Que
é Poesia?
uma ilha
cercada
de palavras
por todos os lados.
Que
é o Poeta?
que
trabalha o poema
com
o suor de seu rosto
um homem
que tem fome
como qualquer outro
homem.
(Cassiano Ricardo)
Poesia é um texto literário, em prosa ou
em verso, que se caracteriza pela linguagem sugestiva, conotativa, metafórica,
figurada, criativa, inusitada - a chamada função poética ou linguagem poética. A
poesia também pode ser em versos livres também chamados irregulares, pois não
possuem restrição métrica.
(Metro é a medida do verso. O estudo do metro chama-se metrificação e
escansão é a contagem dos sons dos versos. As sílabas métricas, ou poéticas, diferem
das sílabas gramaticais em alguns aspectos).
Poesia é palavra. É linguagem. Todo o
gênio do poeta reside na invenção verbal (Jean Cohen - crítico de literatura).
Poesia é uma forma peculiar de dizer, de expressar.
Poesia não é, pois, a mera expressão de
sentimentos. De uma dor de cotovelo. De uma decepção amorosa. De uma canção de
amor.
Poesia não é a comoção diante de um
pôr-do-sol ou diante de uma paisagem. Até pode haver poesia numa declaração de
amor ou num poema que descreva o entardecer. Mas - insista-se - a essência da
poesia não está no próprio assunto, na expressão do sentimento, da comoção, do
encantamento. Poesia é palavra.
"Não
é com idéias que se fazem
versos,
é com palavras".
(Mallarmé, poeta francês)
"O
poeta é poeta não pelo que
pensou
ou sentiu, mas pelo que disse.
Ele
não é criador de idéias, mas de palavras.
Todo
seu gênio reside na invenção verbal."
(Jean Cohen, professor e
crítico literário)
Na poesia, a língua ultrapassa sua função
meramente comunicativa e se torna, ela própria, a matéria prima para a obra de
arte. Dito de outro modo, na função poética o esforço do autor incide sobre a
estrutura da mensagem, sobre a forma de dizer.
Na poesia se evidenciam as potencialidades
da linguagem: a conotação, a metáfora, todas as figuras de linguagem, a
sonoridade, o ritmo; em suma, a maneira peculiar, diferente, nova, artística,
criativa de expressar.
Há
a utilização de figuras como a antítese, a comparação, a metáfora.
Antítese
Antítese é uma figura de linguagem que
consiste na exposição de ideias opostas. Ocorre quando há uma aproximação
de palavras ou expressões de sentidos opostos. Esse recurso foi especialmente utilizado pelos autores do
período Barroco .
Exemplos:
“Ela
se preocupa tanto com o passado que esquece o presente.
A guerra não leva a nada, devemos
buscar a paz.”
O exemplo clássico é Gregório de Mattos:
“Nasce o Sol, e não dura mais que um dia; Depois da Luz se segue
à noite escura; Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas e
alegrias.”
Metáfora
e Comparação
Metáfora é uma figura de linguagem em que um termo substitui
outro em uma relação de semelhança entre os elementos que esses termos designam.
Essa
semelhança é resultado da imaginação, da subjetividade de quem cria a metáfora.
A metáfora também pode ser entendida como uma comparação abreviada, em que o
conectivo comparativo não está expresso, mas subentendido.
Vamos
aos exemplos:
1-
“Aquele homem é um leão.”
Estamos
comparando um homem com um leão, pois esse homem é forte e corajoso como um
leão.
2-
“A vida vem em ondas como o mar.”
Aqui
também existe uma comparação, só que desta vez é usado o conectivo comparativo:
como.
Atenção!
O exemplo 1 é uma metáfora e o exemplo 2 é uma comparação.
Exemplos
de metáfora:
Ele
é um anjo.
Ela
uma flor.
Exemplos
de comparação:
A
chuva cai como lágrimas.
A
mocidade é como uma flor.
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e brando como a bruma
Não basta rimar para escrever poesia. Não
basta ter ritmo para ser poesia. Um texto não é poesia por ser romântico, por
emocionar, por ser uma declaração de amor.
Poesia é palavra, é linguagem, é invenção
verbal, é originalidade.
