sexta-feira, 20 de julho de 2012

NÃO SE MATE

Carlos, sossegue, o amor 
é isso que você está vendo: 
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém 
sabe o que será. 

Inútil você resistir 
ou mesmo suicidar-se. 
Não se mate, 
oh não se mate, 
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão, 
se é que virão. 

O amor, Carlos, você telúrico, 
a noite passou em você, 
e os recalques se sublimando, 
lá dentro um barulho inefável, 
rezas, vitrolas, 
santos que se persignam, 
anúncios do melhor sabão, 
barulho que ninguém sabe 
de quê, 
pra quê. 

Entretanto você caminha melancólico e vertical. 
Você é a palmeira, 
você é o grito que ninguém ouviu no teatro 
e as luzes todas se apagam. 

O amor no escuro, 
não, no claro, 
é sempre triste, meu filho, 
Carlos, mas não diga nada a ninguém, 
ninguém sabe nem saberá. 

(Carlos Drummond de Andrade)