto do filósofo

Nietzsche, o durão, chorou como um pobre mortal apaixonado
Foi a última vez que Nietzsche e eu choramos pelo  amor de uma mulher
Minhas lágrimas secaram, viraram poesias
As de Nietzsche, se tornaram filosofias,
vãs filosofias, vãs poesias

Hoje choro de alegrias e ironias
Quando encontro você e Salomé nas ruas
Gordas, cheia de filhos e algumas estrias
Vou para casa e faço mais uma poesia

(© 19.09.2012 – Paulo Cesar de Oliveira)

terça-feira, 18 de setembro de 2012

FAÇO DAS PALAVRAS DO MILLÔR AS MINHAS

"Vocês não sabem como é divertido o absoluto ceticismo. Pode-se brincar com a hipocrisia alheia como quem brinca com a roleta russa com a certeza de que a arma está descarregada."

Millôr Fernandes

sábado, 15 de setembro de 2012

"Eis o meu segredo. É muito simples:
só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos."
 
O Pequeno Príncipe

O TALENTO DAS ESTRELAS NO FOGÃO


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

BRINQUEDO DE CRIANÇA



O QUE ME DÁ POESIA
É QUE SONHO COM VOCÊ
DE NOITE E DE DIA

O QUE ME DÁ ESPERANÇA
E RENOVA MINHA ALEGRIA
E SABER QUE VOCÊ EM ALGUM LUGAR
AINDA EXISTE E NÃO É MINHA FANTASIA

O QUE ME DEIXA FELIZ
E É ALIMENTO PARA MEU CORAÇÃO
É VIVER ESSA MINHA ILUSÃO

O QUE NÃO ME DEIXA MORRER
É PENSAR QUE UM DIA
EU VOU TE REVER

O QUE AINDA ME MANTÉM VIVO
SÃO OS MEUS SONHOS
E A TUA LEMBRANÇA

É COLOCAR MEUS DESEJOS
ONDE NINGUÉM MAIS ALCANÇA
É VIVER COMO SE AINDA FOSSE UMA CRIANÇA

QUE NUNCA ESQUECEU DO SEU BRINQUEDO
E DO SEU AMOR

(© 14.09.2012 – Paulo Cesar de Oliveira)

INTERVALO AMOROSO

O que fazer entre um orgasmo e outro,
quando se abre um intervalo
sem teu corpo?

Onde estou, quando não estou
no teu gozo incluído?
Sou todo exílio?

Que imperfeita forma de ser é essa
quando de ti sou apartado?

Que neutra forma toco
quando não toco teus seios, coxas
e não recolho o sopro da vida de tua boca?

O que fazer entre um poema e outro
olhando a cama, a folha fria?

A prótese do PT no Supremo

Guilherme Fiuza
Os ministros do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli são a prova viva de que a revolução companheira triunfará. Dois advogados medíocres, cultivados à sombra do poder petista para chegar onde chegaram, eles ainda poderão render a Luiz Inácio da Silva o Nobel de Química: possivelmente seja o primeiro caso comprovado de juízes de laboratório. No julgamento do mensalão, a atuação das duas criaturas do PT vem provar, ao vivo, que o Brasil não precisa ter a menor inveja do chavismo.
 Batman e Robin?
Alguns inocentes chegaram a acreditar que Dias Toffoli se declararia impedido de votar no processo do mensalão, por ter advogado para o PT durante anos a fio. Participar do julgamento seria muita cara de pau, dizia-se nos bastidores. Ora, essa é justamente a especialidade da casa. Como um sujeito que só chegou à corte suprema para obedecer a um partido iria, na hora h, abandonar sua missão fisiológica?
A desinibição do companheiro não é pouca. Quando se deu o escândalo do mensalão, Dias Toffoli era nada menos do que subchefe da assessoria jurídica de José Dirceu na Casa Civil. Os empréstimos fictícios e contratos fantasmas pilotados por Marcos Valério, que segundo o processo eram coordenados exatamente da Casa Civil, estavam portanto sob as barbas bolivarianas de Dias Toffoli. O ministro está julgando um processo no qual poderia até ser réu.
A desenvoltura da dupla Lewandowski-Toffoli, com seus cochichos em plenário e votos certeiros, como na absolvição ao companheiro condenado João Paulo Cunha, deixariam Hugo Chávez babando de inveja. O ditador democrata da Venezuela nem precisa disso, mas quem não gostaria de ter em casa juízes de estimação? A cena dos dois ministros teleguiados conchavando na corte pela causa petista, como super-heróis partidários debaixo de suas capas pretas, não deixa dúvidas: é a dupla Batman e Robin do fisiologismo. Santa desfaçatez.
Já que o aparelhamento das instituições é inevitável, e que um dia seremos todos julgados por juízes de estrelinha na lapela, será que não dava para o estado-maior petista dar uma caprichada na escolha dos interventores? Seria coincidência, ou esses funcionários da revolução têm como pré-requisito a mediocridade?