O sentir, o amar, o apaixonar-se é
comum a todos; cabe ao poeta expressar o sentimento, o amor, a paixão de uma
maneira singular. Tudo já foi dito. O poeta expressa o que foi dito mediante
uma forma inusitada.
Manuel Bandeira, em "Consoada", dá
uma lição de poesia.
Em dez linhas apenas, com palavras
simples, conhecidas (com exceção, talvez, de "consoada",
"caroável" e "sortilégios"), expressa sua preparação para
receber a morte (a Indesejada das gentes), que vem para um último encontro, para
uma "consoada" (refeição ao final do dia) e encontrará o poeta com o
dever cumprido ("encontrará lavrado o campo") e preparado para
recebê-la ("a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu
lugar.").
Não há rimas (a rima nem sempre é a solução).
Os versos não apresentam o mesmo número de sílabas. O ritmo não é marcado. Isso
tudo não importa. O que confere "status" de poesia ao poema é a
maneira peculiar (a linguagem figurada) com que o poeta expressa sua alta
preparação para receber a morte, que vem para um "jantar", um
encontro a dois, e "Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, / A mesa
posta, / Com cada coisa em seu lugar."
Poesia é isso: uma aventura de linguagem.
A arte de dizer o comum de forma incomum.
O texto poético assim construído se torna
intocável, isto é, as palavras que o autor utilizou, as combinações que fez, os
recursos que empregou não podem ser alterados sob pena de comprometer a obra,
desconstruí-la, despoetizá-la.
Cabe lembrar, para encerrar, que um texto
em forma de prosa pode ser considerado poesia, se a função predominante for a
função poética, se nele estiver presente a linguagem poética. Trata-se de um
texto em prosa, em sua forma; poesia - em sua essência. Dito de outro modo é
prosa poética.
Muitos poetas escreveram a respeito de seu
esforço criador. Por exemplo, Olavo Bilac, no soneto "A um poeta"
“Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e
sua!”
Um dos mais importantes poemas da poética
de Carlos Drummond de Andrade é o poema "O Lutador", em que fala de
seu processo criador.
O Lutador
Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entretanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
num dia de vida.
Deixam-se enlaçar,
tontas à carícia
e súbito fogem
e não há ameaça
e nem há sevícia
que as traga de novo
ao centro da praça.
Insisto, solerte.
Busco persuadi-las.
Ser-lhes-ei escravo
de rara humildade.
Guardarei sigilo
de nosso comércio.
Na voz, nenhum travo
de zanga ou desgosto.
Sem me ouvir deslizam,
perpassam levíssimas
e viram-me o rosto.
Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não têm carne e sangue...
Entretanto, luto.
Palavra, palavra
(digo exasperado),
se me desafias,
aceito o combate.
Quisera possuir-te
neste descampado,
sem roteiro de unha
ou marca de dente
nessa pele clara.
Preferes o amor
de uma posse impura
e que venha o gozo
da maior tortura.
Luto corpo a corpo,
luto todo o tempo,
sem maior proveito
que o da caça ao vento.
Não encontro vestes,
não seguro formas,
é fluido inimigo
que me dobra os músculos
e ri-se das normas
da boa peleja.
Iludo-me às vezes,
pressinto que a entrega
se consumará.
Já vejo palavras
em coro submisso,
esta me ofertando
seu velho calor,
aquela sua glória
feita de mistério,
outra seu desdém,
outra seu ciúme,
e um sapiente amor
me ensina a fruir
de cada palavra
a essência captada,
o sutil queixume.
Mas ai! é o instante
de entreabrir os olhos:
entre beijo e boca,
tudo se evapora.
O ciclo do dia
ora se conclui
e o inútil duelo
jamais se resolve.
O teu rosto belo,
ó palavra, esplende
na curva da noite
que toda me envolve.
Tamanha paixão
e nenhum pecúlio.
Cerradas as portas,
a luta prossegue
nas ruas do sono.
(Carlos
Drummond de Andrade)
No poema, é necessário ressaltar que:
a. poesia é palavra:
-"as
palavras" são muitas (...) /Algumas, tão fortes /como o javali,"
-
"apareço e tento /apanhar algumas /para meu sustento /num dia de
vida."
