Depois dos difíceis tempos da Antiguidade conhecida, o que faz um peregrino?
Quem não acredita em Si-próprio, quem não sabe do seu Eu e da inocência que transporta, não percorre caminho algum. Não vive a Vida. Não sabe que o Amor, essa Luz tão profunda em nós, que nos transforma em gigantes d'Energia, Espíritos da Bondade, nos torna crianças em busca do novo, da Verdade.
O peregrino é um sábio. É o Ser Humano transformando o seu Ser-criança na Fé que dilata a sua íntima Vontade de Estar sendo o Espírito, de caminhar com Deus, de se realizar como um Todo cósmico. "Devemos colocar acima de tudo o Conhecimento do nosso Eu. O mais útil de todos os conhecimentos é o que nos dá a noção exata do que somos e nos ensina a dirigirmo-nos naVida", pregou Ambrósio, colocando sabiamente um dos pensamentos que guia muitos peregrinos. Isto porque "O sábio tem vergonha dos seus defeitos, mas não de os corrigir", como ensina Confúcio. E o peregrino é isso: um sábio. Ele é um Ser que é capaz de viver além das coisas ordinárias e passar essa Espiritualidade, essa Vontade cósmica, em cada passo nos caminhos que percorre, sabendo, como sabia Ghandi, que "tudo o que é feito por Deus é preservado" em cada Espírito peregrino.
Se o grão de trigo, caído na terra, não morrer, produz muito trigo. João
O apóstolo João dizia: "Na casa de Meu Pai há muitas moradas (...) E vós sabeis para onde Eu vou e conheceis o caminho".
Todo o peregrino sabe disso. E também sabe, como lembra Rudyard de Kipling, que "Não há levante nem poente, nem fronteiras nem raças, embora cada um venha da extremidade da terra", porque antes de qualquer valor religioso-cultural vale a dimensão cósmica de cada Ser, sendo que cada Peregrino, em suas andanças, é uma e muitas moradas do Espírito que nos ensina a Bondade e o engenho.
Todo o Peregrino transforma o caminho em jardim porque ele é o vero Poeta oferecendo flores à Vida. E havendo um justo a caminho, como se poderá extrair do Talmude, isso é já o suficiente para que o mundo aconteça e o Espírito seja! Em toda a sua caminhada o peregrino transporta, já dizia Confúcio, um punhado de Terra para fazer a sua montanha. Essa montanha é a compreensão cósmica dos universos que nos rodeiam, é o Saber daquele Longe que só alcançamos em Espírito d'Amor e quando, em nossa íntima caminhada, somos o peregrino que vive e deseja o Amor como grão de trigo que quer ser mais e mais trigo. É como aquele que, sabendo-se Guerreiro Espiritual, descobre:
Soube hoje que o Universo é uma maresia de cosmos
E que o Todo que persigo é o vários Eu que sou;
Soube hoje do m'Eu e n'Ele vi
Cartas e pedras e cinzas; em sonhos altos me comovi
E dei comigo sentado n'Universo...
Há um sábio em cada Eu,
Mas a magia que o fará Guerreiro Espiritual virá do Amor
E, nesse toque, dirá: Eis-me, Eu!
(João Barcellos, in Balada Do Guerreiro Espiritual - Cadernos Oficina Poesia, RJ-1994)
O peregrino surge na paixão pela Vida. Naquele instante em que se dá conta da Luz que transporta e nunca soube (como) usá-la para vivenciar o Espírito que é em Si, para vivenciar o Amor e dilatar-o-seu-Eu-com-Alguém; ou, somente ele, na sua íntima Fé, percorrendo os caminhos que o Cosmo lhe abríu fazendo-o viver o Espírito do(s) Deus(es).Por esta razão, e pela Poesia que alimenta e irradia,
o Peregrino é um cântico à Vida!
...a vida
Como os homens a vivem,
Cheia de negra poeira
Que erguem das estradas.
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... nada mais pretendem
Que ir no rio das coisas.
