segunda-feira, 17 de junho de 2013

O QUE É POESIA


Que é Poesia?
        uma ilha
        cercada
        de palavras
        por todos os lados.

Que é o Poeta?
        um homem
que trabalha o poema
com o suor de seu rosto
        um homem
        que tem fome
        como qualquer outro
        homem.

               (Cassiano Ricardo)

     Poesia é um texto literário, em prosa ou em verso, que se caracteriza pela linguagem sugestiva, conotativa, metafórica, figurada, criativa, inusitada - a chamada função poética ou linguagem poética. A poesia também pode ser em versos livres também chamados irregulares, pois não possuem restrição métrica.

(Metro é a medida do verso. O estudo do metro chama-se metrificação e escansão é a contagem dos sons dos versos. As sílabas métricas, ou poéticas, diferem das sílabas gramaticais em alguns aspectos).

     Poesia é palavra. É linguagem. Todo o gênio do poeta reside na invenção verbal (Jean Cohen - crítico de literatura). Poesia é uma forma peculiar de dizer, de expressar.

     Poesia não é, pois, a mera expressão de sentimentos. De uma dor de cotovelo. De uma decepção amorosa. De uma canção de amor.

     Poesia não é a comoção diante de um pôr-do-sol ou diante de uma paisagem. Até pode haver poesia numa declaração de amor ou num poema que descreva o entardecer. Mas - insista-se - a essência da poesia não está no próprio assunto, na expressão do sentimento, da comoção, do encantamento. Poesia é palavra.

"Não é com idéias que se fazem
versos, é com palavras".

               (Mallarmé, poeta francês)

"O poeta é poeta não pelo que
pensou ou sentiu, mas pelo que disse.
Ele não é criador de idéias, mas de palavras.
Todo seu gênio reside na invenção verbal."
               (Jean Cohen, professor e crítico literário)

     Na poesia, a língua ultrapassa sua função meramente comunicativa e se torna, ela própria, a matéria prima para a obra de arte. Dito de outro modo, na função poética o esforço do autor incide sobre a estrutura da mensagem, sobre a forma de dizer.

     Na poesia se evidenciam as potencialidades da linguagem: a conotação, a metáfora, todas as figuras de linguagem, a sonoridade, o ritmo; em suma, a maneira peculiar, diferente, nova, artística, criativa de expressar.        

Há a utilização de figuras como a antítese, a comparação, a metáfora.

Antítese

Antítese é uma figura de linguagem que consiste na exposição de ideias  opostas. Ocorre quando há uma aproximação de palavras ou expressões de sentidos opostos. Esse recurso foi especialmente utilizado pelos autores do período Barroco .

Exemplos:
“Ela se preocupa tanto com o passado que esquece o presente.
A guerra não leva a nada, devemos buscar a paz.”

O exemplo clássico é Gregório de Mattos:
“Nasce o Sol, e não dura mais que um dia; Depois da Luz se segue à noite escura; Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas e alegrias.”

 Metáfora e Comparação

Metáfora é uma figura de linguagem em que um termo substitui outro em uma relação de semelhança entre os elementos que esses termos designam.

Essa semelhança é resultado da imaginação, da subjetividade de quem cria a metáfora. A metáfora também pode ser entendida como uma comparação abreviada, em que o conectivo comparativo não está expresso, mas subentendido.

Vamos aos exemplos:

1- “Aquele homem é um leão.”

Estamos comparando um homem com um leão, pois esse homem é forte e corajoso como um leão.

2- “A vida vem em ondas como o mar.”

Aqui também existe uma comparação, só que desta vez é usado o conectivo comparativo: como.

Atenção! O exemplo 1 é uma metáfora e o exemplo 2 é uma comparação.

Exemplos de metáfora:

Ele é um anjo.
Ela uma flor.

