Ele tinha escapado de vícios
que considerava piores.
Como por exemplo, o
tabagismo, o alcoolismo, as drogas e a televisão.
Mas não pode escapar do vício
de escrever.
Não era um vício tão antigo
assim, talvez uns cinco ou seis anos.
Talvez ele tenha se cansado
de ler e passou a escrever.
Mas ele estava cada vez mais
absorvido e envolvido nesse vício.
O vício de escrever o estava
dominando cada vez mais.
Acordava na madrugada, como
uma idéia na cabeça.
Sentava em frente ao
computador, abria o editor de texto e começava a escrever.
“Penso! Logo escrevo”. Dizia
ele.
As idéias e os assuntos
surgiam do nada, do além ou de qualquer outro lugar desconhecido.
Quase ninguém entendia ou
compreendia o que ele escrevia.
Eram assuntos estranhos,
pouco ortodoxos, e talvez até complexos. Segundo a grande maioria das pessoas.
Muitas vezes ele falava de um
amor perdido, de uma desilusão amorosa.
E chamava aquelas mal
arrumadas palavras de “poemas”.
E aproveitando-se dos tempos
informatizados e cibernéticos enviava aquelas coisas escritas para o e-mail das
pessoas.
Ou as postava num blog, numa
rede social.
Normalmente as pessoas não
falavam nada sobre isso.
Mas algumas entendiam ou
compreendiam diferente do sentido que ele dizia.
Elas interpretavam e
analisavam e por fim julgavam-no pelas conclusões que tiravam daquelas suas
coisas escritas.
Na maioria das vezes ele
pacientemente tentava explicar o que queria dizer. Porém algumas vezes se
irritava com o que considerava ignorância e preguiça do leitor.
Me lembro que uma vez alguém
leu o seu escrito e disse: “eu já estive nessa”, “sai dessa”.
Ele ficou furioso, irado.
Sem saber onde estava. Sair
de quê?
Era o absurdo da
incompreensão humana.
Então não existe mais a
conotação e a denotação?
E a metáfora?
A metonímia?
E todas as figuras de
linguagem.
E a licença poética?
A lírica?
A liberdade de expressão.
Foi quando percebeu que o
leitor não sabia o que era isso.
Desde então ele ficou mais
triste.
Pois percebeu que seu vício.
Era só seu.
E de mais ninguém.
Estava sozinho mais uma vez.
Escrever era a sua cocaína, a
sua maconha, a sua cachaça, o seu cigarro e a sua novela.
Sim, ele não estava imune,
não estava limpo como pensava.
Ele também tinha o seu vício.
Ele também era um viciado.
De tanto ler, tinha ficado
“burro”.
De tanto escrever, tem ficado
mudo.
A vida é um mistério.
Tudo é oculto.
Ele agora estava sozinho.
Condenado a escrever.
Isolado na multidão.
Suas palavras escritas eram
seu último refúgio.
Seu grito de alerta.
Seu último contato com o
mundo exterior.
Mas ninguém entendia o que
ele dizia.
Será que ele falou o que não
podia?
Será que ele ouviu o que não
devia?
Realmente a vida é um
mistério e tudo é oculto.
Talvez seu fim seja
permanecer confinado o resto do que resta da sua vida numa biblioteca
pública.
Escrevendo livros que nunca
serão lidos.
Coitado!
Ele era um viciado.
Estava condenado.
Ele só tinha uma chance de
escapar desse vício.
Se tornar aquilo que ele
escrevia.
Ser o próprio amor que
buscava.
Fundir-se na mulher que tanto
amava.
Ser Um.
E ao mesmo tempo nenhum.
Nenhum de nós.
(© 29.10.2012 – Paulo Cesar
de Oliveira)