Fernando Pessoa
(Odes, Ricardo Reis)
A estrada da Vida não é um canteiro de belas flores: a falsidade e a inveja dos brutos, ignorantes e infelizes, são espinhos diabólicos que se opõem à Fraternidade - mas, como afirmava Charles Chaplin (o famoso Charlot), "...o Altruísmo acabará por vencer e há de imperar o Amor". Aquelas e aqueles que querem gozar plenamente a Vida sabem que não podem ir no rio das coisas, que têm de transformar a negra poeira / Que erguem das estradas no sal e no sol das Almas que são: porque é na vivência da Vida que se aprende a dar valor a uma estrada, seja ela da Terra que (nos) leva aos sítios sagrados, seja aquel'outra Espiritual. Sócrates, o grande pensador, dizia: "Não aprenderam de mim senão o que já sabiam e que são eles quem por si mesmos acharam belas as coisas que já possuíam". E, da mesma maneira, Huberto Rodhen: "Ninguém pode educar alguém - alguém só pode educar-se a si mesmo". Dentro destes exemplos, veja-se que o Caminho da Felicidade passa pela Autodeterminação, essa Vontade própria que leva ao Conhecimento, ao saber do Eu, já que as "almas infelizes envelhecem cedo", como escreveu Camilo Castelo Branco.É isto que me leva a afirmar:
o Peregrino é um Ser dotado da Luz quando
realiza os caminhos sob a energia da Fé;
quando vive a cósmica essência da poética
que é ser um Fazedor-da-Vida...
Um dos poetas-músicos mais citados do Séc. 20, o inglês John Lennon, afirmava "...eu tenho e vejo o Todo... não só na minha própria Vida, mas o Universo todo"; e como ele, outro Ser em luta pela Liberdade nos caminhos da Humanidade - Martin Luther King: "o caminho está cheio de asperezas, mas, não obstante fadigas e humilhações, eu tenho ainda um sonho...", aquele sonho que nos incita a viver, que nos faz cantar, como na poesia de Walt Whitman
Vamos! quem quer que sejais, vinde
peregrinar comigo,
Encontrareis o que jamais se cansa.
Vamos! não devemos parar por aqui
(in Cântico da Estrada Aberta -Leaves of Grass)
Ao cantar isto e sendo cantado por todo o mundo, Whitman tornou-se Peregrino Espiritual, tal e qual Fernando Pessoa ou Jorge Luís Borges; porque, como sempre esclarecia Madame Blavatsky, cada Ser transporta em Si-mesmo a potencialidade da Imortalidade - e, continuo eu,
Imortal é todo o Peregrino que canta e faz a Estrada da Vida, com Amor...
A imagem não é uma coisa:
é um ato da consciência.
Sartre
O Eu é o mestre do eu;
que outro mestre poderia existir?
Buda
Se o Ser não é mais do que aquilo que Ele-mesmo projeta e faz de Si, como pensava Sartre, então, esse é o sinal primeiro da estrada. E para percorrer essa Estrada, o Ser Humano dever ter em conta esta poética budista:
Não corras atrás do passado.
Não busques o futuro,
o passado passou.
O futuro ainda não chegou.
Vê, claramente, diante de ti o Agora.
Não existem disputas nem classes, não existem fortes e não-fortes nem pobres e ricos, quando o Ser Humano torna-se Peregrino, olha o Agora, o Hoje, se determina e, em ato de Consciência na sua íntima Vontade, parte para fazer a Estrada e saber que é imortal enquanto for capaz de cantar o Eu - e, nesse salmo da Liberdade, louvar o Espírito na simples Existência, que o mesmo é dizer viver o(s) Deus(es). Nesse caminhar não há Igrejas como não há Seitas, há somente o Peregrino e a sua Fé, e a sua cósmica essência na poética que é sentir o Eu divino!
(Esta Palestra Primeira foi publicada pela Ed. Edicon, em 1995/SP, ISBN 85-290 CDD-869.91, sob o título genêrico O Peregrino e, em 1998, revista pelo Autor e aumentada com a Palestra Segunda)
Jesus Cristo foi o maior Mestre Peregrino de todos os tempos. Mas todos nós de certa forma somos peregrinos nessa vida.