NADA DE CONCURSOS

Como se sabe, antes da varinha de condão de Dirceu, Dias Toffoli tentou ser juiz duas vezes em São Paulo e foi reprovado em ambas. Aí sua veia revolucionária foi descoberta e ele não precisou mais entrar em concursos – essa instituição pequeno-burguesa que só serve para atrasar os visionários. Graças ao petismo, Toffoli foi ser procurador no Amapá, e depois de advogar em campanhas eleitorais do partido alçou voo à Advocacia-Geral da União – porque lealdade não tem preço e o Estado são eles.
É claro que uma carreira brilhante dessas tinha que acabar no Supremo Tribunal Federal.
O advogado Lewandowski vivia de empregos na máquina municipal de São Bernardo do Campo. Aqui, um parêntese: está provado que as máquinas administrativas loteadas politicamente têm o poder de transformar militantes medíocres em grandes personalidades nacionais – como comprova a carreira igualmente impressionante de Dilma Rousseff. Lewandowski virou juiz com uma mãozinha do doutor Márcio Thomaz Bastos, ex-advogado de Carlinhos Cachoeira, que enxergou o potencial do amigo da família de Marisa Letícia, esposa do bacharel Luiz Inácio.

Desembargador obscuro, sem nenhum acórdão digno de citação em processos relevantes, Lewandowski reuniu portanto as credenciais exatas para ocupar uma cadeira na mais alta esfera da Justiça brasileira.
Suas diversas manobras para tumultuar o julgamento do mensalão enchem de orgulho seus padrinhos. A estratégia de fuzilar o cachorro morto Marcos Valério, para depois parecer independente ao inocentar o mensaleiro João Paulo, certamente passará à antologia do Supremo – como um marco da nova Justiça com prótese partidária.
O julgamento prossegue, e os juízes do PT no STF sabem que o que está em jogo é a integridade (sic) do esquema de revezamento Lula-Dilma no Planalto. Dependendo da quantidade de cabeças cortadas, a platéia pode começar a sentir o cheiro dos subterrâneos da hegemonia petista.
Batman e Robin darão o melhor de si. Olho neles.

(Transcrito da revista Época)

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

POESIA E MISTICISMO

Mais uma vez, vou bater na mesma tecla, a poesia é uma coisa mística, um verdadeiro poeta é um místico. E o que é um místico? Nesse caso, prefiro citar alguns místicos conhecidos de vocês do que definir um místico, porque as palavras não definem, as palavras são limitadas pois são símbolos. Então, segue alguns místicos: Raul Seixas (Não, Paulo Coelho não é um místico), Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Rabindranath Tagore, Gibran Khalil, Omar Khayyam, Rumi (Mawlānā Jalāl-ad-Dīn Muhammad Rūmī), Florbela Espanca, Clarice Lispector, Manuel Bandeira, etc...

Se vocês quiserem entender de poesia terão que se tornarem um pouco místico, o que significa abandonar por uns minutos essa mente lógica, coerente, racional, científica, interpretativa e questionadora.

Vou deixar com vocês também dois textos que falam de poesias, dois textos que gosto muito, um do Osho e outro da poetisa Adélia Prado (numa conferencia na PUC-Rio em 1997) 


(Paulo Cesar de Oliveira)

A poesia precisa ser entendida de maneira diferente — você precisa amar a poesia, e não interpretá-la.

Você precisa repeti-la muitas vezes, de tal modo que ela se misture com o seu sangue, com os seus ossos, com a sua própria medula.

Você precisa recitar poesia muitas vezes, de tal modo que possa sentir todas as nuanças, as suas formas sutis.


Você precisa sentar-se simplesmente e deixar a poesia entrar em você, para que ela passe a ser uma força viva. Você a digere e depois se esquece dela; ela entra cada vez mais fundo e o transforma.

Deixe que eu seja lembrado como um poeta. É claro — não estou escrevendo poesias em palavras. Estou escrevendo num veículo mais vivo — em você. E é isso que toda a existência está fazendo.

