Não é indispensável ser um estudante atilado de história, portanto, para compreender que os dons do cristianismo para o mundo foram de dois gumes. Para começar, ele preservou por séculos a memória e o exemplo de Jesus – a expressão mais pura que conhecemos do Amor de Deus – inclusive seu evangelho de perdão, bem como beneficiando o mundo com suas muitas contribuições culturais e artísticas. Ao mesmo tempo, entretanto, o cristianismo se mostrou uma religião de sacrifício, culpa, perseguição, assassinato e elitismo, com Jesus como seu símbolo maior – ele cujo evangelho era só amor, perdão, paz e unidade. Como afirma Um Curso em Milagres "Alguns ídolos amargos foram feitos dele que apenas queria ser um irmão para o mundo." (ET-5.5:7)
O desenvolvimento do cristianismo consegue ser visto, em parte, como a história de um povo que, apesar de crer em Jesus e em sua mensagem, muitas vezes involuntariamente trazia conflito, guerra, e separação para o mundo, em vez de paz, unidade e salvação. Em vez de ver todas as pessoas como uma só família sob Deus, ela dividiu e subdividiu sua família. Antes que consigamos aceitar completamente essa mensagem radical de perdão e unicidade de todas as pessoas como a família de Deus, os erros do passado têm de ser corrigidos, curados e desfeitos.
Como Um Curso em Milagres torna claro, os erros do cristianismo meramente refletem os erros básicos de qualquer pessoa ou grupo que creia que a separação de Deus de fato ocorreu. Assim, o cristianismo nos abre a oportunidade de não só curar os erros do passado, mas entender melhor a dinâmica de nossos próprios egos através de vê-los refletidos na história das religiões cristãs.
Os que começam a estudar Um Curso em Milagres esperando encontrar – para o melhor ou para o pior – o cristianismo que aprenderam e praticaram, ou o cristianismo que parece tolerar intolerância e perseguição, ficará muito surpreso. Encontrarão muitas das mesmas palavras com as quais estavam familiarizados – crucificação, expiação, salvação, milagre, perdão de pecados, Cristo, Filho de Deus, etc. – mas com significados e conotações bem diferentes.
A crucificação permanece o evento central da vida de Jesus, porém a interpretação do Curso fica a 180 graus do ensinamento tradicional de que ele haja sofrido e morrido por nossos pecados.[2] Além do mais, a crucificação é explicada como um modelo de perdão por nosso próprio comportamento quando somos tentados a nos perceber, a nós mesmos, injustamente tratados pelo mundo.
Enquanto que Freud geralmente recebe críticas ferozes tanto nos círculos populares como profissionais – em parte por causa de sua forte atitude anti religiosa – não deixa de ser verdade que sem o seu trabalho o registro de Um Curso em Milagres no mundo poderia ter sido muito retardado. A dinâmica do ego, como apresentada pelo Curso, é amplamente psicanalítica, e a disseminada aceitação e entendimento da ‘projeção’ certamente são diretamente atribuídas a seu trabalho e aos que seguiram seus passos. De forma paradoxal, então, conseguimos observar que as conclusões interiores do homem que lutou tão apaixonadamente para negar a existência da espiritualidade consegue ser revertida para nos ajudar a desfazer as barreiras que nos mantiveram impedidos de reconhecer nossas verdadeiras identidades como crianças – criações – de Deus.
É importante notar que Um Curso em Milagres veio para o mundo num lugar pouco provável – um grande centro médico no coração da Cidade de Nova York. Não se conseguiria pedir um lugar mais dramático para simbolizar o materialismo e o uso inadequado do poder em nosso mundo. Como já observamos em relação ao cristianismo, os erros pedem correção nas formas em que são expressados. Para os que ficassem tentados a “praticar” ou “aprender” o Curso em isolamento, o nascimento do Curso serve como um memento simbólico da necessidade de aprender suas lições exatamente onde nos encontramos, nas próprias situações dos relacionamentos problemáticos diários de nossas vidas.
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Um Curso em Milagres é publicado pela Fundação para a Paz Interior e sua primeira edição foi em 1976, e ao tempo da edição deste livro (1995) já vendeu mais de um milhão de cópias em todo o mundo, sem qualquer campanha promocional na mídia, senão o boca-a-boca. Traduções até essa data (1995) foram feitas em espanhol, português e alemão, com outras línguas em breve se seguindo.[3]
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Fonte: DESPERTO DO SONHO
O Mito Cosmogônico em Um Curso em Milagres
Gloria Wapnick
Kenneth Wapnick, Ph. D.
Tradução
M. Thereza de Barros Camargo
Ibis Libris2009
[1] N.T. – Gilbert Keith Chesterton, conhecido como G. K. Chesterton, (Londres, 29 de maio de 1874 — Beaconsfield, 14 de junho de 1936) foi um renomado escritor, poeta, narrador, ensaísta, jornalista, historiador, biógrafo, filósofo, desenhista e conferencista britânico.
[2] N.T. – ou que seu corpo e seu sangue lavem os pecados
[3] N.T. – Hoje (2009) já está traduzido e publicado em papel: 14 novas + 3 existentes + 1eletrônica = 18 línguas e foram vendidos mais de dois milhões de cópias, só do original em inglês, sempre anunciados pelo boca-a-boca.