Uma das questões mais difíceis é compreender o paradoxo
sobre a existência do ego. Como compreender que o ego existe e não existe ao
mesmo tempo? Vamos a alguns exemplos: uma miragem no deserto existe? Ela não
existe de fato, mas existe aos olhos de quem vê e – por isso- pode causar
problemas se a pessoa não perceber a diferença. Ou seja, a miragem existe- mas
não o que ela representa.
Outro exemplo: um sonho existe? Se dissermos que não
existe então ninguém sonha? Portanto os sonhos existem-mas como sonhos, dentro
de uma realidade subjetiva – existente apenas na mente de quem dorme- não no
nível concreto. Mais um exemplo, já usado pelos budistas e imitados pelos
advaitas : um homem acorda e pisa numa corda achando que é uma cobra- a cobra
existe? Não. Mas a visão da cobra existe? Sim. Então ambos são reais. Tanto a
corda, como a visão da cobra. Negar a existência da visão da cobra é negar o
fato da alucinação. Ora, os psicóticos
veem o que não existe- mas não se pode negar a existência de suas alucinações -
do contrário quem procuraria tratar-se? As visões existem no plano subjetivo da
mente doentia- mas não no plano da realidade concreta.
Não seria exagero
dizer que a mente humana comum -
quando comparada a de um Buda- sofre de
uma espécie de doença mental, uma psicose chamada egolatria, ignorância,
ilusão. Assim, afirmar que o ego não existe é negar um problema fundamental no
caminho da espiritualidade: que o ego, apesar de não ter existência
substancial, ele existe enquanto persistir a doença da ignorância. Ora, se a
pessoa se considera liberta da “ilusão”
do ego-sem realmente estar- isso apenas perpetua e fortalece a atuação dele. Com isso, a
pessoa não toma consciência de sua prisão e, consequentemente, não trabalha
interiormente para libertar-se.
Outro engano é achar que apenas a desindentificação com os
pensamentos é o bastante para promover a libertação do ego. Isso é o começo de
um processo de desconstrução. O ego é uma estrutura milenar e intrínseca ao ser
humano. A desindentificação com os pensamentos é um passo importante- mas não é
tudo. Representa apenas o começo de uma jornada. O problema é que ao chegar
nesse nível muita gente pensa: " pronto, estou livre, agora posso gozar e
ser feliz!". É comum ver esse tipo de testemunho em sites, posts e
comentários de pessoas supostamente "libertas" que vendem essa imagem
para o mundo, geralmente para promover satsangs.
A libertação do ego talvez nunca venha nesta vida- e
reconhecer isso é de grande importância.
Os pensamentos são apenas das partes, dentre as várias que compõe a complexa estrutura do eu. Além dos
pensamentos existem os desejos, os sentimentos, as emoções, as tendências
pessoais, os conteúdos inconscientes individuais e coletivos etc etc. Se
realmente não existisse ego por que uma pessoa gritaria para o mundo que é um
“Desperto” – se autopromovendo? E para
que seus discípulos ficariam dando testemunhos- como se quisessem convencer a
si mesmos e aos outros de que estão livres e felizes? A ausência do ego não
seria- por definição- o fim de toda atitude ego-centrada? Não se parece isso
uma grande contradição?
Krishna: o ego pode ser amigo ou inimigo
Ora, até os seres iluminados mais famosos da história deram
sinais de que ainda possuíam ego-
todavia de uma maneira controlada. A mente não existe como algo separado. Ela
faz parte de um fluxo universal que Jung chamou de Inconsciente Coletivo. E
todo mundo que tem uma mente está ligado a este fluxo que, dentre outras
coisas, é composto de elementos simbólicos, culturais, e históricos resultados
de experiências e vivencias tanto individuais quanto coletivas. Jesus chorou,
se enraiveceu, lutou contra os escribas e fariseus- inclusive humilhando-os em
praça pública. Krishnamurti se irritava
publicamente e teve um caso com a mulher do seu secretário particular. E mesmo
Ramana- que tentou representar a anulação absoluta do ego e suas partes
constitutivas- ainda estava preso ao ego por sua atitude extremada de negação e
passividade diante da vida. O próprio Krishna diz no Bhagavad-Gita : “O ego é o
pior inimigo do Eu, mas o Eu é o melhor amigo do ego... O ego é um péssimo
senhor, mas é um ótimo servidor." Claro está que o Ego continua existindo-
mas controlado, não mais como senhor- mas como servo.
Alguns seguidores da visão “neo-advaita” acham que apenas a
supressão dos pensamentos “eu” e “meu”
basta para libertar a Consciência do ego. Esquecem que esta é apenas uma
pequena parte da porção intelectual do EGO. Além desta, o ego também tem sua
parte emocional , instintiva e inconsciente. Essas continuam atuando mesmo na
ausência dos pensamentos. Na verdade, ao se negar o pensamento o que acontece?
São reprimidos e jogados para o inconsciente- mas isso não extingue-os de
verdade. O ego continua agindo na surdina , por debaixo dos panos. Sua atuação
passa a ser mais sutil e – por isso mesmo- mais perigosa uma vez que
dificilmente será detectada.
Por isso, você que é
um buscador sincero da verdade, não se deixe enganar pelas palavras floridas e
frases de efeitos dos gurus. Não acredite em nada em que se diz por aí- nem
aqui- principalmente se pedirem
“entrega”, ou “rendição”- pois é aí onde mora o perigo. Quando a
“guarda” baixa, seu ego é enfraquecido- mas não por que você se liberta dele-
mas por que o seu “ego” passa a ser escravo do guru e da organização, grupo ou
movimento que ele representa. Eles dizem :" não acredite em nada que você
lê, não acredite na sua mente, nem nos seus pensamentos. Entregue-se.
Renda-se!". E então cai-se vítima de uma prisão maior ainda. Pois se antes
havia a consciência de se estar preso à ignorância do ego e precisava dele
libertar-se, ao render-se ao guru a pessoa continua presa- pensando estar livre-
tornando a libertação algo cada vez mais distante e irrealizável.
A maior artimanha do ego é fazer a pessoa crer que ele não
existe, que nunca existiu, ou que existia e depois deixou de existir. Seja
livre e veja a verdade por si mesmo. Esse artigo é apenas um “cutucão” para que você acorde de seu sono, de suas
verdades, de suas ilusões e prisões- mesmo aquelas pregadas pelos gurus e que
você aceita como verdadeira por que elas lhes dão uma gostosa sensação de conforto
e felicidade . A verdade pode não ter
nada a ver com isso. Como poderás saber se não a encontrares por si mesmo, sem
gurus , sem organizações ou grupos?
Pense nisso e depois não diga que ninguém o avisou!
Namastê!
Alsibar