Como dizia Rubem Braga, a poesia é necessária. O que dizer, então, da poesia do chileno Pablo Neruda(1904/1973), prêmio Nobel?

NÃO ME SINTO MUDAR

NÃO ME SINTO MUDAR
Pablo Neruda
Não me sinto mudar. Ontem eu era o mesmo.
O tempo passa lento sobre os meus entusiasmos,
cada dia mais raros são os meus ceticismos,
nunca fui vítima sequer de um pequeno orgasmo
mental que derrubasse a canção dos meus dias
que rompesse as minhas dúvidas que apagasse o meu nome.
O tempo passa lento sobre os meus entusiasmos,
cada dia mais raros são os meus ceticismos,
nunca fui vítima sequer de um pequeno orgasmo
mental que derrubasse a canção dos meus dias
que rompesse as minhas dúvidas que apagasse o meu nome.
Não mudei. É um pouco mais de melancolia,
um pouco de tédio que me deram os homens.
Não mudei. Não mudo. O meu pai está muito velho.
um pouco de tédio que me deram os homens.
Não mudei. Não mudo. O meu pai está muito velho.
As roseiras florescem, as mulheres partem
cada dia há mais meninas para cada conselho
para cada cansaço para cada bondade.
cada dia há mais meninas para cada conselho
para cada cansaço para cada bondade.
Por isso continuo o mesmo. Nas sepulturas antigas
os vermes raivosos desfazem a dor,
todos os homens pedem demais para amanhã
eu não peço nada nem um pouco de mundo.
os vermes raivosos desfazem a dor,
todos os homens pedem demais para amanhã
eu não peço nada nem um pouco de mundo.
Mas num dia amargo, num dia distante
sentirei a raiva de não estender as mãos
de não erguer as asas da renovação.
sentirei a raiva de não estender as mãos
de não erguer as asas da renovação.
Será talvez um pouco mais de melancolia
mas na certeza da crise tardia
farei uma primavera para o meu coração.
mas na certeza da crise tardia
farei uma primavera para o meu coração.
Pablo Neruda, in ‘Cadernos de Temuco’
Tradução de Albano Martins
Tradução de Albano Martins