quinta-feira, 30 de abril de 2009

O Acaso

Autor: DIEGO GUIMARÃES CAMARGO

Certa vez estava eu deitado na rede, ao lado do pinheiro, ao lado do pé de acerola. Ele veio até mim de súbito; não sei sua origem, e tão pouco isso importa. Falou-me como quem cumprimenta um conhecido, ainda que pra mim seu paradeiro fosse uma estrela no universo, pois ele desprendia luz, porém era totalmente desconhecido, como os anjos são; como Deus o é. Sentou-se no chão, apontou para grama e disse: “Que tu vê?” Não entendi a origem da pergunta, então disse o que qualquer um diria: “Ora, vejo grama, o que poderia eu ver?” Ele continuou: “Não entendes? Até quando se brinca é necessário que se morra” Suas palavras que, é bom dizer, se colocavam um tom assustador, foram por mim interpretadas de forma errada – que somente agora eu sei o motivo. Não compreendi o que disse, pedindo então que explica-se. E ele me falou: “Que há aqui de fato é grama, no seu tom verde, na sua vida natural. Observe agora (e nesse instante apontou para um ponto fixo da grama) vês? É um pedaço de mato” Sim, eu disse, vejo sim, mas é natural que se ache mato entre a grama, é a ordem das coisas, ou não? “Não é do mato em si que eu falo, olhe” Arrancou nesse momento um pedaço desse mato que tinha quatro folhas e uma ponta que parecia um cordão. Levantou-o, suspendeu a minha vista, e começou a brincar com ele, e deu-lhe vida. Então eu vi o que o mato se transformara, era uma pessoa, um personagem que agora se movia, que agora dançava em suas mãos. E ele disse: “Vês? Entende agora o que é a existência? Desse mato nada se tira, pois é apenas um mato. Agora mude seu ângulo, analise por outra forma, esse mato, que era um simples mato, virou agora uma criança, e quantas outras coisas quiseres, vês? As árvores morrem pra viverem brinquedos, nada surge ao acaso, nem de graça. Afinal, o que é o acaso?” Refleti um pouco, entendi que nada sei sobre o acaso, a não ser as poucas coisas que falam dele, então disse: O acaso é algo inesperado, assim pelo menos o penso. “Te enganas menino, o acaso é o agora, é transformação constante que o universo sofre, nada mais que isso. Olha esse mato, olha tuas linhas, olha a vida que te dei, isso é o acaso, porque se não o fosse nada teria acontecido, nem mesmo teus pensamentos seriam os mesmos agora. O acaso é a dúvida, a constante troca de opiniões: um dia, mato; no outro, criança. É esse o ciclo natural, vês? Não perde tempo olhando para as coisas como elas são; olha como elas não são, e criaras então um novo universo; teu universo.” A ilusão a que eu fui posto me deixou perplexo; nada pode ser tão simples assim. As figuras, porém, não serão mais a mesmas a partir de agora, o acaso é sempre visto.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Cântigo Negro


"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí!
Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?
...Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios
...Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

José Régio

domingo, 26 de abril de 2009

O Homem Não Pode Prescindir da Ilusão


Alguns pensadores, sobretudo modernos e contemporâneas defendem que o homem não pode prescindir da ilusão. Ela faz parte da natureza humana, e é uma forma de fugirmos à vida real, e ao sofrimento e falta de sentido presente no fundo da nossa existência. A vida passa pelo sonho. O homem não suporta viver constantemente a verdadeira realidade.

"Estão acordados, mas dormem."
(Heraclito, 540-480 a. C., filósofo grego, citado por E. Morin)

"Uma simples trivialidade consola-nos porque uma simples trivialidade distrai-nos."
(B. Pascal, 1623-1662, filósofo, físico e matemático francês, Pensamentos)

"A espécie humana não suporta demasiada realidade."
(T. S. Eliot, 1888-1965, escritor anglo-americano, citado por E. Morin)

"Os homens têm sempre lutado contra a realidade com todas as suas forças."
Jean Servier, escritor francês, citado por E. Morin)

"Tirar ao homem comum a vida de mentiras em que ele vive, é retirar-lhe a felicidade. (Henrik Ibsen, 1826-1906, escritor norueguês, The Wild Duck )

"Para o homem, tão importante quanto a técnica, é a criação de um universo imaginário e a proliferação fabulosa de mitos, crenças, religiões."
(E. Morin, sociólogo e filósofo francês)

"Existe uma propensão universal para acreditar em fantasmas e espíritos, para acreditar em feitiços e, com mais frequência, na eficácia da magia e do sacrifício."
(E. Morin, sociólogo e filósofo francês)

"A ilusão atravessa toda a história, todas as sociedades, todos os indivíduos, e os espíritos, mal saem de uma desilusão, estão prontos para cair noutra".
(E. Morin)

"Os arcaicos viviam num universo povoado de espíritos, de seres sobrenaturais, de lendas fabulosas, de quimeras, de milagres. Os sonhos faziam parte da realidade."
(E. Morin)

"O mito fortifica o homem, ocultando-lhe a incompreensibilidade do seu destino e preenchendo o nada da morte."
(E. Morin)


As Idades do Homem

Shakespeare: Sátira burlesca aos papéis e atitudes do homem, nas diferentes fases da sua vida

O mundo inteiro é um palco, e todos os homens simples atores, com as suas saídas e entradas, com múltiplos papéis em atos que abrangem sete idades.

Primeiro, temos a criancinha, choramingando e vomitando nos braços da ama.