-
"e um sapiente amor /me ensina a fruir /de cada palavra /a essência
captada, /o sutil queixume".
b. o poeta é um lutador: luta com as
palavras:
-
"Luto corpo a corpo, /luto todo o tempo"
-
"Cerradas as portas, /a luta prossegue /nas ruas do sono."
-
etc.
c. a luta com as palavras é tarefa
difícil (o que significa que construir um poema envolve muito esforço):
-
"Lutar com palavras /é a luta mais vã."
-
"Deixam-se enlaçar, /tontas à carícia /e súbito fogem"
-
"Sem me ouvir deslizam, /perpassam levíssimas, /e viram-me o rosto."
-
etc.
A luta que o poeta trava com a palavra, a
busca pela perfeição formal, a ânsia de almejar, alcançar a beleza a qualquer
custo, e a impotência, a angústia experimentada pelo poeta para a realização
dessa tarefa - isso tudo está expresso no poema clássico de Olavo Bilac,
"Inania verba" (Fúteis palavras).
Inania verba
Ah! quem há-de exprimir, alma impotente
e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não
escreve
- Ardes, sangras, pregada à tua cruz e,
em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te
deslumbrava...
O Pensamento ferve, e é um turbilhão de
lava:
A forma, fria e espessa, é um sepulcro
de neve...
E a Palavra pesada abafa a Idéia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.
Quem o molde achará para a expressão de
tudo
Ai! quem há-de dizer as ânsias infinitas
Do sonho e o céu que foge à mão que se
levanta
E a ira muda e o asco mudo e o desespero
mudo
E as palavras de fé que nunca foram
ditas
E as confissões de amor que morrem na
garganta
(Olavo
Bilac)
É tamanha a ânsia, o esforço do poeta na
busca do ideal poético que chega a sentir-se um fracassado, considerando
impossível a expressão correta das idéias pelas palavras. Para Bilac, a
construção de um poema é também comparada a uma cidadela inconquistável:
"Nunca
estarei jamais no teu recinto;
na sedução e no fulgor que exalas,
ficas vedada, num radiante cinto
de riquezas, de gozos e de galas."
É a mesma a concepção de João Cabral de
Melo Neto acerca do processo de criação de um poema em "O ferrageiro de
Carmona" (ferrageiro = ferreiro; Carmona= cidade da Espanha e, também, uma
espécie de tranca).
O poema distingue duas maneiras de
trabalhar o ferro: a fundição e o forjamento. Na fundição, o ferro é derretido
e derramado no molde. Ao esfriar, torna-se sólido, tomando o formato do molde.
Já no forjamento, o ferro é aquecido e trabalhado/moldado pelo ferreiro com o
auxílio do malho (um grande martelo de ferro).
Segundo o poema, o trabalho com a
linguagem é análogo ao trabalho com o ferro. A "fundição" deve ser
entendida como a construção de um poema a partir de uma fórmula, em que, por
isso, não há originalidade; o "forjamento" é criação, é enfrentar
dificuldades no fazer artístico. Assim, o poema "forjado" é fruto do
esforço, do suor, resultado do trabalho intenso e não de uma inspiração fugaz,
da imitação - sinônimo de facilidade.
Eis o poema na íntegra:
O Ferrageiro de Carmona
Um ferrageiro de Carmona,
que me informava de um balcão:
"Aquilo? É de ferro fundido,
foi a forma que fez, não a mão.
Só trabalho em ferro forjado
que é quando se trabalha ferro
então, corpo a corpo com ele,
domo-o, dobro-o, até o onde
quero.
O ferro fundido é sem luta
é só derramá-lo na forma.
Não há nele a queda de braço
e o cara a cara de uma forja.
Existe a grande diferença
do ferro forjado ao fundido:
é uma distância tão enorme
que não pode medir-se a gritos.
Conhece a Giralda, em Sevilha?
De certo subiu lá em cima.
Reparou nas flores de ferro dos quatro
jarros das esquinas?
Pois aquilo é ferro forjado.
Flores criadas numa outra
língua.
Nada têm das flores de forma,
moldadas pelas das campinas.
