sexta-feira, 16 de agosto de 2013

POEMA DIDÁTICO


Não vou sofrer mais sobre as armações metálicas do mundo 


Como o fiz outrora, quando ainda me perturbava a rosa.
 
Minhas rugas são prantos da véspera, caminhos 
esquecidos, 

Minha imaginação apodreceu sobre os lodos do Orco.
 
No alto, à vista de todos, onde sem equilíbrio precipitei-me,
 
Clown de meus próprios fantasmas, sonhei-me, 

Morto do meu próprio pensamento, destruí-me,
 
Pausa repentina, vocação de mentira, dispersei-me, 

Quem sofreria agora sobre as armações metálicas do 
mundo, 

Como o fiz outrora, espreitando a grande cruz sombria 

Que se deita sobre a cidade, olhando a ferrovia, a fábrica, 

E do outro lado da tarde o mundo enigmático dos quintais. 

Quem, como eu outrora, andaria cheio de uma vontade 

infeliz,
 
Vazio de naturalidade, entre as ruas poentas do subúrbio

E montes cujas vertentes descem infalíveis ao porto de mar ?

Meu instante agora é uma supressão de saudades. instante
 
Parado e opaco. Difícil se me vai tornando transpor este rio 

Que me confundiu outrora. Já deixei de amar os 

desencontros. 

Cansei-me de ser visão, agora sei que sou real em um 

mundo real. 

Então, desprezando o outrora, impedi que a rosa me 

perturbasse. 

E não olhei a ferrovia – mas o homem que sangrou na 

ferrovia - 

E não olhei a fábrica – mas o homem que se consumiu na 

fábrica - 

E não olhei mais a estrela – mas o rosto que refletiu o seu 

fulgor. 

Quem agora estará absorto? Quem agora estará morto ?
 
O mundo, companheiro, decerto não é um desenho
 
De metafísicas magnificas (como imaginei outrora) 

Mas um desencontro de frustrações em combate. 

nele, como causa primeira, existe o corpo do homem 

- cabeça, tronco, membros, as pirações e bem estar…

E só depois consolações, jogos e amarguras do espírito.
 
Não é um vago hálito de inefável ansiedade poética
 
Ou vaga advinhação de poderes ocultos, rosa 

Que se sustentasse sem haste, imaginada, como o fiz

outrora

O mundo nasceu das necessidades. O caos, ou o Senhor, 

Não filtraria no escuro um homem inconsequente

Que apenas palpitasse no sopro da imaginação. O homem 

É um gesto que se faz ou não se faz. Seu absurdo - 

Se podemos admiti-lo – não se redime em injustiça.
 
Doou-nos a terra um fruto. Força é reparti-lo 

Entre os filhos da terra. Força – aos que o herdaram - 

É fazer esse gesto, disputar esse fruto. Outrora,

Quando ainda sofria sobre as armações metálicas do 

mundo, 

Acuado como um cão metafísico, eu gania para a 

eternidade, 

sem compreender que, pelo simples teorema do egoísmo, 

A vida enganou a vida, o homem enganou o homem.
 
Por isso, agora, organizei meu sofrimento ao sofrimento 

De todos: se multipliquei a minha dor

Também multipliquei a minha esperança.

 Paulo Mendes Campos