Segue-se o estudante resmungão, com a sua mochila, o brilhante rosto matinal, arrastando-se como um caracol para a detestada escola.

A terceira idade é a do amante, suspirando como uma fornalha, com uma horrível balada em honra da sobrancelha da amada.

Depois vem o soldado, cheio de estranhos juramentos, barbudo como um leopardo, zeloso da honra, brusco e ágil na luta, atrás da ilusória reputação, mesmo na boca do canhão.

A quinta idade é a do magistrado, com o seu belo ventre redondo, usando gorro próprio, olhar severo e barba de corte formal, cheio de sábios provérbios e modernos julgamentos, desempenhando o seu papel.

A sexta idade faz o homem vestir-se como um arlequim, de calças justas, óculos no nariz e algibeira ao lado; meias joviais, bem conservadas, um mundo amplo demais para as suas enfraquecidas pernas, e um vozeirão másculo a tornar-se num infantil soprano, cheio de silvos e sibilos.

A derradeira cena, término da memorável história da vida, é a segunda infância, a do puro esquecimento, a da falta de dentes, de visão, de paladar, rumo ao nada.

(William Shakespeare, 1564-1616, poeta e dramaturgo inglês)

Citações Famosas sobre a Vida e o Homem

No taoísmo, e também em textos religiosos indianos e budistas, advoga-se o vácuo de ideias e sentimentos, como forma de ultrapassar o sofrimento. As citações a seguir são ilustrativas dessa forma de pensar oriental.

"O homem sábio deve recusar a cólera, o orgulho, a decepção, a inveja, o amor, o ódio, a desilusão, a concepção, o nascimento, a morte, o inferno, a existência animal, e a dor."

(Jaina Sutras, Acaranba Sutra, textos religiosos indianos do século VI a. C., e depois )

"Não interrogues o silêncio porque ele é mudo; não esperes nada dos deuses, através de preces, nem tentes suborná-los com oferendas, pois é em nós próprios que devemos procurar a libertação."

(Buda, séc. V a. C., citado por E. Morin, O Homem e a Morte)

"Aquele que procura a felicidade, deve extirpar de si a flecha da aflição, do desejo, do desespero."

(Pali Tripitaka, colecção budista de textos sagrados, Dhammapada)

"A maior das vitórias é a vitória sobre nós mesmos."

(Pali Tripitaka, colecção budista de textos sagrados, Dhammapada)

"A mente do homem perfeito é como um espelho. Ele não distorce a sua resposta às coisas. Ele responde às coisas mas não penetra na sua existência. Deste modo ele pode lidar com essas coisas sem se magoar."

(Tchuang-Tseu, filósofo chinês ligado ao taoismo, século III ou II a. C., Book of Tchuang-Tseu )

"Não queiras ser famoso. Não queiras ser um armazém de regras. Não queiras apreender a função das coisas. Não queiras ser o mestre do conhecimento que manipula. "

(Tchuang-Tseu, filósofo chinês ligado ao taoismo, século III ou II a. C., Book of Tchuang-Tseu)

"Procura compreender o mais algo degrau das coisas, viajando a um nível em que não há sinais, exercitando plenamente o que recebeste da natureza, negando tudo o que há de pessoal e subjectivo em ti. Numa palavra: procura o vácuo sem ideias."

(Tchuang-Tseu, filósofo chinês ligado ao taoismo, século III ou II a. C., Book of Tchuang-Tseu
)

POESIA E FILOSOFIA

A poesia – na sua forma própria, ou em prosa – encerra frequentemente um conteúdo existencialista e filosófico. Há muita poesia glosando a vida, as suas alegrias, o fado, o destino, o nosso lugar no universo, a ilusão, a sem-razão da dor ou a crueldade da vida. Os temas específicos podem variar, mas cantar ou chorar, de forma filosófica, o sentido da vida faz parte do reportório de dezenas de grandes escritores.

Que é que Cervantes fez, quando escreveu: «Abençoado seja o que inventou o sono, a manta que cobre todos os pensamentos humanos, o alimento que satisfaz a fome, a bebida que apazigua a sede, o fogo que aquece o frio, o frio que modera o calor, e, finalmente, a moeda corrente que compra todas as coisas, e a balança e os pesos que igualizam o pastor e o rei, o ignorante e o sábio.»

Não será isso filosofia existencial, tanto quanto poesia?

O que é que o imperador Adriano fez nas vésperas da morte, ao escrever o seu epitáfio: «Pequena alma errante, hóspede e companheira do corpo, para onde irás tu agora, pálida, rígida e nua, sem poderes brincar como dantes?»

E como classificar grande parte versos bíblicos do Eclesiastes, por exemplo?
Como classificar versos como: «Goza da vida com a mulher que amas, durante todos os dias da fugaz existência que Deus te concede debaixo do Sol. Essa é a tua parte de vida, entre os trabalhos a que estás condenado.Tudo o que a tua mão possa fazer, fá-lo intensamente, pois na região dos mortos, para onde irás, não há trabalho nem inteligência, não há ciência nem sabedoria»?

Eles são obviamente filosofia, tanto quanto poesia. Eles são poesia existencialista, e filosofia existencialista. Não são necessários tratados, nem linguagem hermética, para se fazer filosofia.

E um exemplo maior disso mesmo é Fernando Pessoa. Poemas como a Tabacaria não são apenas exemplos sublimes e maiores do génio poético do homem. Eles são igualmente exemplos maiores do filosofar existencialista. Grande parte da poesia de Pessoa é também filosofia.

