Paulo Nogueira (Diário do Centro do Mundo)
Mário Gaio, o general romano
VOCÊ PODE RIR
A OPINIÃO DOS OUTROS
Acordei meio filosófico. E quando isso acontece pareço um livro de
citações ou um manual vulgar de autoajuda. Recomendo aos mentalmente
sãos que parem a leitura por aqui. Aos demais, aos loucos o suficiente
para ignorar a advertência, segue desde já um sincero pedido de
desculpa.

Meu ponto de partida é a atitude oposta de dois grandes filósofos
gregos, Heráclito e Demócrito, diante da miséria humana. Heráclito
chorava, Demócrito ria. No correr dos dias nós vemos uma série infinita
de absurdos e de patifarias. Alguém a quem você fez bem retribui com
ódio. A inveja parece onipresente. A mesquinharia, também. Você tropeça e
percebe a alegria maldisfarçada dos inimigos e até de amigos. (Palavras
do frasista francês Rochefoucauld: sempre encontramos uma razão de
alegria na desgraça de nossos inimigos.)
As pessoas que têm poder são quase sempre sensíveis à adulação. A
frivolidade triunfa. A hipocrisia é dominante. As decepções se acumulam.
Até seu cachorro se mostrou bem menos confiável do que você imaginava.
Se não bastasse tudo, sua sogra não sai de sua casa.
VOCÊ PODE RIR
Em suma, a vida como ela é. Você pode chorar. E dedicar o resto de
seus dias a movimentos que alternam gemidos de autopiedade e consumo de
antidepressivos de última geração. Ou então você pode rir.
A alternativa dois é a melhor.
A oposição entre Heráclito e Demócrito foi objeto de estudo de dois
filósofos distantes séculos um do outro: Sêneca e Montaigne. Cada um a
seu estilo, ambos optaram por Demócrito e sugeriram o mesmo a quem acaso
os lesse. Uma só situação provoca riso ou choro de acordo com a
disposição de espirito de quem a enfrenta. Mesmo Schopenhauer, o grande
filósofo do pessimismo, o gênio soturno que disse que a pior coisa do
mundo é nascer, reconhece sabedoria na jovialidade.
“Acima de tudo, o que nos torna mais imediatamente felizes é a
jovialidade do ânimo, pois essa boa qualidade recompensa a si mesma de
modo instantâneo” escreveu ele. “Quem é alegre tem sempre razão para ser
alegre. E a razão é exatamente esta, a de ser alegre. Nada pode
substituir tão perfeitamente qualquer outro bem quanto essa qualidade,
enquanto ela mesma não é substituível por nada.”
Bem que avisei que eu ia parecer uma fábrica de citações. Ainda é tempo de sair desse ônibus que estou conduzindo.
A OPINIÃO DOS OUTROS
Um passo essencial para a “jovialidade” é dar menos importância à
opinião dos outros sobre nós. Somos escravos da opinião alheia. E isso
nos faz inimigos de nós mesmos. Um dia seu chefe está feliz e o
cumprimenta no elevador. Você ganha o dia. Mas se alguma coisa aborreceu
seu chefe e ele parece não enxergá-lo quando vocês se cruzam, isso
talvez seja o suficiente para estragar sua semana. Mais relevante do que
os outros pensam sobre nós é o que nós pensamos sobre nós mesmos. Não
adiante o mundo inteiro reverenciá-lo se ao olhar para o espelho você
não respeita o que vê. Os sábios recomendam unanimemente a busca da
indiferença perante a opinião dos outros.
Schopenhauer cita como exemplo o líder romano Mário Gaio. Um chefe
bárbaro mandou desafiar Mário para um duelo. Sem ligar para o que os
outros achariam de sua resposta, e muito menos para o que o próprio
bárbaro pensaria, o general romano mandou o seguinte recado: “Se você
está entediado com a vida, que se enforque”.