terça-feira, 31 de julho de 2012

OUÇA UM BOM CONSELHO, QUE LHE DOU DE GRAÇA: FUJA DAS PESSOAS SÉRIAS, LÓGICAS E QUE NÃO GOSTAM DE ANIMAIS. E DAQUELAS QUE MALTRATAM SEUS PAIS.


(Paulo Cesar de Oliveira)

segunda-feira, 30 de julho de 2012

POR QUE OS ESTADOS UNIDOS FRACASSARAM

Paulo Nogueira (blog Diário do Centro do Mundo)

Morris Berman, 67 anos, é um acadêmico americano que vale a pena conhecer. Acabo de ler “Por Que os Estados Unidos Fracassaram”, dele. A primeira coisa que me ocorre é: tomara que alguma editora brasileira se interesse por este pequeno – 196 páginas – grande livro.

A questão do título é respondida amplamente. Você fecha o livro com uma compreensão clara sobre o que levou os americanos a um declínio tão dramático.

O argumento inicial de Berman diz tudo. Uma sociedade em que os fundamentos são a busca de status e a aquisição de objetos não pode funcionar.

Berman cita um episódio que viu na televisão. Uma mulher desabou com o rosto no chão em um hospital em Nova York. Ela ficou tal como caiu por uma hora inteira, sob indiferença geral, até que finalmente alguém se movimentou. A mulher já estava morta.

“O psicoterapeuta Douglas LaBier, de Washington, tem um nome para esse tipo de comportamento, que ele afirma ser comuníssimo nos Estados Unidos: síndrome da falta de solidariedade”, diz Berman. “Basicamente, é um termo elegante para designar quem não dá a mínima para ninguém senão para si próprio. LaBier sustenta que solidariedade é uma emoção natural, mas logo cedo perdida pelos americanos porque nossa sociedade dá foco nas coisas materiais e evita reflexão interior.”

Berman afirma que você sente no ar um “autismo hostil” nas relações entre as pessoas nos Estados Unidos. “Isso se manifesta numa espécie de ausência de alma, algo de que a capital Washington é um exemplo perfeito. Se você quer ter um amigo na cidade, como Harry Truman disse, então compre um cachorro.”

Fila de desempregados nos Estados Unidos

O americano médio, diz ele, acredita no “mito” da mobilidade social. Berman nota que as estatísticas mostram que a imensa maioria das pessoas nos Estados Unidos morrem na classe em que nasceram. Ainda assim, elas acham que um dia vão ser Bill Gates. Têm essa “alucinação”, em vez de achar um absurdo que alguém possa ter mais de 60 bilhões de dólares, como Bill Gates.

“Estamos assistindo ao suicídio de uma nação”, diz Berman. “Um país cujo propósito é encorajar seus cidadãos a acumular mercadorias no maior volume possível, ou exportar ‘democracia’ à base de bombas, é um navio prestes a afundar. Nossa política externa gerou o 11 de Setembro, obra de pessoas que detestavam o que os Estados Unidos estavam fazendo com os países delas. A nossa política (econômica) interna criou a crise mundial de 2008.”

A soberba americana é sublinhada por Berman em várias situações. Ele cita, por exemplo, uma declaração de George W Bush de 1988: “Nunca peço desculpas por algo que os Estados Unidos tenham feito. Não me importam os fatos.”

Essa fala foi feita pouco depois que um navio de guerra americano derrubou por alegado engano um avião iraniano com 290 pessoas a bordo, 66 delas crianças. Não houve sobreviventes.

Berman evoca também a Guerra do Vietnã. “Como entender que, depois de termos matado 3 milhões de camponeses vietnamitas e torturado dezenas de milhares, o povo americano ficasse mais incomodado com os protestos antiguerra do que com aquilo que nosso exército estava fazendo? É uma ironia que, depois de tudo, os reais selvagens sejamos – nós.”

Você pode perguntar: como alguém que tem uma visão tão crítica – e tão justificada – de seu país pode viver nele?

A resposta é que Berman desistiu dos Estados Unidos. Ele vive hoje no México, que segundo ele é visceralmente diferente do paraíso do narcotráfico pintado pela mídia americana — pela qual ele não tem a menor admiração. “Mudei para o México porque acreditava que ainda encontraria lá elementos de uma cultura tradicional, e acertei”, diz ele. “Só lamento não ter feito isso há vinte anos. Há uma decência humana no México que não existe nos Estados Unidos.

(Transcrito do site Pátria Latina * Tradução: Vila Vudu

domingo, 29 de julho de 2012

UM GRANDE ENSINAMENTO DE ADAM SMITH



Adam Smith, o pai da Ciência Econômica, devia ser repetido em toda eleição:

“A riqueza de uma nação se mede pela riqueza do povo e não pela riqueza dos governantes”.

Dólares brasileiros no exterior explicam a desigualdade no país

Pedro do Coutto

James Henry, economista chefe da Consultoria Internacional McKinsey, divulgou levantamento sobre os depósitos, senão totalmente ilegais, pelo menos irregulares, de empresas brasileiras e de brasileiros no exterior, que atingem nada menos de 520 bilhões de dólares. A reportagem, da Sucursal de Brasília, não assinada pessoalmente, saiu na edição da Folha de São Paulo de segunda-feira 23. Incrível o montante, quase inacreditável o volume de dinheiro.

Calcula a McKinsey que a torrente de recursos corresponda a vinte por cento do Produto Interno Bruto do Brasil previsto para este ano. Talvez não chegue a vinte por cento, mas seguramente oscila em torno de algo fantástico. Podemos, inclusive, para fornecer uma nítida ideia de valor, que 1 trilhão de reais representam quase a metade do orçamento do país em 2-12. Dimensiona melhor a questão.

E vale acentuar que o programa de investimentos do governo federal até o final deste exercício foi projetado na escala de apenas 107 bilhões de reais, incluindo a atuação das empresas estatais. Fora do nosso território existe portanto, em nível financeiro, a metade da lei de meios nacional.

Tais depósitos, é evidente, são fruto de sonegação fiscal e evasão de divisas remetidas por doleiros através do tempo para paraísos fiscais. Impressiona. Porque o Banco Central possui o monopólio do câmbio, me informa o economista Gilberto Paim. Os operadores em moedas estrangeiras têm que se encontrar registradas no BC e por ele habilitados.