Oiçamo-lo: «Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama; Mas acordámos e ele é opaco,Levantámo-nos e ele é alheio.» Trata-se, obviamente, de filosofia. Mesmo que ele a rejeita, e diz:«E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos. Sigo o fumo como uma rota própria, E gozo, num momento sensitivo e competente, A libertação de todas as especulações E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.»

Ou quando diz: «Come chocolates, pequena; Come chocolates! Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.»Objectar-se-á: mas não será muito repetitiva a temática filosófica de Pessoa, e todos os exemplos citados acima? Não será que a poesia existencialista se limita, muitas vezes, a transmitir questões filosóficas sem profundidade, demasiado banais? Será que se pode fazer filosofia, no sentido mais exigente do termo, por via da poesia?

Que dizer, por exemplo, de um poema sobre o sentido da vida, como o Life de Charlotte Brontë, citado atrás. Nele, muito simplesmente, canta-se a esperança juvenil, defende-se em verso as «soalhentas horas da vida», e «agradecidamente, animadamente», pede-se que as gozemos «enquanto elas vão voando».
Serão eles também filosofia?

A minha resposta é sim. Num campo filosófico como o do sentido da vida, a poesia e a literatura podem ser formas maiores de filosofar. Compreender a vida, dar-lhe um sentido ou não, depende fundamentalmente dos nossos sentimentos, e não tanto da nossa razão.

A profundidade filosófica, neste caso, é indesligável da beleza, da forma, da arte, e não depende estreitamente do pensamento abstracto. Associa-se à alegria e à tristeza, à forma como traduzimos e nos dirigimos à nossa sensibilidade, e acordamos ou evocamos sentimentos e formas específicas de ver e sentir. A novidade e a profundidade, neste caso, estão aí - nas formulações capazes de nos emocionar, de tocar a nossa alma.

O Controle do Prazer

Por Regina Navarro Lins
Psicanalista e escritora, autora do best seller “A Cama na Varanda”

Duvido muito que as pessoas realmente procurem o prazer. Quando numa palestra falo da importância de sempre se buscá-lo, muita gente protesta com ar de censura: “Mas a vida não é só prazer!”. Segundo Freud, existem duas formas de o ser humano buscar a felicidade: visando evitar a dor e o desprazer ou experimentar fortes sensações de prazer. Numa cultura em que sofrimento é virtude, não é de se estranhar a falta de ousadia de se tentar viver de forma prazerosa.

A felicidade e a alegria são vistas como alienação, ao contrário da angústia existencial, que é respeitada. Mas como ninguém escapa do desprazer, não há motivo de desânimo para os que desejam algum sofrimento. Viver com medo de assalto, ficar preso em engarrafamento, entrar em fila de banco, procurar emprego...Não é suficiente?

Saber descobrir e sentir prazer pode ser um talento e uma arte que precisa ser cultivada. E não é tão simples. Os controles políticos, sociais e religiosos sobre o prazer continuam existindo em todas as partes do mundo. Controlar os prazeres das pessoas é controlá-las.

O prazer sexual, por pertencer à natureza humana e atingir a todos sem exceção, sempre foi visto como o mais perigoso de todos. É, portanto, o mais controlado. Na Idade Média, chegaram ao ponto de afirmar que o ato sexual no casamento só estava isento de pecado se não houvesse prazer entre o casal, e o homem que sentisse muito desejo pela esposa estaria cometendo um verdadeiro adultério.

Mas o que haverá de errado com o prazer, se as pessoas chegarem ao trabalho na hora, obedecerem aos sinais de trânsito, aproveitarem as latas de cerveja para reciclagem e não abusarem do bem-estar da dignidade alheia? A censura ao prazer não se limita somente à vida privada, mas também a arte da literatura.

Ao contrário dos artistas gregos e romanos, que consideravam o nu masculino como exemplo de perfeição humana, durante muito tempo, antes de serem exibidas para o público, as estátuas tiveram os órgãos genitais tapados ou o pênis quebrado com um martelinho especial. O Davi, de Michelangelo, antes de ser exibido em Florença, em 1504, recebeu uma folha de figueira, só retirada em 1912.

Como resultado do fato de não se desenvolver o prazer, a grande maioria das pessoas acaba fazendo sexo em menor quantidade e de pior qualidade do que gostaria.

Não é a toa que Reich fala da miséria sexual das pessoas, porque, segundo ele, elas se desempenham sexualmente de tal modo, que se frustram durante a própria realização com uma habilidade espantosa.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Poema de Um Louco

Era uma noite, o sol brilhava no horizonte montanhoso.
Estava eu andando parado, sentado de pé numa pedra de pau, com os olhos arregalados quase fechando, quando não muito longe dali havia um bosque sem árvores.
Os passarinhos pastavam alegremente enquanto as vacas cantavam pulando de galho em galho a procura de seus ninhos e os elefantes descansavam à sombra de um pé de alface.
Resolvi voltar de pressa vagarosamente pra casa.
Chegando pela porta da frente que ficava nos fundos.
No quarto deitei meu paletó na cama e me pendurei no cabide.
Passei a noite em claro, pois esqueci de apagar as luzes.
Sonhei que estava acordado, quando acordei sonhei que estava dormindo.
Levantei-me e fui ao banheiro, onde resolvi almoçar, logo senti um gosto horrível na boca. Havia comido o guardanapo e limpado a boca com o bife.
Fui então até o jardim e lá eu encontrei um papel em branco, que estava escrito: assim diziam aqueles nove profetas que eram três, jacó e pedro.
“O mundo é mesmo uma bola quadrada, diante disso prefiro a morte do que morrer”.
Era uma noite, o sol brilhava no horizonte montanhoso.

