segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O VICIADO


Escrever era o seu vício.
Ele tinha escapado de vícios que considerava piores.
Como por exemplo, o tabagismo, o alcoolismo, as drogas e a televisão.
Mas não pode escapar do vício de escrever.
Não era um vício tão antigo assim, talvez uns cinco ou seis anos.
Talvez ele tenha se cansado de ler e passou a escrever.
Mas ele estava cada vez mais absorvido e envolvido nesse vício.
O vício de escrever o estava dominando cada vez mais.
Acordava na madrugada, como uma idéia na cabeça.
Sentava em frente ao computador, abria o editor de texto e começava a escrever.
“Penso! Logo escrevo”. Dizia ele.
As idéias e os assuntos surgiam do nada, do além ou de qualquer outro lugar desconhecido.
Quase ninguém entendia ou compreendia o que ele escrevia.
Eram assuntos estranhos, pouco ortodoxos, e talvez até complexos. Segundo a grande maioria das pessoas.
Muitas vezes ele falava de um amor perdido, de uma desilusão amorosa.
E chamava aquelas mal arrumadas palavras de “poemas”.
E aproveitando-se dos tempos informatizados e cibernéticos enviava aquelas coisas escritas para o e-mail das pessoas.
Ou as postava num blog, numa rede social.
Normalmente as pessoas não falavam nada sobre isso.
Mas algumas entendiam ou compreendiam diferente do sentido que ele dizia.
Elas interpretavam e analisavam e por fim julgavam-no pelas conclusões que tiravam daquelas suas coisas escritas.
Na maioria das vezes ele pacientemente tentava explicar o que queria dizer. Porém algumas vezes se irritava com o que considerava ignorância e preguiça do leitor.
Me lembro que uma vez alguém leu o seu escrito e disse: “eu já estive nessa”, “sai dessa”.
Ele ficou furioso, irado.
Sem saber onde estava. Sair de quê?
Era o absurdo da incompreensão humana.
Então não existe mais a conotação e a denotação?
E a metáfora?
A metonímia?
E todas as figuras de linguagem.
E a licença poética?
A lírica?
A liberdade de expressão.
Foi quando percebeu que o leitor não sabia o que era isso.
Desde então ele ficou mais triste.
Pois percebeu que seu vício.
Era só seu.
E de mais ninguém.
Estava sozinho mais uma vez.
Escrever era a sua cocaína, a sua maconha, a sua cachaça, o seu cigarro e a sua novela.
Sim, ele não estava imune, não estava limpo como pensava.
Ele também tinha o seu vício.
Ele também era um viciado.
De tanto ler, tinha ficado “burro”.
De tanto escrever, tem ficado mudo.
A vida é um mistério.
Tudo é oculto.
Ele agora estava sozinho.
Condenado a  escrever.
Isolado na multidão.
Suas palavras escritas eram seu último refúgio.
Seu grito de alerta.
Seu último contato com o mundo exterior.
Mas ninguém entendia o que ele dizia.
Será que ele falou o que não podia?
Será que ele ouviu o que não devia?
Realmente a vida é um mistério e tudo é oculto.
Talvez seu fim seja permanecer confinado o resto do que resta da sua vida numa biblioteca pública.
Escrevendo livros que nunca serão lidos.
Coitado!
Ele era um viciado.
Estava condenado.
Ele só tinha uma chance de escapar desse vício.
Se tornar aquilo que ele escrevia.
Ser o próprio amor que buscava.
Fundir-se na mulher que tanto amava.
Ser Um.
E ao mesmo tempo nenhum.
Nenhum de nós.
  
(© 29.10.2012 – Paulo Cesar de Oliveira)