A impressão é que existe uma acomodação para supor o mínimo. O sistema bancário possui fortíssima blindagem. Vá alguém deixar de pagar uma dívida. Não tem cabimento que o rigor natural para com os devedores não seja estendido aos aproveitadores de situações. Não há desculpa. O quadro técnico do Banco Central é altamente competente.

Mas esta é outra questão. O mais revoltante é que a exportação ilegal de dinheiro significa o sangramento das contas nacionais, a exploração do trabalho humano, aqui dentro, a manutenção de milhões de pessoas na pobreza. Dinheiro não falta para projetos de desenvolvimento econômico e social. Falta é a sua correta localização. Dentro de nossas fronteiras. A evasão de divisas representa também o financiamento para o surgimento de empregos fora do país. No exterior. E uma coisa é evidente: a maioria das remessas é ilegal. Pois se legal fosse, não haveria motivo para que esse enriquecimento deixasse de ser brasileiro. São remessas de comissões em cima de comissões, de superfaturamentos, de escape da incidência do Imposto de Renda.

Imposto de Renda, eis aí. Todos os anos, o Banco Central publica uma circular no Diário Oficial da União dando prazo para que os brasileiros que possuem contas e bens no exterior forneçam os respectivos saldos e levantamentos. E determina também que, de doze em doze meses, os totais sejam atualizados. Tudo fica no papel. Ninguém dá bola.

Porque se os titulares dos depósitos e bens levassem a sério a determinação, teriam que aparecer os 520 bilhões de dólares a que se referiu a Consultoria McKinsey. James Henry, inclusive, disse ter chegado a essa conta após cruzamento de informações do FMI, do Banco Mundial e de governos de países onde se encontra a fabulosa fortuna, algo das mil noites. Inebria e entontece, como no verso da valsa famosa.

O dramático é que, enquanto 520 bilhões de dólares brasileiros escapam da economia nacional, bilionários cruzam os céus do mundo em aviões particulares. Falta saúde, saneamento básico, educação e segurança. Sobram recursos que voaram (e continuam voando) lá para fora.


O QUE É INTELIGÊNCIA?

Por Vanessa Tuleski

Há até algumas décadas atrás, o conceito de inteligência estava restrito às habilidades lógicas. Era considerado inteligente quem tivesse a capacidade de compreender com facilidade conceitos complexos, sobretudo matemáticos. Aos poucos, as pessoas começaram a entender que a inteligência era algo muito mais amplo. Um dos marcos desta compreensão foi a publicação de "Inteligência Emocional" (Ed. Objetiva), de Daniel Goleman. O livro fez um estrondoso sucesso, principalmente porque até então não se pensava que as habilidades no campo emocional pudessem constituir uma forma de inteligência.

Mas o que é inteligência? É, basicamente, uma capacidade de articular e dominar uma determinada matéria. O que se sabe sobre inteligência hoje é que há vários tipos dela - como a matemática, verbal, artística, musical, etc. - e que uma pessoa inteligente em um assunto pode não sê-lo em outro. Por exemplo, ter elevada inteligência matemática não quer dizer, necessariamente, ter inteligência emocional. Por isto, idealmente, devemos buscar desenvolver mais de um tipo de inteligência se quisermos ter sucesso na vida. Por exemplo, Salvador Dali tinha inteligência artística, mas também para realizar seu marketing pessoal, ao contrário de muitos pintores talentosos que só foram reconhecidos depois da morte.

A inteligência também é algo que pode ser ampliado e multiplicado pelo uso. As obras primas costumam surgir de uma inteligência já amadurecida, em pleno domínio das habilidades necessárias para executar algo. Uma das inteligências mais curiosas talvez seja a física. 

Algumas pessoas são dotadas de uma habilidade natural de compreenderem a forma de usar o corpo. Sempre que aprendem algo neste sentido tendem a se destacar da média. Exemplo: um jogador de futebol que seja dotado deste tipo de inteligência pode aprender a jogar tênis com facilidade, logo compreendendo a mecânica do esporte e de como ser bem sucedido nele. Ele pode não se tornar um especialista neste esporte, mas ter mais desembaraço do que uma pessoa que não tenha uma inteligência corporal desenvolvida.

Só as pessoas inteligentes concordam em mudar 

A despeito das várias definições para inteligência, ela deveria ter um sentido prático, de nos ajudar a ser mais capaz de gerir melhor o que se apresenta, tirar mais proveito das situações e obter melhores resultados. Há pessoas que possuem uma espécie de inteligência global, que as habilita não só a se destacarem em habilidades específicas, como a também conseguirem se comunicar com todo tipo de pessoa e terem sucesso em outras áreas da vida.

Precisamos ter um pouco de tudo se quisermos nos sair bem na vida. 

Suponhamos, por exemplo, que falte em você a característica da tolerância. Esta ausência faz com que você provavelmente seja muito crítico, irritável e implacável - consigo mesmo e com os outros. Isto, por sua vez, pode implicar em se envolver em conflitos e colocar em risco os relacionamentos. No dia em que você notar os prejuízos que a falta de tolerância traz para a sua vida vai querer aprender a desenvolvê-la. E entre o querer e o fazer terá que aplicar considerável quantidade de foco e esforço para reverter padrões e assimilar algo novo. 

Aquilo que não usamos é difícil para nós. Por exemplo, se você é destro, tente escrever qualquer coisa com a mão esquerda. Ficará surpreso como é difícil executar uma tarefa aparentemente tão simples quanto esta.

No entanto, o ser humano pode ter incrível força de vontade quando quer realizar algo. Admitir o problema, como já foi dito anteriormente, já é muita coisa, pois implica em ter uma direção e algo para solucionar. Só pessoas inteligentes concordam em mudar para ter melhoras em sua vida pessoal, profissional ou afetiva.

A questão é que a maioria de nós muitas vezes não tem consciência do que nos falta, por isto, se algum dia você descobrir uma lacuna, agradeça, pois só quem sabe qual é o problema tem como começar a resolvê-lo.