Desconheço a autoria

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Forjando a Armadura

de Rudolf Steiner

Nego-me a submeter-me ao medo
Que me tira a alegria da minha liberdade
Que não me deixa arriscar nada.
Que me torna pequeno e mesquinho, que me amarra,
Que não me deixa ser direto e franco, que me persegue
Que ocupa negativamente a minha imaginação,
Que sempre pinta visões sombrias.

No entanto, não quero levantar barricadas por medo do medo
Eu quero viver e não quero encerrar-me.
Não quero ser amigável por medo de ser sincero
Quero pisar firme porque estou seguro, e não para encobrir o meu medo.
E, quando me calo, quero fazê-lo por amor e não por temer asconseqüências de minhas palavras.

Não quero acreditar em algo só pelo medo de não acreditar em nada.
Não quero filosofar, por medo que algo possa me atingir de perto
Não quero dobrar-me só porque tenho medo de não ser amável
Não quero impor algo aos outros pelo medo de que possam impor algo a mim.

Por medo de errar, não quero me tornar inativo.
Não quero fugir de volta ao vellho, o inaceitável.
Por medo de não mesentir seguro de novo.
Não quero fazer-me importante porque tenho medo de ser ignorado.

Por convicção e amor, quero fazer o que faço e deixar de fazer o quedeixo de fazer
Do medo quero arrancar o domínio e dá-lo ao amor
E quero crer no reino que existe em mim.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

A tua tarefa...

"A tua tarefa não é buscar o amor, mas simplesmente buscar e achar todas as barreiras que construíste dentro de ti contra ele. Não é necessário buscar o que é verdadeiro, mas é necessário buscar o que é falso. Toda ilusão é uma ilusão de medo, não importa a forma que tome."

UCEM - Livro Texto, Cap16.IV.6

sábado, 18 de abril de 2009

Nova Sociedade

Frei Betto:

Para superar a crise devemos mudar o modelo que leva a maioria à pobreza

Rio - Ao participar do Fórum Econônimo Mundial para a América Latina, nesta semana, no Rio, indaguei: diante da atual crise financeira, trata-se de salvar o capitalismo ou a humanidade?


Não são poucos os que acreditam que fora do capitalismo a humanidade não tem futuro. Mas teve passado? Em cerca de 200 anos de predominância do capitalismo, o balanço é excelente se considerarmos os 20% da população mundial que habitam países ricos do hemisfério Norte. Excelente também para bancos e grandes empresas.

E os restantes 80%? Mas, como explicar, à luz dos princípios éticos e humanitários mais elementares, estes dados da ONU e da FAO: de 6,5 bilhões de pessoas que existem hoje no planeta, cerca de 4 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza, dos quais 1,3 bilhão abaixo da linha da miséria. E 950 milhões sofrem desnutrição crônica.

Se queremos tirar algum proveito da atual crise financeira, devemos pensar como mudar o rumo da história, e não apenas como salvar empresas, bancos e países insolventes. Devemos ir à raiz dos problemas e avançar rapidamente na construção de uma sociedade baseada na satisfação das necessidades sociais, de respeito aos direitos da natureza e de participação popular num contexto de liberdades políticas.

O desafio consiste em construir um novo modelo econômico e social que coloque as finanças a serviço de um novo sistema democrático, fundado na satisfação de todos os direitos humanos: trabalho decente, soberania alimentar, respeito ao meio ambiente, à diversidade cultural, uma economia social e solidária. E um novo conceito de riqueza.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Valeu

SE NÃO HOUVER FRUTOS
VALEU A BELEZA DAS FLORES
SE NÃO HOUVER FOLHAS
VALEU A SOMBRA DAS FOLHAS
SENÃO HOUVER FOLHAS
VALEU A INTENÇÃO DA SEMENTE.

(Este poema é atribuído ao Henfil)

MEU POEMA PREFERIDO

Tabacaria

Não sou nada.

Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira.
Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?

O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim?
Não, nem em nada.

Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soubeE o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerênciaPor ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira.
Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança,
e o Dono da Tabacaria sorriu.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

A Liberdade é a Possibilidade do Isolamento

A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento.

Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente.

Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.

Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o hermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela. A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar.

As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.Por isso a morte enobrece, veste de galas desconhecidas o pobre corpo absurdo. É que ali está um liberto, embora o não quisesse ser. É que ali não está um escravo, embora ele chorando perdesse a servidão.

Como um rei cuja maior pompa é o seu nome de rei, e que pode ser risível como homem, mas como rei é superior, assim o morto pode ser disforme, mas é superior porque a morte o libertou.Fecho, cansado, as portas das minhas janelas, excluo o mundo e um momento tenho a liberdade.

Amanhã voltarei a ser escravo; porém agora, só, sem necessidade de ninguém, receoso apenas que alguma voz ou presença venha interromper-me, tenho a minha pequena liberdade, os meus momentos de exelcis.