Exemplos de comparação:

A chuva cai como lágrimas.
A mocidade é como uma flor.
     De repente do riso fez-se o pranto
     Silencioso e brando como a bruma

     Não basta rimar para escrever poesia. Não basta ter ritmo para ser poesia. Um texto não é poesia por ser romântico, por emocionar, por ser uma declaração de amor.

     Poesia é palavra, é linguagem, é invenção verbal, é originalidade.

          O sentir, o amar, o apaixonar-se é comum a todos; cabe ao poeta expressar o sentimento, o amor, a paixão de uma maneira singular. Tudo já foi dito. O poeta expressa o que foi dito mediante uma forma inusitada.

     Manuel Bandeira, em "Consoada", dá uma lição de poesia.

     Em dez linhas apenas, com palavras simples, conhecidas (com exceção, talvez, de "consoada", "caroável" e "sortilégios"), expressa sua preparação para receber a morte (a Indesejada das gentes), que vem para um último encontro, para uma "consoada" (refeição ao final do dia) e encontrará o poeta com o dever cumprido ("encontrará lavrado o campo") e preparado para recebê-la ("a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar.").

     Não há rimas (a rima nem sempre é a solução). Os versos não apresentam o mesmo número de sílabas. O ritmo não é marcado. Isso tudo não importa. O que confere "status" de poesia ao poema é a maneira peculiar (a linguagem figurada) com que o poeta expressa sua alta preparação para receber a morte, que vem para um "jantar", um encontro a dois, e "Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, / A mesa posta, / Com cada coisa em seu lugar."

     Poesia é isso: uma aventura de linguagem. A arte de dizer o comum de forma incomum.

     O texto poético assim construído se torna intocável, isto é, as palavras que o autor utilizou, as combinações que fez, os recursos que empregou não podem ser alterados sob pena de comprometer a obra, desconstruí-la, despoetizá-la.

     Cabe lembrar, para encerrar, que um texto em forma de prosa pode ser considerado poesia, se a função predominante for a função poética, se nele estiver presente a linguagem poética. Trata-se de um texto em prosa, em sua forma; poesia - em sua essência. Dito de outro modo é prosa poética.


     Muitos poetas escreveram a respeito de seu esforço criador. Por exemplo, Olavo Bilac, no soneto "A um poeta"

“Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!”

     Um dos mais importantes poemas da poética de Carlos Drummond de Andrade é o poema "O Lutador", em que fala de seu processo criador.

O Lutador

Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entretanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
num dia de vida.
Deixam-se enlaçar,
tontas à carícia
e súbito fogem
e não há ameaça
e nem há sevícia
que as traga de novo
ao centro da praça.

Insisto, solerte.
Busco persuadi-las.
Ser-lhes-ei escravo
de rara humildade.
Guardarei sigilo
de nosso comércio.
Na voz, nenhum travo
de zanga ou desgosto.

Sem me ouvir deslizam,
perpassam levíssimas
e viram-me o rosto.
Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não têm carne e sangue...
Entretanto, luto.

Palavra, palavra
(digo exasperado),
se me desafias,
aceito o combate.
Quisera possuir-te
neste descampado,
sem roteiro de unha
ou marca de dente
nessa pele clara.
Preferes o amor
de uma posse impura
e que venha o gozo
da maior tortura.

Luto corpo a corpo,
luto todo o tempo,
sem maior proveito
que o da caça ao vento.
Não encontro vestes,
não seguro formas,
é fluido inimigo
que me dobra os músculos
e ri-se das normas
da boa peleja.

Iludo-me às vezes,
pressinto que a entrega
se consumará.
Já vejo palavras
em coro submisso,
esta me ofertando
seu velho calor,
aquela sua glória
feita de mistério,
outra seu desdém,
outra seu ciúme,
e um sapiente amor

me ensina a fruir
de cada palavra
a essência captada,
o sutil queixume.
Mas ai! é o instante
de entreabrir os olhos:
entre beijo e boca,
tudo se evapora.