As lacunas realmente sérias são aquelas que bloqueiam a vida. Por exemplo, quem tem uma aversão muito acentuada a correr qualquer tipo de risco fica estagnado. Não quer sair da sua zona de segurança. Mas também sofre por estar dentro dela. Durante anos, pode esperar um milagre, até o dia em que achar que precisa fazer algo novo acontecer, porque o milagre pode demorar ou não vir.

Uma das lacunas mais comuns dos jovens de hoje é a persistência. Ninguém nasce persistente. A persistência é aprendida. Porém, se a pessoa nunca a usou, pensa que simplesmente não tem nenhum pouco desta qualidade dentro de si. É importante dizer aos pais que não privem seus filhos de desafios, pois, do contrário, eles ficam sem conhecer a própria força.

Recentemente, uma mãe preocupada veio fazer uma consulta comigo sobre o filho de 23 anos que não terminava nada do que começava e estava desanimado e sem rumo. Perguntei a ela como tinha sido a educação dele. Corajosa em admitir seus erros (o primeiro passo da inteligência), ela contou que todos o mimavam. Que o rapaz, quando era criança, demorou anos para aprender a amarrar o cadarço do tênis, não porque tivesse tentado e não conseguido, mas porque sempre havia alguém que fazia isto por ele.
Infelizmente, a repetição deste tipo de ajuda além do prazo razoável rouba a autonomia e priva a pessoa de enfrentar os problemas e também se conhecer. Este rapaz não aprendeu a ter o mínimo de disciplina e nem a conquistar as coisas por conta própria. Por isto estava tendo muitas dificuldades, em uma idade na qual estes atributos são necessários. Era hora de empurrar o jovem para fora do ninho para ele ter seu voo solo. Ocorre que ele pouco treinou suas asas antes.

Nunca é tarde para aprender

Porém, nunca é tarde para qualquer forma de aprendizado. Podemos preencher as nossas lacunas a qualquer tempo, com paciência, esforço e força de vontade.

Muitas vezes, nos associamos inconscientemente a pessoas que podem nos ensinar algo. Se somos inábeis socialmente, podemos sentir atração por quem é hábil. Podemos ter uma oportunidade valiosa de aprender com o outro o que ele faz de melhor. Nem sempre, porém, reconhecemos estas grandes oportunidades, principalmente nos casamentos. Às vezes, nos entrincheiramos no nosso velho jeito de ser, com medo de perder uma parte de nós mesmos se simplesmente nos permitirmos experimentar outros comportamentos. Com o tempo, aprendemos (mais um aprendizado) que o orgulho excessivo nunca é um bom conselheiro.

O caminho do aprendizado nem sempre é fácil. Muitas vezes é permeado por dúvidas: é isto mesmo, vou por aí? Mas isto faz parte da vida também.

Por isto que foi mencionada a humildade. Inteligente é aquele que se abre, que é flexível. Isto não quer dizer flexibilidade absoluta e abertura para qualquer coisa, mas uma espécie de "será" e o uso do próprio instinto e sensibilidade para saber o que serve ou não para si mesmo.

A inteligência também está nos olhos de quem olha

Há um outro fator de inteligência, que é a maneira como se aborda um problema, isto é, a forma como se olha para ele. A pessoa mais acostumada a usar sua inteligência nunca se deixa intimidar pelo que vê, pois ela está tentando buscar respostas. Ela sabe que se paralisar a si mesma e se deixar dominar pelo medo, desânimo ou pela pressuposição de que não há solução, não haverá mesmo como encontrá-la. A inteligência necessita de um pouco de distanciamento e da vontade de acertar. Requer, portanto, certa audácia, porque não basta enxergar uma solução, é preciso colocar em prática. Não é inteligente não testar as coisas e ter uma postura passiva.

Hora de ampliar a sua inteligência

Não perca a oportunidade de aprendizado. Corra atrás do desenvolvimento das suas habilidades e também exercite o seu olhar. Faça perguntas como: "o que está faltando?", "que aprendizados e habilidades tenho que assimilar?". Você tem um ano para colocar em prática a sua inventividade e, igualmente, trabalhar a sua mente e forma de enxergar as coisas.

A sua mente é feita do conjunto dos seus pensamentos. Quer saiba, quer não, quem coloca alimento na sua mente é você. E a sua atitude tem que ser vigilante e ativa neste âmbito, como em outros de sua vida. Assim, por exemplo, se a sua mente está se inclinando na direção da derrota, pessimismo ou desânimo, só você vai poder mudar a maneira de pensar. Poderá fazer terapia, ler livros, realizar cursos que sejam um bom alimento para a sua mente ou então só ocupá-la com entretenimento, o que também tem o seu valor, mas não pode ser o único alimento.

Amplie sua compreensão, sua inteligência emocional e seu entendimento sobre a vida, as pessoas, a sociedade, etc. 

Experimente novas abordagens, saindo da famosa zona de conforto. Vá estudar e se aprimorar naquilo que você quer. Se quer ser uma pessoa de sucesso, vá aprender como sê-lo. Se tem enfrentado dilemas como pai ou mãe, leia o que os educadores já publicaram e tire as suas conclusões. Faça cursos, se recicle, busque terapias. Mas não pare, pois o aprendizado nunca termina, apenas fica maior e melhor.

Sobre a autora
Vanessa Tuleski
Mora no RJ.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

A ANGÚSTIA DOS POETAS

Enviado por Rádio do Moreno -
25.7.2012|

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA

A Angústia dos Poetas.

CARLOS VIEIRA
O mundo é feito de pessoas normais e pessoas que têm uma sensibilidade, uma natureza incomum. Natureza essa que pode ser definida como uma capacidade interna e psíquica de apreender além do sensível-sensório. 

Apreender o que se esconde por detrás das palavras, o não dito, a apreensão da experiência humana sob uma forma metafórica, abstrata e intuitiva. Estou me referindo à sensibilidade estética artística do compositor, do pintor, do músico, do ator, do diretor de cinema, do escritor e principalmente dos poetas.



Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas brasileiro e quiçá do cânone da Literatura Universal, em seu poema – “Procura da Poesia” no livro A Rosa do Povo, escreve: “Penetra surdamente no reino das palavras./ Lá estão os poemas que esperam ser escritos,/ Estão paralisados,/mas não há desespero,/ há calma e frescura na superfície inata./ Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário,/ Convive com teus poemas, antes de escrevê-los,/ Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam./ Espera que cada um se realize e consume/ com seu poder de palavra/ e seu poder de silêncio./ Não forces o poema a desprender-se do limbo,/ Não colhas no chão o poema que se perdeu./ Não adules o poema. Aceita-o./ como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço./ Chega mais perto e contempla as palavras./ Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra/ e te pergunta, sem interesse pela resposta,/ pobre ou terrível, que lhe deres:/ Trouxestes a chave?... 


Então, caro leitor, essa é uma declaração da atitude de um artista antes de compor sua arte, na busca do indizível e da capacidade de apreender a natureza e a natureza humana. 


Penso que o Poeta assim como todos os artistas, os cientistas e os místicos têm essa capacidade de intuir fatos que se encontram no mundo, nunca pensados pelas pessoas comuns. A diferença é que eles são capazes de sofrer angústias primitivas que ainda não podem ser nomeadas. Isso faz das suas vidas, vidas turbulentas, vidas que estão além da nossa comum, e que os coloca em experiências de muita dor psíquica, muita variação de humor e profundos estados de tristeza e alegria. São pessoas aquém e além do tempo em que vivem; são mentes que mergulham em “estados de loucura sana” e afloram com a percepção de experiências psíquicas nunca pensadas. Lembro de Platão quando se refere a essa capacidade de alguns homens apreenderem na natureza fatos não percebidos nem sentidos pelo homem comum. Esses homens são os gênios e os loucos, só que uma loucura de um louco “internado num manicômio sem manicômio”, como escreveu Fernando Pessoa em seu poema – Esta velha angústia -.



Na experiência psicanalítica hodierna fala-se em “aspectos neuróticos” e “aspectos psicóticos” das pessoas ditas normais. Isso equivale a dizer que somos normais e loucos em alguns momentos da vida. O que faz bela a experiência analítica é que ela oferece subsídios para que nós possamos tirar proveito das nossas “loucuras sanas” e, desse modo, aprendermos e nos identificarmos com o que os poetas escreveram. Um poema só alcança seu objetivo (se é que tem objetivo) quando o leitor sente que o escritor está tocando em experiências profundas que ele viveu e não sabia nomeá-las.



O autor do livro que deu nome ao atual filme – Na Estrada – Jack Kerouac escreve: “Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os encrenqueiros. Os que fogem ao padrão. Aqueles que não se adaptam às regras, nem respeitam o status quo. Você pode citá-los ou achá-los desagradáveis, glorificá-los ou desprezá-los. Mas a única coisa que você não pode é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas, eles empurram adiante a raça humana. E enquanto alguns os veem como loucos, nós os vemos como gênios. Porque as pessoas que são loucas o bastante para pensarem que podem mudar o mundo são as únicas que realmente podem fazê-lo.” 


Hoje eu quero homenagear essas pessoas, e principalmente os poetas, na letra de Fernando Pessoa, em seu poema “Esta velha angústia”:


“Esta velha angústia
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido algum.
Transbordou
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este poder ser que...
Isto.
Um internado num manicômio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicômio sem manicômio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos,
Estou assim...
Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco. Quem de que fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.
Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido da África.
Era feiíssimo, era grotesco.
Mas havia nele a divindade de tudo que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer –
Júpiter, Jeová, a Humanidade –
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?
Estala, coração de vidro pintado.”


(Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasilia e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.)

segunda-feira, 23 de julho de 2012

TABACARIA, MULHERES E POESIAS

Abaixo, um ótima análise do meu poema preferido feita por Fabiano F. Garcez.

Em verdade vos digo que fica muito difícil para uma pessoa entender um poema, se essa pessoa não sabe o que significa metáfora, "Eu poético" e licença poética. 

Na verdade, novamente vos digo, que a poesia precisa ser entendida de maneira diferente — você precisa amar a poesia, e não interpretá-la.

Um poema, uma poesia, é como uma mulher, se você tentar entendê-las você se perde, fica confuso e pode até se matar. Agora, se você apenas a ama e nada mais espera desse amor... Você a ama e depois se esquece dela; ela entra cada vez mais fundo e o transforma.- (Paulo Cesar)

Tabacaria (Poema), de Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)

Datado de 1928, o poema Tabacaria enquadra-se na terceira fase poética de Álvaro de Campos, a fase, "intimista", onde mergulha nas profundezas da angústia e do pessimismo. O autor retorna ao tema do cansaço, da inquietação diante do incompreensível. Tabacaria é o melhor exemplo deste último período criativo de Campos. Talvez, seja a poesia mais significativa desse heterônimo, pois nela podemos encontrar muitas das características presentes em sua obra.

No poema é predominante o niilismo, o sentimento de revolta, o inconformismo, a desumanização, também, um deprimente vazio e a desilusão própria dos tempos pós-guerra e certo desleixo do português, como o próprio Pessoa afirmou em apontamentos.

O texto é um poema moderno, caracterizado assim pelos versos livres, versos que Ricardo Reis, outro heterônimo de Pessoa, em um apontamento no livro `O Eu profundo e outros eus` faz as seguintes considerações:

"O que verdadeiramente Campos faz, quando escreve em verso, é escrever prosa ritmada cm pausas maiores marcadas em certos pontos, para fins rítmicos, e esses pontos determina-os ele pelos fins dos versos. Campos é um grande prosador, com uma grande ciência é o ritmo da prosa, e a prosa de que se serve é aquela em que se introduziu, além dos vulgares sinais de pontuação, um pausa maior e especial, que Campos, como os seus pares anteriores e semelhantes, determinou representar graficamente pela linha quebrada no fim, pela linha disposta como o que se chama um verso."

Nos primeiros versos (Não sou nada/ Nunca serei nada./ Não posso querer ser nada), já se percebe a descrença presente em relação a si mesmo e ao longo do poema em relação a tudo. O Eu-poético sabe que só o que possui são sonhos. ( ...tenho em mim todos os sonhos do mundo.).