Na cadeira, aonde me recosto, esqueço a vida que me oprime. Não me dói senão ter-me doído.

sábado, 11 de abril de 2009

A Crise Que Estamos Esquecendo

Muito bom esse artigo dessa renomada autora. Tenho certeza que a crise financeira global é a menor das crises, e o mais importante, NÃO É A CAUSA, MAS SIM O EFEITO, A CONSEQUÊNCIA. Aliás, confundir causa com efeito é um dos coisas que nós humanos mais fazemos com tremenda frequência. Você, uma ótima psicóloga aposentada, que como já disse antes, durante anos da tua vida ficou exposta aos efeitos da irradiação maléfica do ego humano, na tua profissão, no teu consultório, sabe bem disso. A base da sociedade é a família, como a nossa geração conheceu. Aquela família que almoçava reunida quase todos os dias, sentado em volta de uma mesa. Acho que não preciso discorrer aqui sobre o que aconteceu com essa família, que um dia conhecemos. Dizem que é o progresso, a vida moderna, etc...Pode até ser também, mas, infelizmente, é muito mais do que isso.

Considero essa frase do Curso: "Não busques mudar o mundo, mas escolher mudar a tua mente sobre o mundo", uma das mais importantes para conviver ou sobreviver, hoje em dia.

É por isso que ESTOU CANSADO porque "O mundo que vejo não contém nada do que eu quero". Aparentemente e, enganosamente, parece uma frase pessimista. Mas não é. Ninguém pode deixar de aceitar esse pensamento como verdadeiro, se quiser deixar o mundo para trás e elevar-se acima de suas mesquinhas dimensões e de seus caminhos curtos.

Nós, individualmente, ou coletivamente, em sociedade, recebemos aquilo conforme pedimos, de alguma forma, essa sociedade que vemos hoje, que aparentemente, cada um de nós, ESTÁ CANSADO, ou critica ou não agüenta mais, nós a temos criado, seja em ações ou em omissões, ou mesmo em pensamentos de medo, culpa e pecado. É fácil chegar nas eleições e votar num político qualquer, seja, vereador, governador, prefeito, deputado, senador ou presidente e "lavar as mãos". É isso temos feitos. E assim construímos esse país. Mas ainda não conseguimos construir uma nação, que é muito diferente.


P.S.: Ouvi (acho que foi na televisão) que em São Paulo, a cada dois dias é criada uma nova igreja. Acho que era uma chamada do Globo Repórter da Globo, não tenho certeza porque raramente vejo televisão, mas ouço, porque aqui em casa meus pais e meu irmão vivem com a mesma ligada; então apesar de não vê eu ouço. Cada nova igreja ou templo que o homem cria, mas ele se afasta do Deus Interior, que não usa templos, pois é onipresente e onisciente.

Paulo Cesar de Oliveira



"Lya Luft
A crise que estamos esquecendo

"Todos os indivíduos, não importa a conta bancária,
profissão ou cor dos olhos, podem reverter esta outra
crise: a do desrespeito geral que provoca violência física
ou grosseria verbal em casa, no trabalho, no trânsito"

O tema do momento é a crise financeira global. Eu aqui falo de outra, que atinge a todos nós, mas especialmente jovens e crianças: a violência contra professores e a grosseria no convívio em casa. Duas pontas da nossa sociedade se unem para produzir isso: falta de autoridade amorosa dos pais (e professores) e péssimo exemplo de autoridades e figuras públicas.

Pais não sabem como resolver a má-criação dos pequenos e a insolência dos maiores. Crianças xingam os adultos, chutam a babá, a psicóloga, a pediatra. Adolescentes chegam de tromba junto do carro em que os aguardam pai ou mãe: entram sem olhar aquele que nem vira o rosto para eles. Cumprimento, sorriso, beijo? Nem pensar. Como será esse convívio na intimidade? Como funciona a comunicação entre pais e filhos? Nunca será idílica, isso é normal: crescer é também contestar. Mas poderíamos mudar as regras desse jogo: junto com afeto, deveriam vir regras, punições e recompensas. Que tal um pouco de carinho e respeito, de parte a parte? Para serem respeitados, pai e mãe devem impor alguma autoridade, fundamento da segurança dos filhos neste mundo difícil, marcando seus futuros relacionamentos pessoais e profissionais. Mal-amados, mal-ensinados, jovens abrem caminho às cotoveladas e aos pontapés.

Mal pagos e pouco valorizados, professores se encolhem, permitindo abusos inimagináveis alguns anos atrás. Uma adolescente empurra a professora, que bate a cabeça na parede e sofre uma concussão. Um menininho chama a professora de "vadia", em aula. Professores levam xingações de pais e alunos, além de agressões físicas, cuspidas, facadas, empurrões. Cresce o número de mestres que desistem da profissão: pudera. Em escolas e universidades, estudantes falam alto, usam o celular, entram e saem da sala enquanto alguém trabalha para o bem desses que o tratam como um funcionário subalterno. Onde aprenderam isso, se não, em primeira instância, em casa? O que aconteceu conosco? Que trogloditas somos - e produzimos -, que maltrapilhos emocionais estamos nos tornando, como preparamos a nova geração para a vida real, que não é benevolente nem dobra sua espinha aos nossos gritos? Obviamente não é assim por toda parte, nem os pais e mestres são responsáveis por tudo isso, mas é urgente parar para pensar.