Osho, em "A Harmonia Oculta: Discursos Sobre os Fragmentos de Heráclito"

MÍSTICA E POESIA
Adélia Prado


Não é uma conferência, porque eu não estaria nem habilitada para isto. Eu perguntei se poderia ser uma conversa sobre poesia e a direção da casa assentiu. É isso que nós vamos fazer!


Estes dias, me preparando um pouco para vir aqui, eu estava lendo um livro que se chama "Necessidade da Arte", de Ernst Fisher. Ele começa assim: "A arte é indispensável.


Se nós ao menos soubéssemos para que..." Isto toca na questão central da arte em geral, que é sua mais extrema inutilidade, a sua não-função.


A arte não tem função, sua natureza não se presta a nenhum uso, a nenhuma instrumentalização. Serve para aquilo que é individual, pequeno, limitado e precário encontre através dela uma significação de natureza universal e, portanto, de transcendência. Qualquer arte - pintura, música, cinema, literatura - onde eu consiga falar da minha pequena dor pessoal, do meu pequeno medo, do meu pavor, do meu pânico, da minha doença, da minha paixão; onde eu encontre uma linguagem para isto, um signo, me descansa... E eu falo: "Ah, tá bom..." Quando você vê um poeta falar da sua dor, você
fala: "Ai, que bom; ele também sabe como é!"


Quando você encontra isto no cinema, na música, você fica consolado, porque a sua pequena dor foi elevada a um patamar de universalidade, porque o artista ofereceu para você um espelho: "Olha, não se assuste, você é humano, isto compete a nós humanos."


Este é o papel da arte: oferecer para mim, que sou pequeno, um signo, um sinal de natureza universal, e que "segura" para mim aquela pequena emoção.


Existe um exemplo muito corriqueiro, mas muito fácil. Você tem um objeto de estimação que seu pai deixou para você. Um relógio que pertenceu ao seu pai, que está carregado de afeto e de história. Você morre de medo de perder este objeto, mas se você faz um lindo poema sobre este objeto, ou se você pinta este relógio, você pode perdê-lo, o ladrão pode roubá-lo, porque ele está eternizado, e de maneira muito mais perfeita no poema ou no quadro, não é verdade?

Este é o papel da arte, é "segurar" para mim a minha experiência humana. Não a minha pequena dor apenas, mas a dor universal.


A empregada doméstica sem nenhuma escolarização, sem nenhuma tese de mestrado, sem nenhuma informação acadêmica, arruma a casa e põe uma jarra de flor em um canto, e não em outro. Ela o faz orientada por um instinto estético de beleza, por um chamamento de beleza. E é isso que me distingue do animal. Eu não apenas como, mas eu como sobre uma toalha, sobre um prato; eu ponho uma vela; eu ponho uma flor. Essas são necessidades de natureza espiritual.


Não é brincadeirinha, não é uma "frescurinha", são necessidades profundas do espírito. Eu preciso colocar esta flor aqui; o meu vestido tem que ser "assado"; o meu jardim é "assim"...


Conheci um homem muito simples, ferreiro e a escolaridade dele era só até o 3° ano primário. Mas ele plantava jardim em sua casa. Quando ele fazia jardim, ele falava assim: "Eu não gosto de canteiro quadrado, é muito sem poesia. Eu gosto de um 'fingimento' de lua, de um 'fingimento' de estrela". 

Olha que coisa fantástica! Um "fingimento".

E aquilo, que era "fingimento" para ele, era o mais profundo de sua alma, era a expressão da beleza, da busca da necessidade da beleza. 


A arte tem este papel na sua natureza - de salvação coletiva da humanidade. Ela é uma via de salvação, porque ela toca naquilo que em mim é mais precioso, que não tem preço.

Não tem preço o meu desejo de beleza. Para o desejo do meu coração o mar é uma gota. Quem é que dá conta de exprimir o seu desejo? Não tem ninguém. Ele é infinito e a arte é uma forma, um referencial que fala: "Olha, 'segurei' para você".


Van Gogh pinta os girassóis dele e fala: "Ai, graças a Deus. Agora eu posso descansar.


Não quero nem mais saber de girassol. Ele já está aqui". É porque ele pega exatamente a qualidade imortal da experiência, que é a idéia a que nós estamos chegando - a qualidade epifânica da poesia.


A poesia, a poesia verdadeira é sempre "epifânica"; ela revela e a beleza dela é isto.


A beleza não é o assunto. Eu posso falar pessimamente sobre pores-de-sol e madrugadas e fazer um texto insuportável. Em arte, a beleza não é do tema, é da forma. E se a beleza está na forma qualquer assunto me serve, qualquer coisa é a casa da poesia. Ela não recusa absolutamente nada que diz respeito à experiência humana, porque ela guarda, na sua forma, exatamente esta revelação - é só "olhos de ver". 