Sozinho no quarto o Eu-poético contempla a rua, motra-se uma oposição entre dentro (o quarto), subjetivo, a sua reflexão, e a rua (fora) a realidade objetiva, e percebe que lá há um mistério que ninguém vê (Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,/ Para uma rua inacessível a todos os pensamentos) apenas ele percebe, pois possui uma capacidade imaginativa muito grande (Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres) faz referência a morte como um desses mistérios citados no verso: Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens. Outra atítese que se repete ao longo do poema é o tudo/nada (Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada).

O Eu-poético está refletindo e isso o deprime (Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade) e a falta do sonho, a lucidez, também o deixa deprimido e negativo (Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer).

A perplexidade de quem pensa, reflete, chega a conclusões, mas não as coloca em prática (Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu), assim se vê divido, a oposição entre a subjetividade (dentro) e a realidade (fora) na estrofe seguinte retorna ao texto (À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,/ E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.)

Tudo que aprendeu ele procura esquecer, pois não lhe foram úteis (Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada./ A aprendizagem que me deram), e recorre a natureza em busca de um sentido — talvez influenciado por Alberto Caeiro, seu mestre —, (Desci dela pela janela das traseiras da casa,/ Fui até o campo com grandes propósitos), mas essa busca é em vão, também no campo não vê sentido, para ele essa `vida natural´ é inútil, pois o Eu-poético é um homem da cidade, lúcido, angustiado e não inocente (Mas lá encontrei só ervas e árvores,/ E quando havia gente era igual à outra), então o Eu-poético volta a reflexão (Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?)

No verso seguinte o Eu-poético pensando sobre si retorna a oposição do sonho (desejo) e realidade reflexiva (Que sei eu de que serei, eu que não sei o que sou?/ Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa), o Eu-poético opõe a capacidade de sonhar a limitação do mundo real (E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!/(...) Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,/ E a história não marcará, quem sabe?, nem um,) o niilismo, a negatividade, volta, agora em relação ao futuro (Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.) novamente a antítese sonho/realidade aparece no poema, onde ele se compara a doidos, sonhadores, malucos, que tem conclusões a cerca de muitas coisas (Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!/ Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?).

Depois o Eu-poético percebe que os sonhos nada valem (Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas/ Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas, E quem sabe se realizáveis,) pois são limitados pelo mundo externo e real (Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?), pois o mundo não é para aqueles que apenas sonham, mas para aqueles que lutam (O mundo é para quem nasce para o conquistar/ E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão), assim apesar de ter conquistado mais que Napoleão, amado mais que Cristo e filosofado mais que Kant, nada lhe adiantou pois tudo foi feito na imaginação (sonho) e não na realidade (Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez./ Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,/ Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.), este verso marca novamente a impotência perante a realidade (Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,/ Ainda que não more nela). Os versos seguintes estão no pretérito marcando novamente o niilismo o Eu-poético que esperou sem sucesso e nada conseguiu, agora já não pode crer nele nem em nada (Serei sempre o que não nasceu para isso;/ Serei sempre só o que tinha qualidades;/ Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta/ E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira, / E ouviu a voz de Deus num poço tapado. / Crer em mim? Não, nem em nada.) com isso a realidade objetiva pesa sobre seu ser inflamado de sonho (Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente/ o seu sol a sua chuva, o vento que me acha o cabelo) o Eu-poético se vê desiludido (E o resto que venha, ou tiver que vir, ou não venha.), os versos seguintes são marcados pela incapacidade do Eu-poético perante o mundo real e externo que o torna marginalizado nesse mundo sem emoções e opaco: (Escravos cardíacos das estrelas,/ Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama; / Mas acordámos e ele é opaco, / Levantámo-nos e ele é alheio,/ Saímos de casa e ele é a terra inteira,/ Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.)

A passagem mais bela do poema, talvez, é quando o Eu-poético inveja a inocência de uma criança que come chocolates, pois ele pensa, reflete muito e isso lhe é doloroso, é angustiante e traz infelicidade (Come chocolates, pequena; /Come chocolates!/ Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates). Mas essa inveja que lhe causou um desejo de trocar de lugar com a menina logo dessipa-se, pois ao se colocar no lugar da criança, apenas com o ato de tirar a lâmina de papel de prata a realidade lhe vem a tona e percebe que o papel não é de prata, mas de estanho, acabando com o sonho de ser feliz e inocente como a menina, ou seja, jogando tudo fora o papel e os sonhos (Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!/ Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,/ Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Nos versos seguintes o Eu-poético exibe novamente sua apatia, seu vazio interior, a negatividade e o niilismo em relação a si e ao futuro, pois o sonho foi vencido pela realidade (Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei/ A caligrafia rápida destes versos,/ Pórtico partido para o Impossível./ Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,/ Nobre ao menos no gesto largo com que atiro/ A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,) com isso ele recorre a figuras femininas inexistentes, pois o sonho alivia seu sofrimento (Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,/ Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,/ Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,/ Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,/ Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,/ Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,) procura também algo na modernidade, sem saber o que procura, que lhe ajude na inspiração (Ou não sei quê moderno – não concebo bem o quê-,/ Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!), mas tudo é em vão, pois o vazio interno e a falta de esperança continua (Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco/ A mim mesmo e não encontro nada,).

O Eu-poético volta a observação do real (Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta./ Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,) nesse momento o Eu-poético se desumaniza, se difere das pessoas (Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,) a realidade impenetrável lhe deixa alheio, marginal ao mundo, novamente, (E tudo isso me pesa como uma condenação ao degredo,/ E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

A desilusão e o desejo de troca de lugar com outra pessoa voltam ao texto (Vivi, estudei, amei, e até cri,/ E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.) voltam também a antítese de tudo/nada e a identificação que no mundo não se deve sonhar apenas (Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso).

O Eu-poético constata sua falha, nos versos seguintes, (Fiz de mim o que não soube,/E o podia de mim não o fiz./ O dominó que vesti era errado) e a perda da identidade pois ela não era real, era imaginada (Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me./Quando quis tirar a máscara/ Estava pegada à cara), vivendo sob uma personalidade irreal, ele perdeu tempo (Quando a tirei e me vi ao espelho,/ Já tinha envelhecido.) sem personalidade não pode fazer parte do mundo, neste momento a palavra ´máscara´, até então, usada como metáfora para personalidade, agora passa a contextualizar a metáfora do mundo como um teatro, sem fazer parte do mundo ele não pode subir ao palco, devendo ficar a margem (Deitei fora a máscara e dormi no vestiário).