Na outra ponta, temos o espetáculo deprimente dos escândalos públicos e da impunidade reinante. Um Senado que não tem lugar para seus milhares de funcionários usarem computador ao mesmo tempo, e nem sabia quantos diretores tinha: 180 ou trinta? Autoridades que incitam ao preconceito racial e ao ódio de classes? Governos bons são caluniados, os piores são prestigiados. Não cedemos ao adversário nem o bem que ele faz: que importa o bem, se queremos o poder? Guerra civil nas ruas, escolas e hospitais precários, instituições moralmente falidas, famílias desorientadas, moradias sub-humanas, prisões onde não criaríamos porcos. Que profunda e triste impressão, sobretudo nos mais simples e desinformados e naqueles que ainda estão em formação. Jovens e adultos reagem a isso com agressividade ou alienação em todos os níveis de relacionamento. O tema "violência em casa e na escola" começa a ser tratado em congressos, seminários, entre psicólogos e educador es. Não vi ainda ações eficazes.

Sem moralismo (diferente de moralidade) nem discursos pomposos ou populistas, pode-se mudar uma situação que se alastra - ou vamos adoecer disso que nos enoja. Quase todos os países foram responsáveis pela gravíssima crise financeira mundial. Todos os indivíduos, não importa a conta bancária, profissão ou cor dos olhos, podem reverter esta outra crise: a do desrespeito geral que provoca violência física ou grosseria verbal em casa, no trabalho, no trânsito. Cada um de nós pode escolher entre ignorar e transformar. Melhor promover a sério e urgentemente uma nova moralidade, ou fingimos nada ver, e nos abancamos em definitivo na pocilga".


VEJA
Edição 2107
8 de abril de 2009

quarta-feira, 8 de abril de 2009

O Verbo Cansado...

Eu estou cansado . . .
Cansado de me iludir e quebrar a cara
Cansado de pular sozinho
Cansado de acreditar nas pessoas
Cansado de acreditar nas palavras

Cansado de ajudar alguém
Cansado de amar alguém
Cansado de ser um incomodo
Cansado de sonhar por sonhos que nunca se tornam realidade
Cansado de viver de ilusões e ao mesmo tempo cansado de viver nesta cruel realidade
Cansado de tentar de novo

Cansado de procurar emprego
Cansado de investir
Cansado de começar de novo, se tudo acaba do mesmo jeito
Cansado do mesmo fim
Cansado de promessas

Cansado de políticos
Cansado das leis e da justiça
Cansado de viver de passado
Cansado de tentar viver no presente
Cansado de ser triste e cansado de tentar ser feliz
Cansado de procurar
Cansado de acreditar
Cansado de ter fé
Cansado de ser sacaneado
Cansado de ser tratado como idiota
Cansado de ser rejeitado
Cansado de me apaixonar
Cansado de ser sincero
Cansado de sentimentos
Cansado de ser desacreditado

Cansado da minha ignorância
Cansado da ignorâncias das pessoas
Cansado de tudo o que já tive que ouvir
Cansado de tudo o que já tive que aturar
Cansado de relacionamentos unilaterais
Cansado de amor platônico

Cansado de sexo sem amor
Cansado de amor sem sexo
Cansado de ser só um menino
Cansado de ser um homem velho

Cansado de não ter quem me dê carinho
Cansado de falta de atenção

Cansado da falta de educação
Cansado de cuidar dos outros sem ter quem cuide de mim
Cansado de me fuder
Cansado de quebrar a cara
Cansado de escutar desaforos e grosserias
Cansado de ter a minha vida atrapalhada por quem eu nunca fiz mal

Cansado do demônio, do diabo, do raio que o parta
Cansado dos espíritos em ilusão, encarnados ou não
Cansado do obssessor que insiste em me perseguir
Cansado de deus . . .

Que insiste em se omitir

Deus, se você esta ai em algum lugar me diz porque estou tão cansado de tudo


Cansado da tal justiça divina que eu não estou vendo
Cansado de esperar
Eu estou cansado!
Cansado da vida
Cansado dessa falta de dinheiro

Cansado de esperar o fim de semana, o fim do mes, o fim do ano...
Cansado de ninguém acreditar em mim
Cansado de não ter em quem confiar e cansado de confiar nas pessoas
Cansado de confiar nos santos
Cansado de confiar em deus
Cansado de acreditar nas cartas

Cansado da astrologia, do tarõ
Cansado dos livros
Cansado das Escrituras
Cansado de olhar lá de cima as pedras do arpoador e não ter coragem de pular
Cansado de não conseguir mais lutar
Cansado de viver . . .
Cansado de dormir e acordar todos os dias sem uma expectativa
Cansado de estudar para um concurso
Cansado de acreditar que tudo vai passar
Cansado de dormir e inconscientemente sonhar sempre os mesmos sonhos

Cansado de mim mesmo
Cansado dos meus inúteis sentimentos
Cansado de conversar com o cachorro, com os gatos
Cansado de escrever no diário
Cansado de fingir que eu estou bem quando na verdade eu quero morrer
Cansado de ter que deixar de ser eu mesmo para não incomodar as pessoas
Cansado de ter que chorar escondida

Cansado de não poder chorar
Cansado de ter a minha presença indesejável
Cansado de não poder ir ao meu lugar favorito porque é longe
Cansado de ter as minhas ações na justiça não julgadas

Cansado de acharem que também tudo o que eu faço de por este motivo
Cansado de não poder fazer o que eu bem entender
Cansado de não poder ligar o foda-se
Cansado de não poder mandar o mundo se fuder
Cansado de não ter mais o controle da minha vida
Cansado de não ter as rédias do meu destino
Cansado de escutar palpite de quem não esta sentindo o que eu sinto

Cansado de gente burra
Cansado de gente com neura de limpeza
Cansado de ter pena de mim

Cansado do tipo "coitadinho de mim"
Cansado das coisas ficarem piores quando eu acho que nada mais pode piorar
Cansado de tudo
Cansado de rezar
Cansado de não ter paz

Cansado da vida!
Cansado desse maldito ego!
Cansado dessa merda que chamam país
Cansado da Internet, do Orkut, MSN ...
Cansado desse blog também

O Que HÁ Em Mim É Sobretudo Cansaço

O que há em mim é sobretudo cansaço
O que faço nesse mundo
Quantas vidas tive
Quantas vezes morri
Quantas vidas ainda terei
Essas perguntas me cansam
As respostas também
Não fazer perguntas também me cansa.

