quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

UM ARTIGO SOBRE O EGO


Uma das questões mais difíceis é compreender o paradoxo sobre a existência do ego. Como compreender que o ego existe e não existe ao mesmo tempo? Vamos a alguns exemplos: uma miragem no deserto existe? Ela não existe de fato, mas existe aos olhos de quem vê e – por isso- pode causar problemas se a pessoa não perceber a diferença. Ou seja, a miragem existe- mas não o que ela representa. 

Outro exemplo: um sonho existe? Se dissermos que não existe então ninguém sonha? Portanto os sonhos existem-mas como sonhos, dentro de uma realidade subjetiva – existente apenas na mente de quem dorme- não no nível concreto. Mais um exemplo, já usado pelos budistas e imitados pelos advaitas : um homem acorda e pisa numa corda achando que é uma cobra- a cobra existe? Não. Mas a visão da cobra existe? Sim. Então ambos são reais. Tanto a corda, como a visão da cobra. Negar a existência da visão da cobra é negar o fato da alucinação.  Ora, os psicóticos veem o que não existe- mas não se pode negar a existência de suas alucinações - do contrário quem procuraria tratar-se? As visões existem no plano subjetivo da mente doentia- mas não no plano da realidade concreta.

 Não seria exagero dizer que a  mente humana comum - quando  comparada a de um Buda- sofre de uma espécie de doença mental, uma psicose chamada egolatria, ignorância, ilusão. Assim, afirmar que o ego não existe é negar um problema fundamental no caminho da espiritualidade: que o ego, apesar de não ter existência substancial, ele existe enquanto persistir a doença da ignorância. Ora, se a pessoa  se considera liberta da “ilusão” do ego-sem realmente estar- isso apenas perpetua  e fortalece a atuação dele. Com isso, a pessoa não toma consciência de sua prisão e, consequentemente, não trabalha interiormente para libertar-se.

Outro engano é achar que apenas a desindentificação com os pensamentos é o bastante para promover a libertação do ego. Isso é o começo de um processo de desconstrução. O ego é uma estrutura milenar e intrínseca ao ser humano. A desindentificação com os pensamentos é um passo importante- mas não é tudo. Representa apenas o começo de uma jornada. O problema é que ao chegar nesse nível muita gente pensa: " pronto, estou livre, agora posso gozar e ser feliz!". É comum ver esse tipo de testemunho em sites, posts e comentários de pessoas supostamente "libertas" que vendem essa imagem para o mundo, geralmente para promover satsangs. 

A libertação do ego talvez nunca venha nesta vida- e reconhecer isso  é de grande importância. Os pensamentos são apenas das partes, dentre as várias que compõe a  complexa estrutura do eu. Além dos pensamentos existem os desejos, os sentimentos, as emoções, as tendências pessoais, os conteúdos inconscientes individuais e coletivos etc etc. Se realmente não existisse ego por que uma pessoa gritaria para o mundo que é um “Desperto” – se autopromovendo? E  para que seus discípulos ficariam dando testemunhos- como se quisessem convencer a si mesmos e aos outros de que estão livres e felizes? A ausência do ego não seria- por definição- o fim de toda atitude ego-centrada? Não se parece isso uma grande contradição? 

Krishna: o ego pode ser amigo ou inimigo

Ora, até os seres iluminados mais famosos da história deram sinais de que ainda possuíam  ego- todavia de uma maneira controlada. A mente não existe como algo separado. Ela faz parte de um fluxo universal que Jung chamou de Inconsciente Coletivo. E todo mundo que tem uma mente está ligado a este fluxo que, dentre outras coisas, é composto de elementos simbólicos, culturais, e históricos resultados de experiências e vivencias tanto individuais quanto coletivas. Jesus chorou, se enraiveceu, lutou contra os escribas e fariseus- inclusive humilhando-os em praça pública.  Krishnamurti se irritava publicamente e teve um caso com a mulher do seu secretário particular. E mesmo Ramana- que tentou representar a anulação absoluta do ego e suas partes constitutivas- ainda estava preso ao ego por sua atitude extremada de negação e passividade diante da vida. O próprio Krishna diz no Bhagavad-Gita : “O ego é o pior inimigo do Eu, mas o Eu é o melhor amigo do ego... O ego é um péssimo senhor, mas é um ótimo servidor." Claro está que o Ego continua existindo- mas controlado, não mais como senhor- mas como servo.

Alguns seguidores da visão “neo-advaita” acham que apenas a supressão dos pensamentos  “eu” e “meu” basta para libertar a Consciência do ego. Esquecem que esta é apenas uma pequena parte da porção intelectual do EGO. Além desta, o ego também tem sua parte emocional , instintiva e inconsciente. Essas continuam atuando mesmo na ausência dos pensamentos. Na verdade, ao se negar o pensamento o que acontece? São reprimidos e jogados para o inconsciente- mas isso não extingue-os de verdade. O ego continua agindo na surdina , por debaixo dos panos. Sua atuação passa a ser mais sutil e – por isso mesmo- mais perigosa uma vez que dificilmente será detectada.

 Por isso, você que é um buscador sincero da verdade, não se deixe enganar pelas palavras floridas e frases de efeitos dos gurus. Não acredite em nada em que se diz por aí- nem aqui- principalmente se pedirem  “entrega”, ou “rendição”- pois é aí onde mora o perigo. Quando a “guarda” baixa, seu ego é enfraquecido- mas não por que você se liberta dele- mas por que o seu “ego” passa a ser escravo do guru e da organização, grupo ou movimento que ele representa. Eles dizem :" não acredite em nada que você lê, não acredite na sua mente, nem nos seus pensamentos. Entregue-se. Renda-se!". E então cai-se vítima de uma prisão maior ainda. Pois se antes havia a consciência de se estar preso à ignorância do ego e precisava dele libertar-se, ao render-se ao guru a pessoa continua presa- pensando estar livre- tornando a libertação algo cada vez mais distante e irrealizável. 

A maior artimanha do ego é fazer a pessoa crer que ele não existe, que nunca existiu, ou que existia e depois deixou de existir. Seja livre e veja a verdade por si mesmo. Esse artigo é apenas um “cutucão”  para que você acorde de seu sono, de suas verdades, de suas ilusões e prisões- mesmo aquelas pregadas pelos gurus e que você aceita como verdadeira por que elas lhes dão uma gostosa sensação de conforto e felicidade .  A verdade pode não ter nada a ver com isso. Como poderás saber se não a encontrares por si mesmo, sem gurus , sem organizações ou grupos?

Pense nisso e depois não diga que ninguém o avisou!

Namastê!

Alsibar