Dou-lhe aqui humilde receita,
Ao senhor que dizem ser poeta:
O ferro não deve fundir-se
nem deve a voz ter diarréia.
Forjar: domar o ferro à força,
Não até uma flor já sabida,
Mas ao que pode até ser flor
Se flor parece a quem o diga.
(João
Cabral de Melo Neto)
Dignas de nota são também as cartas de
Rainer Maria Rilke (1875-1926), o maior poeta da língua alemã do séc. XX.
Rilke recebe uma carta de um jovem chamado
Franz Kappus, que aspira a se tornar poeta e que pede conselhos ao já famoso
escritor. O fato dá início a uma troca de correspondências na qual o poeta
responde aos questionamentos do rapaz e expõe suas opiniões a respeito de ser
poeta, da necessidade de escrever, da criação artística, entre outros assuntos.
Foram dez as cartas, das quais
transcrevemos a primeira.
Primeira
Carta de Rainer Maria Rilke
Paris,
17 de fevereiro de 1903
Prezadíssimo
Senhor,
Sua
carta alcançou-me apenas há poucos dias. Quero agradecer-lhe a grande e amável
confiança. Pouco mais posso fazer. Não posso entrar em considerações acerca da
feição de seus versos, pois sou alheio a toda e qualquer intenção crítica. Não
há nada menos apropriado para tocar numa obra de arte do que palavras de
crítica, que sempre resultam em mal entendidos mais ou menos felizes. As coisas
estão longe de ser todas tão tangíveis e dizíveis quanto se nos pretenderia
fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço
em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão do que
qualquer outra coisa são as obras de arte, - seres misteriosos cuja vida
perdura, ao lado da nossa, efêmera.
Depois
de feito este reparo, dir-lhe-ei ainda que seus versos não possuem feição
própria somente acenos discretos e velados de personalidade. É o que sinto com
maior clareza no último poema, "Minha Alma". Aí, algo de peculiar
procura expressão e forma. No belo poema "A Leopardi" talvez uma
espécie de parentesco com esse grande solitário esteja apontando. No entanto,
as poesias nada têm ainda de próprio e de independente, nem mesmo a última, nem
mesmo a dirigida a Leopardi. Sua amável carta que as acompanha não deixou de me
explicar certa insuficiência que senti ao ler seus versos, sem que a pudesse
definir explicitamente. Pergunta se os seus versos são bons. Pergunta-o a mim,
depois de o ter perguntado a outras pessoas. Manda-os a periódicos, compara-os
com outras poesias e inquieta-se quando suas tentativas são recusadas por um ou
outro redator. Pois bem - usando da licença que me deu de aconselhá-lo -
peço-lhe que deixe tudo isso. O senhor está olhando para fora, e é justamente o
que menos deveria fazer neste momento.
Ninguém
o pode aconselhar ou ajudar, - ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar
em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas
raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo:
morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo
na hora mais tranqüila de sua noite: "Sou mesmo forçado a escrever?"
Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder
contestar àquela pergunta severa por um forte e simples "sou", então
construa a sua vida de acordo com esta necessidade. Sua vida, até em sua hora
mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e o testemunho de tal
pressão. Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o
primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde. Não escreva poesias de amor.
Evite de início as formas usuais e demasiado comuns: são essas as mais
difíceis, pois precisa-se de uma força grande e amadurecida para se produzir
algo de pessoal num domínio em que sobram tradições boas, algumas brilhantes.
Eis por que deve fugir dos motivos gerais para aqueles que a sua própria
existência cotidiana lhe oferece; relate tudo isso com íntima e humilde
sinceridade. Utilize, para se exprimir, as coisas de seu ambiente, as imagens
de seus sonhos e os objetos de suas lembranças. Se a própria existência
cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que
não é bastante poeta para extrair as suas riquezas. Para o criador, com efeito,
não há pobreza nem lugar mesquinho e indiferente. Mesmo que se encontrasse numa
prisão, cujas paredes impedissem todos os ruídos do mundo de chegar aos seus
ouvidos, não lhe ficaria sempre sua infância, essa esplêndida e régia riqueza,
esse tesouro de recordações? Volte a atenção para ela. Procure soerguer as
sensações submersas desse longínquo passado: sua personalidade há de
reforçar-se, sua solidão há de alargar-se e transformar-se numa habitação entre
lusco e fusco diante da qual o ruído dos outros passa longe, sem nela penetrar.