O cansaço é pior do que a desesperança
Porque há uma razão em não se ter mais esperança
Mas o cansaço não tem causa, mas tem efeitos.
Você simplesmente se cansa, e pronto.
De repente, você fica cansado.
Não só o corpo, mas tudo fica cansado, paralisado,
Principalmente a alma.

Eu fingi ser tanta coisa na vida
Que acabei me cansando de tudo que tentei ser
Ao descobrir que nunca poderia ser nada, além do que já sou.
Os livros me cansaram
As teorias me cansaram
As filosofias, religiões e crenças me cansaram.
As perguntas me cansaram
As respostas também

Quem é Deus?
Quem sou eu?
Pra onde vou?
De onde vim?
Só tenho dúvidas,
E cansaço.

Sou o que pergunta?
Ou sou o que não sabe a resposta?

Meus falsos amores me cansaram
Ser triste ou ser alegre.
Otimista ou pessimista.
Rir ou chorar?
Sol ou chuva?
Tudo isso meu é cansaço.
Essa hipocrisia toda, Meu Deus!
Que cansaço de tudo isso!

Mas esse meu cansaço, afinal o que é?
Cansaço de quê?
Cansaço da vida?
Cansaço do mundo?
De onde vem esse cansaço?
Esse ser abstrato.
Infundado.

Não tenho as respostas.

Tento fazer uma poesia desse meu cansaço.
Espero que você não se canse de mim
Nem da minha poesia.
Mas se cansar...junte-se ao meu cansaço

Será que Jesus um dia,
também ficou cansado?
De tudo que via.
De toda essa hipocrisia,
Da vida que não existia.

E continua não existindo.

( © Paulo Cesar de Oliveira)

Tô Cansado

Titãs

Tô cansado do meu cabelo
Tô cansado da minha cara
Tô cansado de coisa vulgar
Tô cansado de coisa rara
Tô cansado
Tô cansado
Tô cansado de me dar mal
Tô cansado de ser igual
Tô cansado de moralismo
Tô cansado de bacanal
Tô cansado
Tô cansado
Tô cansado de trabalhar
Tô cansado de me ferrar
Tô cansado de me cansar
Tô cansado de descansar
Tô cansado
Tô cansado

(Composição: Branco Mello / Arnaldo Antunes)



Cansado

Hoje sinto-me cansado.
não pelo fato de serem já 4:59
nem pelo esforço físico
hoje sinto-me cansado.
não sei se é tarde para estar acordado
ou se é cedo demais para já estar acordado
hoje sinto-me cansado.
cansado de não saber o motivo do cansaço
cansado de sentir as pálpebras pesadas
cansado de dormir
cansado de acordar cansado
hoje sinto me cansado.
cansado do cansaço.

(Filipe Quintã - Porto 2008)

DESABAFO

Aterrorizado escondo-me debaixo dos lençóis
E combato o escuro com o escuro.
A vida fez-me conhecer novos medos,
O maior deles: o medo de viver!
Estou cansado de viver…
Cansado de lutar…
Cansado de chorar…
Cansado até de amar…
Chego a desconfiar da minha existência!
Estarei a mais neste pequeno universo
Ou serei eu especial?
Especial como esses diamantes que trazes ao pescoço!
Acho-me incapaz de continuar,
As forças já se esgotaram à muito
E o caminho é longo, escuro e sinuoso…
As decisões são minhas e eu não as consigo tomar!
Tenho receio de caminhar sozinho,
Medo que o destino me pregue mais partidas.
Não tenho qualquer motivação…
Quero começar de novo!
Viver tudo de uma forma diferente,
Fazer mais e melhor!
Mudar os erros que cometi sem querer
E cumprir tudo o que,
conscientemente, prometi!

(Sandro M. Gomes)

O Poeta Louco

Sinto-me cansado
Cansado de tudo
Cansado desta luta destemida
Que por vezes até me sinto
Cansado da própria vida
São horas tristes que passo
Envolto em solidão
Meu DEUS não sei o que faço
Porque bate meu coração
Talvez seja a teimosia
De um lutador insistente
Que não para noite e dia
De sonhar constantemente
Mas se tudo isto não passa
Sou o que sou não pareço
Meu DEUS sinto-me cansado
Ou morro ou enlouqueço

(Paulo Silva)

terça-feira, 7 de abril de 2009

DESESPERO DA PIEDADE

Meu Senhor, tende piedade dos que andam de bonde
e sonham no longo percurso com automóveis, apartamentos...
Mas tende piedade também dos que andam de automóvel,
quando enfrentam a cidade movediça de sonâmbulos, na direção.

Tende piedade das pequenas famílias suburbanas
e em particular dos adolescentes que se embebedam de domingos,
mas tende mais piedade ainda de dois elegantes que passam
e sem saber inventam a doutrina do pão e da guilhotina.