Mas o Eu-poético após constatar suas falhas, percebe-se sem personalidade, vê uma hipótese de redenção na escrita, ele encontra utilidade em toda sua reflexão, assim com a escrita ele pode provar, a si mesmo, que é um ser elevado (E vou escrever esta história para provar que sou sublime.), mas ao olhar a Tabacaria, representação da realidade, essa euforia logo passa, voltando o niilismo, a apatia, a desilusão e o sentimento de exclusão (Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,/ E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,/ Calcando ao pés a consciência de estar existindo,/ Como um tapete em que um bêbado tropeça/ Ou um capacho que os ciganos roubaram e não vale nada,).

Ao olhar o dono da Tabacaria que representa o homem comum sente-se desconfortávelm (Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta./ Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada/ E com o desconforto da alma mal-entendendo.) depois gradativamente volta o sentimento de inutilidade da Tabacaria, de seus versos, do mundo e de tudo, é significativa o modo que aparece essa gradação, é como se a inutilidade das vidas do Eu-poético e do dono da tabacaria atingisse a rua, o país, o planeta até atingir todo o universo (Ele morrerá e eu morrerei./ Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos./ A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também./ Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,/ E a língua em que foram escritos os versos./ Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu./ Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente/ Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,/ Sempre uma coisa defronte da outra,/ Sempre uma coisa tão inútil como a outra,).

O anticlímax dá-se nos versos seguintes com a visão de um homem que entra na Tabacaria, provavelmente um cliente, a realidade volta ao Eu-poético (Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?/ E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.), depois o Eu-poético é tomado por uma euforia e vai tentar escrever (Semiergo-me enérgico, convencido, humano,/ E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.), após essa euforia passageira o Eu-poético se refugia na evasão, sem pensar, sem refletir, para apenas saborear o cigarro (Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los/ E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos./(...) E continuo fumando./ Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.)

Com o fim do momento evasivo e de solidão o Eu-poético volta a refletir, mas agora emotivamente, cogitando a felicidade na vida simples (Se eu casasse com a filha da minha lavadeira/ Talvez fosse feliz.) O cliente sai da tabacaria o Eu-poético o reconhece, é um homem comum, sem muitas inquietações e reflexões (O homem saiu da tabacaria (..)/ Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.) o poema chega ao fim quando o Eu-poético interage, se comunica, com o homem — chamado Esteves —, nome interessante e que combina com o sentimento de todo o poema, pois se trata do verbo estar no pretérito acompanhado do sintagma ‘sem metafísica’, trazendo uma ambiguidade simbólica a esse homem comum: esteves sem metafísca, fazendo assim a aproximação do subjetivo (Eu-poético) e objetivo (homem e o dono da Tabacaria).

Nos últimos versos (Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me./ Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo/ Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.) o Eu-póetico volta-se desiludido e sem esperança para a realidade, enquanto o dono da Tabacaria alheio a tudo apenas sorri.

Os quatro primeiros versos constituem uma introdução a este poema, sendo esta independente do primeiro e dos restantes quatro momentos. Assim, nestes quatro versos, o "eu" confessa o seu fracasso como algo irremediável, Não posso querer ser nada. Será esta, aliás, a temática orientadora deste poema em que o sujeito poético reconhece que, por querer ser tudo como possibilidade, nunca será nada.

Os quatro momentos do poema estão relacionados com os espaços físicos onde se desloca o sujeito poético e que se caracterizam como:

DENTRO: quarto (cadeira) / FORA (janelas)

No primeiro momento, versos 5 a 31, o "eu" reflete sobre o excesso de realidade do mundo exterior Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é; uma rua cruzada constantemente por gente, e a irrealidade de tudo, uma rua inacessível; impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa; Com o mistério das coisas.

Neste primeiro momento, o "eu" encontra-se à janela do seu quarto mantendo, deste modo, o contacto visual com o exterior, rua e Tabacaria. O pessimismo, como já citado, é nota dominante neste texto como, por exemplo, em Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens. Esta ideia de pessimismo encontra-se ligada, por sua vez, ao desgaste do Tempo e à morte que se tem como certa. (ver versos 12 e 13 com referência ao Destino, ligado à ideia de Morte, como um tirano que tudo determina).

A negatividade do "eu" é assumida através da anáfora presente no início dos versos Estou hoje vencido; Estou hoje lúcido; Estou hoje perplexo; Estou hoje dividido.

Depois destas constatações, o resumo desta sequência presente no verso, Falhei em tudo.

Poema na íntegra:

1.     Não sou nada.
        Nunca serei nada.
        Não posso querer ser nada.
        À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


5.      Janelas do meu quarto,
        Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
        (E se soubessem quem é, o que saberiam?),
        Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
        Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
10.   Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
        Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres
        Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens.
        Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
        Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
15.   Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
        E não tivesse mais irmandade com as coisas
        Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
        A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
        De dentro da minha cabeça,
20.   E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.


        Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
        Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
        À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
        E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.


25.   Falhei em tudo.
        Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
        A aprendizagem que me deram,
        Desci dela pela janela das traseiras da casa.
        Fui até ao campo com grandes propósitos.
30.  Mas lá encontrei só ervas e árvores,
        E quando havia gente era igual à outra.
        Saio da janela, sento-me numa cadeira.
        Em que hei de pensar?


        Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
35.   Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
        E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
        Gênio? Neste momento
        Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu ,


        E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
40.   Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
        Não, não creio em mim.
        Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
        Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
        Não, nem em mim...
45.   Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo.
        Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando.
        Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
        Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
        E quem sabe se realizáveis,
50.   Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
        0 mundo é para quem nasce para o conquistar
        E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
       Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
        Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
55.   Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
        Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
        Ainda que não more nela;
        Serei sempre o que não nasceu para isso;
        Serei sempre só o que tinha qualidades;
60.   Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
        E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
        E ouviu a voz de Deus num paço tapado.
        Crer em mim? Não, nem em nada.
        Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
65.   0 seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
        E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
        Escravos cardíacos das estrelas,
        Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
        Mas acordamos e ele é opaco,
70.   Levantamo-nos e ele é alheio,
        Saímos de casa e ele é a terra inteira,
        Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.


        (Come chocolates, pequena; Come chocolates!
        Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
75.   Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
        Come, pequena suja, come!
        Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
        Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
        Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
80.   Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
        A caligrafia rápida destes versos,
        Pórtico partido para o Impossível.
        Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
        Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
85.   A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
        E fico em casa sem camisa.