O ciclo do dia
ora se conclui
e o inútil duelo
jamais se resolve.
O teu rosto belo,
ó palavra, esplende
na curva da noite
que toda me envolve.
Tamanha paixão
e nenhum pecúlio.
Cerradas as portas,
a luta prossegue
nas ruas do sono.

(Carlos Drummond de Andrade)

     No poema, é necessário ressaltar que:

a. poesia é palavra:

-"as palavras" são muitas (...) /Algumas, tão fortes /como o javali,"
- "apareço e tento /apanhar algumas /para meu sustento /num dia de vida."
- "e um sapiente amor /me ensina a fruir /de cada palavra /a essência captada, /o sutil queixume".

b. o poeta é um lutador: luta com as palavras:

- "Luto corpo a corpo, /luto todo o tempo"
- "Cerradas as portas, /a luta prossegue /nas ruas do sono."
- etc.

c. a luta com as palavras é tarefa difícil (o que significa que construir um poema envolve muito esforço):

- "Lutar com palavras /é a luta mais vã."
- "Deixam-se enlaçar, /tontas à carícia /e súbito fogem"
- "Sem me ouvir deslizam, /perpassam levíssimas, /e viram-me o rosto."
- etc.

     A luta que o poeta trava com a palavra, a busca pela perfeição formal, a ânsia de almejar, alcançar a beleza a qualquer custo, e a impotência, a angústia experimentada pelo poeta para a realização dessa tarefa - isso tudo está expresso no poema clássico de Olavo Bilac, "Inania verba" (Fúteis palavras).

Inania verba

Ah! quem há-de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve
- Ardes, sangras, pregada à tua cruz e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...

O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:
A forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...
E a Palavra pesada abafa a Idéia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.

Quem o molde achará para a expressão de tudo
Ai! quem há-de dizer as ânsias infinitas
Do sonho e o céu que foge à mão que se levanta

E a ira muda e o asco mudo e o desespero mudo
E as palavras de fé que nunca foram ditas
E as confissões de amor que morrem na garganta

(Olavo Bilac)
  
     É tamanha a ânsia, o esforço do poeta na busca do ideal poético que chega a sentir-se um fracassado, considerando impossível a expressão correta das idéias pelas palavras. Para Bilac, a construção de um poema é também comparada a uma cidadela inconquistável:

     "Nunca estarei jamais no teu recinto;
     na sedução e no fulgor que exalas,
     ficas vedada, num radiante cinto
     de riquezas, de gozos e de galas." 

     É a mesma a concepção de João Cabral de Melo Neto acerca do processo de criação de um poema em "O ferrageiro de Carmona" (ferrageiro = ferreiro; Carmona= cidade da Espanha e, também, uma espécie de tranca).

     O poema distingue duas maneiras de trabalhar o ferro: a fundição e o forjamento. Na fundição, o ferro é derretido e derramado no molde. Ao esfriar, torna-se sólido, tomando o formato do molde. Já no forjamento, o ferro é aquecido e trabalhado/moldado pelo ferreiro com o auxílio do malho (um grande martelo de ferro).

     Segundo o poema, o trabalho com a linguagem é análogo ao trabalho com o ferro. A "fundição" deve ser entendida como a construção de um poema a partir de uma fórmula, em que, por isso, não há originalidade; o "forjamento" é criação, é enfrentar dificuldades no fazer artístico. Assim, o poema "forjado" é fruto do esforço, do suor, resultado do trabalho intenso e não de uma inspiração fugaz, da imitação - sinônimo de facilidade.

     Eis o poema na íntegra:

O Ferrageiro de Carmona

Um ferrageiro de Carmona,
que me informava de um balcão:
"Aquilo? É de ferro fundido,
foi a forma que fez, não a mão.

Só trabalho em ferro forjado
que é quando se trabalha ferro
então, corpo a corpo com ele,
domo-o, dobro-o, até o onde
quero.

O ferro fundido é sem luta
é só derramá-lo na forma.
Não há nele a queda de braço
e o cara a cara de uma forja.