Por isso é que a Bíblia, e todas as escrituras sagradas de todas as religiões, sobrevivem há milênios, há séculos e séculos, por causa da linguagem. É por causa da linguagem. Os teólogos falariam aqui: "É por causa de Deus". É, mas eu estou falando a mesma coisa. É uma linguagem divina. A linguagem da arte é divina. Isto não é uma força de expressão. 

Eu acho que isto pode ser traduzido de forma literal, porque o poeta, o artista, rigorosamente falando, não é o criador de sua obra, isto é impossível. Uma coisa do tamanhinho que nós somos é incapaz de produzir tal comoção, como as obras de arte nos produzem. 

O livro é maior que o poeta. Tem que ser, do contrário não se justifica a sua publicação. O livro tem que ser melhor; a pintura tem que ser melhor que o pintor; porque não é uma linguagem dele, mas que passa através do artista, com todos os seus dados biográficos, as "neuras" e as "psis". Mas a obra em si dá esse salto, ela transcende.

Não é uma coisa sempre muito agradável conhecer os autores, não é uma coisa sempre muito boa e, às vezes, é bastante decepcionante. A obra é melhor, tem que ser melhor. O dia em que o livro for pior que eu, eu não posso publicá-lo, não devo publicá-lo. Eu tenho que ir atrás do meu livro, o pintor tem que ir atrás da sua pintura, que está à frente, porque é linguagem
divina.


"Existem poemas que não tem poesia."


A pretensão do dramaturgo, de quem está fazendo teatro, é tocar, num determinado momento da peça, numa emoção de natureza poética que levante a platéia. O cinema é a mesma coisa, a pintura é a mesma coisa e o poema também. Existem poemas que não têm poesia. A poesia é a estranheza que a coisa me provoca; uma estranheza fundada na beleza. Na hora em que fica bonito demais nós não agüentamos! Eu já vi gente sair do cinema na hora melhor. Às vezes é quase insuportável. Tem hora que o teatro fica tão horrível de bom que nós saímos: "Não quero ver, não quero".


A beleza revela o real.


Há pessoas que não suportam a beleza. Sabem por que? Porque ela revela o real, e nem sempre eu quero o real. Por exemplo, às vezes eu quero exatamente, com a arte, fugir da realidade. Então eu não estou fazendo arte, pode ter certeza absoluta. Por isto que os governos fortes, as ditaduras, têm pavor da arte verdadeira, porque ela revela, ela desnuda.


A arte tem esse papel, que é como "correr uma cortina".. Você vê! É o caráter "epifânico" da poesia. Se ela não faz isto, não acontece nada; mas se ela é verdadeira, acontece.


Esse momento de beleza é o momento profundo, de profunda religiosidade.
Você cai em adoração. Porque você está vendo algo inominável.


Vocês já repararam num abacaxi? Todo mundo conhece um abacaxi. Que coisa difícil de conhecer um abacaxi. Aquela coisa cascuda diante de você. Ele é impenetrável!


O abacaxi ou qualquer outro fenômeno, como uma árvore... Mas se um artista pinta este abacaxi, faz pintura real ou faz um poema, você fala: "Gente mas que coisa!". Então você vai lá na sua cozinha conferir o abacaxi que está lá. É verdade, porque há um acontecimento revelador. A poesia me faz perceber a pulsação das coisas. Isso que é poesia, e a isso chamo também de experiência religiosa.


Se nós ficarmos atentos à linguagem dos místicos, perceberemos que eles só falam por metáforas. Por que? Eles estão falando do inominável: "Oh! Eu vi, eu vi, eu vi... O amor é o amor, o amor quer ser amado." Se vamos ao anedotário da vida dos santos, achamos muito engraçado. Se você for até os místicos, os mais antigos então... 


Mestre Eckhart, por exemplo, tem um livro que fala assim: "Deus existe gente, mas Ele existe tanto que nem existe!". É uma coisa tão difícil de falar e ele tem que recorrer à linguagem poética. A linguagem filosófica é pequena, a linguagem científica fica é menor. Só a hipérbole poética, só a loucura da poesia e da arte é que revela isto para nós. 