        (Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
        Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
        Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
90.   Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
        Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
        Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
        Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
        Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
95.   Meu coração é um balde despejado.
        Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
        A mim mesmo e não encontro nada.
        Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
        Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
100. Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
        Vejo os cães que também existem,
        E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
        E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
        Vivi, estudei, amei, e até cri,
105. E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
        Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
        E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
        (Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
        Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
110. E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.


        Fiz de mim o que não soube,
        E o que podia fazer de mim não o fiz.
        0 dominó que vesti era errado.
        Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
115. Quando quis tirar a máscara,
        Estava pegada à cara.
        Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido.
        Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
        Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
120. Como um cão tolerado pela gerência Por ser inofensivo
        E vou escrever esta história para provar que sou sublime.


        Essência musical dos meus versos inúteis,
        Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse
        E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
125. Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
        Como um tapete em que um bêbado tropeça
        Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.


        Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
        Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
130. E com o desconforto da alma mal-entendendo.
        Ele morrerá e eu morrerei.
        Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos.
        A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
        Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
135. E a língua em que foram escritos os versos.
        Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
        Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
        Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
        Sempre uma coisa defronte da outra, Sempre uma coisa tão inútil como a outra ,
140. Sempre o impossível tão estúpido como o real,
        Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
        Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
        Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
        E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
145. Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
        E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.


        Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
        E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
        Sigo o fumo como uma rota própria,
150. E gozo, num momento sensitivo e competente,
        A libertação de todas as especulações
        E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.


        Depois deito-me para trás na cadeira
        E continuo fumando.
155. Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.


        (Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
        Talvez fosse feliz.)
        Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou á janela.


        0 homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
160. Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
        (0 Dono da Tabacaria chegou á porta.)
        Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
        Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
         Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da tabacaria sorriu.



Autor: Fabiano Fernandes Garcez|

domingo, 22 de julho de 2012

PARA ENTENDER UM POETA

"Entender a alma de um poeta", como você diz, é a coisa mais fácil do mundo, basta apenas ter SENTIMENTOS, mas como sentimentos ficou raro na Era da Midiocridade, o fácil ficou difícil.

Quantos milhões de eleitores existem no Brasil? Uns 138 milhões. DIFÍCIL PARA MIM É ENTENDER A ALMA DESSES MAIS DE 138 MILHÕES DE PESSOAS.

Quantos políticos existem no Brasil? Não sei exatamente, mas só o Congresso tem 594 políticos, sendo 513 deputados e 81 senadores. Mas ainda tem os políticos licenciados para ocupar cargos em secretarias muncipais, estaduais, ministérios, prefeituras. Tem os deputados estaduais, vereadores, etc e tal. DIFÍCIL PARA MIM NÃO É ENTENDER A ALMA DE UM POETA, MAS SIM ENTENDER ESSES POLÍTICOS.

Quantos brasileiros assistem novelas, Faustão, Big Brother, tv de uma maneira geral? Talvez mais do que os 138 milhões de eleitores aptos a votar no país? DIFÍCIL PARA MIM É ENTENDER ESSAS PESSOAS. O que de útil essas pessoas conseguem extrair assistindo tv? Novelas? Eu não entendo?

Na verdade eu entendo sim essas pessoas citadas, assim como entendo a "alma de um poeta".

Eu não entendia, porém, quando entendi o que era o ego, o seu sistema de pensamento, e, principalmente, a ilusão do mundo, e que na verdade, ao contrário do que durante séculos nos disseram, que esse mundo NÃO FOI CRIADO por Deus, aí então, eu entendi essas pessoas, além dos poetas, dos místicos e dos mestres. O que dificulta o entendimento é acreditar que a ILUSÃO seja real.

HOJE EU ENTENDO TUDO. Até as mães.

E já que estamos falando dos poetas, da poesia e dos poemas, transcrevo, para complementar, um trecho do meu poema preferido ("Tabacaria" de Fernando Pessoa):

  "Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
  Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
  E não tivesse mais irmandade com as coisas..."

EXISTE UMA ÚNICA COISA QUE EU NÃO ENTENDO. É O QUE AS PESSOAS NÃO ENTENDEM? E NÃO ENTENDEM O QUE ESCREVO E DIGO. ISSO EU AINDA NÃO ENTENDO... SERÁ?

From:
To: pco9@hotmail.com
Subject: RES: Amigos
Date: Sat, 21 Jul 2012 00:19:57 -0300

Paulo,
Fico contente que tenha apreciado o poema e mais ainda pela recíproca estima. Também conto nos dedos de uma só mão os amigos de hoje, por coincidência.

Mas passo longe do desafio de tentar entender alma de poeta. Poesia já é desafio suficiente!
Abs.
 

De: Paulo Cesar de Oliveira [mailto:pco9@hotmail.com]
Enviada em: sexta-feira, 20 de julho de 2012 12:34
Para:
Assunto:

........, muito bonito, eu diria mais do que "inteligente e espirituoso", É POÉTICO. Os poetas são pessoas especiais, eles fingem a dor e o amor que realmente sentem ("O poeta é um fingidor..."). Você tem que, de certa forma, ser um poeta para poder entender totalmente outro.

Bom esse e-mail ter vindo de você, a quem considero um dos poucos amigos que tenho. Sempre tive pouquíssimos  amigos; mas os que tenho " não sabem o quanto são meus amigos.". Sempre mantive isso em segredo.



 

sexta-feira, 20 de julho de 2012

MUNDO GRANDE

Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.

Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.

Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem... sem que ele estale.

Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma, não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo...
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos - voltarão?

Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)

Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.

Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.

Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.

Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
- Ó vida futura! Nós te criaremos.


(Carlos Drummonde de Andrade)

NÃO SE MATE

Carlos, sossegue, o amor 
é isso que você está vendo: 
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém 
sabe o que será. 

Inútil você resistir 
ou mesmo suicidar-se. 
Não se mate, 
oh não se mate, 
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão, 
se é que virão. 

O amor, Carlos, você telúrico, 
a noite passou em você, 
e os recalques se sublimando, 
lá dentro um barulho inefável, 
rezas, vitrolas, 
santos que se persignam, 
anúncios do melhor sabão, 
barulho que ninguém sabe 
de quê, 
pra quê. 