Existe a grande diferença
do ferro forjado ao fundido:
é uma distância tão enorme
que não pode medir-se a gritos.

Conhece a Giralda, em Sevilha?
De certo subiu lá em cima.
Reparou nas flores de ferro dos quatro jarros das esquinas?

Pois aquilo é ferro forjado.
Flores criadas numa outra
língua.
Nada têm das flores de forma,
moldadas pelas das campinas.

Dou-lhe aqui humilde receita,
Ao senhor que dizem ser poeta:
O ferro não deve fundir-se
nem deve a voz ter diarréia.

Forjar: domar o ferro à força,
Não até uma flor já sabida,
Mas ao que pode até ser flor
Se flor parece a quem o diga.

(João Cabral de Melo Neto)

     Dignas de nota são também as cartas de Rainer Maria Rilke (1875-1926), o maior poeta da língua alemã do séc. XX.

     Rilke recebe uma carta de um jovem chamado Franz Kappus, que aspira a se tornar poeta e que pede conselhos ao já famoso escritor. O fato dá início a uma troca de correspondências na qual o poeta responde aos questionamentos do rapaz e expõe suas opiniões a respeito de ser poeta, da necessidade de escrever, da criação artística, entre outros assuntos.

     Foram dez as cartas, das quais transcrevemos a primeira.

Primeira Carta de Rainer Maria Rilke

Paris, 17 de fevereiro de 1903
Prezadíssimo Senhor,

Sua carta alcançou-me apenas há poucos dias. Quero agradecer-lhe a grande e amável confiança. Pouco mais posso fazer. Não posso entrar em considerações acerca da feição de seus versos, pois sou alheio a toda e qualquer intenção crítica. Não há nada menos apropriado para tocar numa obra de arte do que palavras de crítica, que sempre resultam em mal entendidos mais ou menos felizes. As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizíveis quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, - seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera.

Depois de feito este reparo, dir-lhe-ei ainda que seus versos não possuem feição própria somente acenos discretos e velados de personalidade. É o que sinto com maior clareza no último poema, "Minha Alma". Aí, algo de peculiar procura expressão e forma. No belo poema "A Leopardi" talvez uma espécie de parentesco com esse grande solitário esteja apontando. No entanto, as poesias nada têm ainda de próprio e de independente, nem mesmo a última, nem mesmo a dirigida a Leopardi. Sua amável carta que as acompanha não deixou de me explicar certa insuficiência que senti ao ler seus versos, sem que a pudesse definir explicitamente. Pergunta se os seus versos são bons. Pergunta-o a mim, depois de o ter perguntado a outras pessoas. Manda-os a periódicos, compara-os com outras poesias e inquieta-se quando suas tentativas são recusadas por um ou outro redator. Pois bem - usando da licença que me deu de aconselhá-lo - peço-lhe que deixe tudo isso. O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento.

Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, - ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite: "Sou mesmo forçado a escrever?" Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples "sou", então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. Sua vida, até em sua hora mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e o testemunho de tal pressão. Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde. Não escreva poesias de amor. Evite de início as formas usuais e demasiado comuns: são essas as mais difíceis, pois precisa-se de uma força grande e amadurecida para se produzir algo de pessoal num domínio em que sobram tradições boas, algumas brilhantes. Eis por que deve fugir dos motivos gerais para aqueles que a sua própria existência cotidiana lhe oferece; relate tudo isso com íntima e humilde sinceridade. Utilize, para se exprimir, as coisas de seu ambiente, as imagens de seus sonhos e os objetos de suas lembranças. Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas. Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar mesquinho e indiferente. Mesmo que se encontrasse numa prisão, cujas paredes impedissem todos os ruídos do mundo de chegar aos seus ouvidos, não lhe ficaria sempre sua infância, essa esplêndida e régia riqueza, esse tesouro de recordações? Volte a atenção para ela. Procure soerguer as sensações submersas desse longínquo passado: sua personalidade há de reforçar-se, sua solidão há de alargar-se e transformar-se numa habitação entre lusco e fusco diante da qual o ruído dos outros passa longe, sem nela penetrar. Se depois desta volta para dentro, deste ensimesmar-se, brotarem versos, não mais pensará em perguntar seja a quem for se são bons. Nem tão pouco tentará interessar as revistas por esses trabalhos, pois há de ver neles sua querida propriedade natural, um pedaço e uma voz de sua vida.

Uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade. Neste caráter de origem está o seu critério, - o único existente. Também, meu prezado senhor, não lhe posso dar outro conselho fora deste: entrar em si e examinar as profundidades de onde jorra a sua vida; na fonte desta é que encontrará a resposta à questão de saber se deve criar. Aceite-a tal como se lhe apresentar à primeira vista sem procurar interpretá-la. Talvez venha significar que o senhor é chamado a ser um artista. Nesse caso aceite o destino e carregue-o com seu peso e sua grandeza, sem nunca se preocupar com recompensa que possa vir de fora. O criador, com efeito, deve ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si e nessa natureza a que se aliou. Mas talvez se dê o caso de, após essa descida em si mesmo e em seu âmago solitário, ter o senhor de renunciar a se tornar poeta.

(Basta, como já disse, sentir que se poderia viver sem escrever para não mais se ter o direito de fazê-lo). Mesmo assim, o exame de consciência que lhe peço não terá sido inútil. Sua vida, a partir desse momento, há de encontrar caminhos próprios. Que sejam bons, ricos e largos é o que lhe desejo, muito mais do que lhe posso exprimir.

Que mais lhe devo dizer? Parece-me que tudo foi acentuado segundo convinha. Afinal de contas, queria apenas sugerir-lhe que se deixasse chegar com discrição e gravidade ao termo de sua evolução. Nada a poderia perturbar mais do que olhar para fora e aguardar de fora respostas e perguntas a que talvez somente seu sentimento mais íntimo possa responder na hora mais silenciosa.

Foi com alegria que encontrei em sua carta o nome do professor Hoaracek; guardo por esse amável sábio uma grande
estima e uma gratidão que desafia os anos. Fale-lhe, por favor, neste sentimento. É bondade dele lembrar-se ainda de mim; e eu sei apreciá-la.

Restituo-lhe ao mesmo tempo os versos que me veio confiar amigavelmente. Agradeço-lhe mais uma vez a grandeza e a cordialidade de sua confiança. Procurei por meio desta resposta sincera, feita o melhor que pude, tornar-me um pouco mais digno dela do que realmente sou, em minha qualidade de estranho.

Com todo o devotamento e toda a simpatia,

Rainer Maria Rilke 

     (Esta Primeira Carta do livro "Cartas a um jovem poeta" foi traduzida por Cecília Meireles, retirada da edição: "Cartas a um jovem poeta e Canção morte do porta-estandarte Cristóvão Rilke", ed. Globo, 1983.)

Conclusão

     No uso comum, "poesia" é termo utilizado para nomear o texto escrito em forma de verso. No rigor do termo, no entanto, "poesia" não é sinônimo de verso metrificado, rimado. A essência da poesia é a palavra. O trabalho com a palavra. O dizer o comum de forma incomum. O dizer poeticamente. De forma original. Inventando metáforas novas. Comparações inusitadas. Impactando. Oferecendo a palavra como espetáculo.


     Esqueça, pois, que poesia é sentimento. Comoção. A expressão do amor. De uma saudade. De uma dor de amor. Não diga a sua amada que quer vê-la repousando num berço de rosas macias, ao som das cantigas que a brisa cicia, no doce balanço das ondas do mar. Que ela é o sol de sua vida, o pão com que você saciará sua sede de carinho. Seu ontem. Seu hoje. Seu amanhã. Seu sempre. Aliás, diga tudo isso, mas de forma poética, nova, original. Afinal, poesia é a arte de dizer. Da palavra. Nova.