sexta-feira, 22 de junho de 2012

NÃO ME SINTO MUDAR

Como dizia Rubem Braga, a poesia é necessária. O que dizer, então, da poesia do chileno Pablo Neruda(1904/1973), prêmio Nobel?

Pablo Neruda

NÃO ME SINTO MUDAR

Pablo Neruda

Não me sinto mudar. Ontem eu era o mesmo.
O tempo passa lento sobre os meus entusiasmos,
cada dia mais raros são os meus ceticismos,
nunca fui vítima sequer de um pequeno orgasmo
mental que derrubasse a canção dos meus dias
que rompesse as minhas dúvidas que apagasse o meu nome.
Não mudei. É um pouco mais de melancolia,
um pouco de tédio que me deram os homens.
Não mudei. Não mudo. O meu pai está muito velho.
As roseiras florescem, as mulheres partem
cada dia há mais meninas para cada conselho
para cada cansaço para cada bondade.
Por isso continuo o mesmo. Nas sepulturas antigas
os vermes raivosos desfazem a dor,
todos os homens pedem demais para amanhã
eu não peço nada nem um pouco de mundo.
Mas num dia amargo, num dia distante
sentirei a raiva de não estender as mãos
de não erguer as asas da renovação.
Será talvez um pouco mais de melancolia
mas na certeza da crise tardia
farei uma primavera para o meu coração.
Pablo Neruda, in ‘Cadernos de Temuco’
Tradução de Albano Martins