Entretanto você caminha melancólico e vertical. 
Você é a palmeira, 
você é o grito que ninguém ouviu no teatro 
e as luzes todas se apagam. 

O amor no escuro, 
não, no claro, 
é sempre triste, meu filho, 
Carlos, mas não diga nada a ninguém, 
ninguém sabe nem saberá. 

(Carlos Drummond de Andrade)

quarta-feira, 18 de julho de 2012

SE DEUS É AMOR E O AMOR É CEGO, DEUS É O STEVIE WONDER? DESCUBRA

Se Deus é amor e o amor é cego, Deus é o Stevie Wonder? Descubra
Meu amigo Urso; só você com sua sabedoria poderá me ajudar. Estou com uma dúvida atróz ( e não atrás). Estava lendo um livro sobre lógica, aí me pintou essa dúvida lógica sobre religião: Dizem que deus é amor, que o amor é cego, se Steve Wonder é cego, então ele é amor (porque o amor é cego), se ele é amor, então ele é deus (porque deus é amor), se ele é deus porque é cego, então tudo quando é cego é deus. E se existe também o nó cego… ENTÃO DEUS É UM PUTA DE UM NÓ CEGO?! O que diz a sua lógica ?
Caro Gozador, sua pergunta é realmente intrigante, fez muito bem em enviar uma pergunta dessas a um ateu convicto como eu, me colocando assim em uma situação muito delicada com os leitores, mas verei se consigo responder a contento mesmo assim.

Antes que os monoteístas tementes a Deus, Alá ou como preferirem chamar, comecem a me a me ofender pelo simples fato de eu acreditar em algo diferente, quero escrever aqui que eu os aceito! É isso mesmo que vocês estão lendo, eu não os condeno por terem crenças diferentes das minhas, muito menos desejo que vocês se tornem adeptos a esta ou aquela crença. Espero do fundo do meu coração gélido que vocês sejam livres.

Assim como vocês, também tenho sérias dúvidas quanto ao desconhecido: Onde fica a fábrica de almas? Quem criou Deus? Por que nunca ganhei na loteria? Como meu pão nunca se multiplica? Como transformar água em vinho? E vinho em uísque 24 anos? De onde alguém tirou a idéia de que colocar o Galvão Bueno para comentar jogos seria bom?
Resumindo, muitas dúvidas…

Tentei fazer a catequese, mas não consegui, eu tinha cerca de nove anos. Não cheguei a ser expulso da igreja, mas realmente percebi que ali não era o meu lugar. Se os caras não conseguem enrolar uma criança de tão pouca idade com aquele papo de Adão e Eva, não podem ser levados a sério. Mesmo sendo pequeno, achei uma ofensa a minha inteligência.

A gota d’água foi quando indaguei sobre a origem de tantos descendentes de Adão e Eva, sendo que não havia outras famílias, pela lógica, obviamente, toda essa gente só pode ter surgido de relações incestuosas… Vocês sabem o que o padre respondeu? Nem eu… Estou aguardando uma resposta até hoje!

Isso contribuiu para eu ser ateu? Lógico! Porém, há muito mais…
Fui crescendo e com isso comecei a ser cortejado por diversas religiões, bem como, por algumas crenças e filosofias de vida também. Confesso que até pensei em virar mórmon, mas depois que percebi a quantidade de sogras que teria, desisti. Eu sei que estamos nesse mundo para expiar nossos pecados, mas acho que não tenho tantos assim a ponto de ter que conviver com diversas sogras!

Estudei o catolicismo, conheci a umbanda e outros derivados afro, visitei alguns centros evangélicos, li bastante a respeito do espiritismo, aprendi a filosofia budista, me esforcei para entender o islamismo, ouvi os tambores do chamanismo, dei uma espiadela no judaísmo e também no protestantismo. Sabem aonde eu cheguei? Ao mesmo lugar!

Por incrível que pareça, todas que citei tem um mesmo ponto em comum: a existência de algo extraordinário, não explicável, nunca visto, onipotente e onipresente, ou seja, uma força desconhecida e fabulosa.

Muito bem, e por que não escolhi uma destas para seguir? Por dois motivos: a) não achei necessário, visto que, mesmo não acreditando, sigo os preceitos básicos de todas, não vendo a menor necessidade de ter que cantar, ir a um templo ou me confessar para me sentir bem e ser uma boa pessoa; b) a intolerância da maioria delas com outras crenças me fez repensar o papel delas, afinal, se todos acreditam de forma similar, não haveria motivo para tanto preconceito com os irmãos.

Talvez, não fosse a pressão que sofri para me adequar a uma destas, hoje eu seria mais um crente. Pelo que entendi, todos deveríamos seguir as normas de conduta inspiradas por Deus, mas acho que isso deveria ser feito mesmo que não acreditássemos nele. Não vejo nada de errado com o que está escrito na Bíblia, para ser sincero, até gosto dela… Depois que estudei a composição dela e aprendi que alguns livros são fábulas, ficou mais fácil aceitá-la. Nada disso que escrevi tira os méritos da mensagem escrita nela.

O que não acho legal é um monte de gente se aproveitando da religião para ter poder e dinheiro. Misturar política e religião não é bom negócio, foi assim que aconteceram as sanguinolentas cruzadas na idade média e o casamento.

Qualquer religião utilizada para hostilizar um semelhante, não importando de que forma aconteça, não deve ser levada a sério. 

Basta de intolerância!

Caro “Gozador”, se sua lógica estiver correta, Stevie Wonder não é Deus, mas eu sou! Veja bem, dizem que o pior cego é aquele que não quer ver, portanto, se todo cego é Deus, e eu, segundo os monoteístas, não quero ver, portanto, sou o pior dos cegos, logo, eu sou ele! Putz… Deve ser daí que vem a minha paciência em responder a essas perguntas! Nó cego é a mãe!

Se eu acabar parando no inferno, imagino que vou ser condenado a assistir os programas da Xuxa por toda eternidade, não vejo mal pior do que isso… Mas, pensando bem, do jeito que as operadoras de televisão a cabo andam, acho que não faltarão canais por lá!

Abraços! E amém!

(Direitos Reservados ao publicitário MARCELO  VITORINO autor do blog: "Pergunte ao Urso")