Dizem que o Papa ficava preocupadíssimo, passava reprimendas nele: "Você não pode fazer isto, porque você está descatequizando o povo". Ele falava: "Não, Sua Santidade, o povo entende". E entende mesmo. Qualquer dona Maria entende isto. Você fala: "Deus existe tanto que Ele nem existe, de tanto que Ele existe!". É tranqüilo, isso é tranqüilo para uma alma simples e desarmada.

A poesia exige a mais profunda humildade.


Entramos em mais um outro ponto. A poesia exige a mais profunda humildade.


Um espírito orgulhoso e cercado de lógica e de conceitos e de preconceitos não tem entrada para a poesia. A poesia é dos loucos e dos simples e dos santos. É preciso de um tipo de atitude de reverência, é aquele "curvai-vos", quer dizer, é mistério. Eu estou celebrando o mistério! É aí que reside a grande crise da liturgia hoje. Por que que a liturgia está em crise? Chega a Campanha da Fraternidade, e você encontra algumas músicas que falam até no sistema. 


Você está na hora da comunhão, aquela hora maravilhosa, e está cantando coisas - sobre o sistema, o capitalismo, etc. Não é lugar para este discurso
politizado. O lugar da adoração, exige um rito de adoração.


" A liturgia tem que ser vela..."


São as pessoas na roça, na minha roça, cantando "tantum ergo sacramentum" em latim macarrônico, errado, mas em estado de reverência e adoração, não por causa do latim, mas por causa da beleza da música. A liturgia tem que ser bela, ela tem que ter esta natureza poética. Se não possibilitar esta experiência, nós não estaremos celebrando o mistério. Então o ministro fica no altar, como se fosse um funcionário do sagrado, assim como tem funcionário da poesia. 


Tem muita gente que é funcionário da poesia:

"Ah, você está precisando de um versinho de aniversário! Eu faço soneto para você, eu faço quadrinha, eu faço o que quiser." Não é isto, não se trata disto. A poesia não é para talentosos não. A poesia exige uma burrice, uma disponibilidade, uma generosidade, para permitir aquela palavra horrível naquele poema. Você tem que colocá-la. Não dá para mandar naquilo, não é um armazém de secos e molhados. 


E é nisto que eu acho que a mística, a poesia, a liturgia, fazem uma unidade só. A fonte da poesia e da celebração litúrgica é uma só. A poesia celebra o mistério do ser. E o que a liturgia celebra?

Celebra e adora o mistério do Ser por excelência. Não sei o que podemos falar teologicamente aqui. Mas estamos diante do mesmo mistério, então, é só celebração. Na hora do catecismo eu posso falar bem, explicar direitinho. Mas na hora da celebração é celebração, é beleza, é adoração. E o culto que não permitir o mistério, que quiser explicar o mistério, picar o mistério em pedacinhos para a assembléia, ele está, exatamente, tentando domesticar Deus. Domesticar o indomesticável. A celebração é esta atitude de reverência diante do mistério!


"A função da poesia é ser bela..."


Se vamos ao teatro para ver uma coisa triste demais, por exemplo, uma tragédia... Não precisa ir em Shakespeare, nem nos gregos, pode ir no Nelson Rodrigues, que é o nosso Shakespeare. Você vai ao cinema, vê aqueles filmes tristes, sai de lá com a garganta doendo, porque fez força para não chorar. No entanto, você vai. Aquilo é atraente.


Então, a função da poesia é ser bela. E, em sendo bela, ela me dá a melhor ajuda possível.


Ela fala comigo assim:


"Fica tranqüila... Pode esperar que vai dar certo. Estão lá Mozart, Bach, Van Gogh...Está tudo lá. Eles entendem tudo que você está sofrendo aí. Pode ficar sossegada".


É São Francisco falando por mim, é Santo Inácio.


Por falar nisso eu vi uma coisa interessantíssima num jornalzinho. Dizia que
quando Jesus nasceu, quando souberam da notícia, foram visitá-lo um dominicano, um jesuíta e um franciscano. Dizem que o franciscano chegou, e quando viu a gruta da natividade, prostrou-se em adoração. Quando veio o dominicano, ele fez uma tese, uma tese maravilhosa sobre o mistério da encarnação do Verbo. Depois chegou o jesuíta e perguntou a São José: "Em qual o colégio você vai colocar o menino?".


Perfeita, não é? Anedota tem um dom de fazer uma caricatura para extrairmos o que de fato interessa para a nossa discussão. É só isso que eu quero dizer: a poesia é a celebração do mistério e a liturgia também.


Agora eu vou ler alguns pequenos textos que selecionei. Eu acho que para falar sobre poesia, o melhor é falar a própria, não é?


Com licença poética


Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio no parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.