segunda-feira, 14 de abril de 2014

UM CARA SÉRIO


eles me  queriam um cara sério, tributável
racional e coerente
sem bom humor
sem um sorriso no rosto
triste e sem nenhum sarcasmo
como um síndico
como um maçom
como um deputado
senador
de terno e gravata
eles queriam isso
mas me jogaram no Brasil
eles me queriam um cara sério e tributável
como um advogado, um juiz de direito
um ministro do STF
que julgaram os "mensaleiros"
eles me queriam um cara sério
de terno e gravata
senhor da moral e dos bons costumes
um zelador
que não contasse piadas
para não aumentar a concorrência com eles
eles me queriam um cara sério e religioso
que fosse a missa ou o culto aos domingos
e que no resto da semana 
acendesse uma vela para o dinheiro, a avareza 
e a vaidade
eles me queriam um cara sério 
que  chutasse os cachorros na rua
e envenenasse os gatos
mas aí eu olhei para eles, e olhei para elas
e olhei dentro dos olhos deles, e delas
e olhei para o que eles faziam
como agiam, como se comportavam
o que fumavam, o que bebiam
a quem e o que idolatravam
eu olhei bem para tudo isso
e também olhei para o silêncio inocente deles
e decidi:
vou escrever umas coisas apenas
e chamar tudo isso de poemas

aí eles e elas disseram: "não entendi nada"
mas falam em Deus 
como quem compreendeu tudo
eles e elas são sérios
eu só faço poemas
difíceis de compreender

conheço algumas pessoas há anos
e nunca vi nelas um simples sorriso
uma gargalhada nem pensar
será que elas não sabem que sorrir
evita as rugas no rosto

aí, eu pensei e ponderei tudo isso
e decidi que não quero ser um cara sério
se eu puder ser apenas responsável, consciente,
amante e poeta
está bom demais
eu conheço muita gente séria
e sei o trabalho que isso dá
já basta morar num país tão sério
eu não preciso ser sério
eu quero andar de bermuda, camiseta e chinelo


(Paulo Cesar de Oliveira)