Se depois desta volta para dentro, deste ensimesmar-se, brotarem versos, não
mais pensará em perguntar seja a quem for se são bons. Nem tão pouco tentará interessar
as revistas por esses trabalhos, pois há de ver neles sua querida propriedade
natural, um pedaço e uma voz de sua vida.
Uma
obra de arte é boa quando nasceu por necessidade. Neste caráter de origem está
o seu critério, - o único existente. Também, meu prezado senhor, não lhe posso
dar outro conselho fora deste: entrar em si e examinar as profundidades de onde
jorra a sua vida; na fonte desta é que encontrará a resposta à questão de saber
se deve criar. Aceite-a tal como se lhe apresentar à primeira vista sem
procurar interpretá-la. Talvez venha significar que o senhor é chamado a ser um
artista. Nesse caso aceite o destino e carregue-o com seu peso e sua grandeza,
sem nunca se preocupar com recompensa que possa vir de fora. O criador, com
efeito, deve ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si e nessa natureza
a que se aliou. Mas talvez se dê o caso de, após essa descida em si mesmo e em
seu âmago solitário, ter o senhor de renunciar a se tornar poeta.
(Basta,
como já disse, sentir que se poderia viver sem escrever para não mais se ter o
direito de fazê-lo). Mesmo assim, o exame de consciência que lhe peço não terá
sido inútil. Sua vida, a partir desse momento, há de encontrar caminhos
próprios. Que sejam bons, ricos e largos é o que lhe desejo, muito mais do que
lhe posso exprimir.
Que
mais lhe devo dizer? Parece-me que tudo foi acentuado segundo convinha. Afinal
de contas, queria apenas sugerir-lhe que se deixasse chegar com discrição e
gravidade ao termo de sua evolução. Nada a poderia perturbar mais do que olhar
para fora e aguardar de fora respostas e perguntas a que talvez somente seu
sentimento mais íntimo possa responder na hora mais silenciosa.
Foi
com alegria que encontrei em sua carta o nome do professor Hoaracek; guardo por
esse amável sábio uma grande
estima
e uma gratidão que desafia os anos. Fale-lhe, por favor, neste sentimento. É
bondade dele lembrar-se ainda de mim; e eu sei apreciá-la.
Restituo-lhe
ao mesmo tempo os versos que me veio confiar amigavelmente. Agradeço-lhe mais
uma vez a grandeza e a cordialidade de sua confiança. Procurei por meio desta
resposta sincera, feita o melhor que pude, tornar-me um pouco mais digno dela
do que realmente sou, em minha qualidade de estranho.
Com
todo o devotamento e toda a simpatia,
Rainer
Maria Rilke
(Esta Primeira Carta do livro "Cartas
a um jovem poeta" foi traduzida por Cecília Meireles, retirada da edição:
"Cartas a um jovem poeta e Canção morte do porta-estandarte Cristóvão
Rilke", ed. Globo, 1983.)
Conclusão
No uso comum, "poesia" é termo
utilizado para nomear o texto escrito em forma de verso. No rigor do termo, no
entanto, "poesia" não é sinônimo de verso metrificado, rimado. A
essência da poesia é a palavra. O trabalho com a palavra. O dizer o comum de
forma incomum. O dizer poeticamente. De forma original. Inventando metáforas
novas. Comparações inusitadas. Impactando. Oferecendo a palavra como espetáculo.
Esqueça, pois, que poesia é sentimento.
Comoção. A expressão do amor. De uma saudade. De uma dor de amor. Não diga a
sua amada que quer vê-la repousando num berço de rosas macias, ao som das
cantigas que a brisa cicia, no doce balanço das ondas do mar. Que ela é o sol
de sua vida, o pão com que você saciará sua sede de carinho. Seu ontem. Seu
hoje. Seu amanhã. Seu sempre. Aliás, diga tudo isso, mas de forma poética,
nova, original. Afinal, poesia é a arte de dizer. Da palavra. Nova.