Tende muita piedade do mocinho franzino, três cruzes, poeta,
que só tem de seu as costelas e a namorada pequenina,
mas tende mais piedade ainda do impávido forte colosso do esporte
e que se encaminha lutando, remado, nadando para a morte.

Tende imensa piedade dos músicos dos cafés e casas de chá
que são virtuoses da própria tristeza e solidão,
mas tende piedade também dos que buscam silêncio
e súbito se abate sobre eles uma ária da Tosca.

Não esquecei também em vossa piedade os pobres que enriqueceram
e para quem o suicídio ainda é a mais doce solução,
mas tende realmente piedade dos ricos que empobreceram
e tornam-se heróicos e à santa pobrea dão ar de grandeza.

Tende infinita piedade dos vendedores de passarinhos,
que em suas alminhas claras deixam a lágrima e a incompreensão,
e tende piedade também, menor embora, dos vendedores de balcão
que amam as frequesas e saem de noite, quem sabe onde vão...

Tende piedade da mulher no primeito coito,
Onde se cria a primeira alegria da criação
e onde se consuma a tragédia dos anjos
e onde a morte encontra a vida em desintegração.

Tende piedade da mulher no instante do parto,
onde ela é como a água explodindo em convulsão,
onde ela é como a terra vomitando cólera,
onde ela é como a dual parindo desilusão.

Tende piedade das mulheres chamadas desquitadas,
porque nelas se refaz misteriosamente a virgindade,
mas tende piedade também das mulheres casadas,
que se sacrificam e se simplificam a troco de nada.

Tende piedade, Senhor, das mulheres chamadas vagabundas,
que são desgraçadas e são infecundas,
mas que vendem barato muito instante de esquecimento
e em paga o homem mata com a navalha, com o fogo,
com o veneno.

Tende piedade, Senhor, das primeiras namoradas
de corpo hermético e coração patético,
que saem à rua felizes mas que sempre entram desgraçadas,
que se crêem vestidas mas que em verdade vivem nuas.

Tende piedade, Senhor, de todas as mulheres,
que ninguém mais merece tanto amor e amizade,
que ninguém mais deseja tanto poesia e sinceridade,
que ninguém mais precisa tanto de alegria e serenidade.

Tende piedade delas, Senhor, que são puras,
que são crianças e são trágicas e são belas,
que caminham ao sopro dos ventos e que pecam
e que têm a única emoção da vida nelas.

Tende piedade, Senhor, das santas mulheres,
dos meninos velhos, dos homens humilhados - sede enfim
piedoso com todos, que tudo merece piedade
e se piedade Vos sobrar, Senhor, tende piedade de mim!

(Vinicius de Moraes)

Senhor, Convida-nos Para Dançar

Senhor, penso que, às vezes, estejas cansado como eu, disto:
de pessoas que falam de servir-Te, com ares de comandantes,
de conhecer-Te, com ares de professores,
de Te atingirem, com regras de esporte,
de Te amarem, como se ama um casal de idosos.

Senhor, vem convidar-nos,
estamos prontos a dançar em nossa caminhada,
mas como uma festa sem fim,
como um baile,
uma dança,
entre os braços da Tua Graça,
na música universal do Teu amor.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Céu da Semana - 05 a 11 de abril

por Eduardo Krug

Destaque do Céu: Vênus retrógrado em Áries e Saturno retrógrado em Virgem

Reflexo do Céu no Cotidiano - O Céu na TerraSol em Áries e a posição de Saturno, também retrógrado, enfatiza a necessidade de atentar a detalhes para ter maior eficiência

A semana - A semana inicia com Lua em Câncer acentuando o contato com reações emocionais e memórias.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

DESSASSOSSEGO

De repente, como se um destino médico me houvesse operado de uma cegueira antiga com grandes resultados súbitos, ergo a cabeça, da minha vida anônima, para o conhecimento claro de como existo. E vejo que tudo quanto tenho feito, tudo quanto tenho pensado, tudo quanto tenho sido, é uma espécie de engano e de loucura. Maravilho-me do que consegui não ver. Estranho quanto fui e que vejo que afinal não sou.

Olho, como numa extensão ao sol que rompe nuvens, a minha vida passada; e noto, com um pasmo metafísico, como todos os meus gestos mais certos, as minhas idéias mais claras, e os meus propósitos mais lógicos, não foram, afinal, mais que bebedeira nata, loucura natural, grande desconhecimento. Nem sequer representei. Representaram-me. Fui, não o ator, mas os gestos dele.

Tudo quanto tenho feito, pensado, sido, é uma soma de subordinações, ou a um ente falso que julguei meu, por que agi dele para fora, ou de um peso de circunstâncias que supus ser o ar que respirava. Sou, neste momento de ver, um solitário súbito, que se reconhece desterrado onde se encontrou sempre cidadão. No mais íntimo do que pensei não fui eu.

Vem-me, então, um terror sarcástico da vida, um desalento que passa os limites da minha individualidade consciente. Sei que fui erro e descaminho, que nunca vivi, que existi somente porque enchi tempo com consciência e pensamento. E a minha sensação de mim é a de quem acorda depois de um sono cheio de sonhos reais, ou a de quem é liberto, por um terremoto, da luz pouca do cárcere a que se habituara.

Pesa-me, realmente me pesa, como uma condenação a conhecer, esta noção repentina da minha individualidade verdadeira, dessa que andou sempre viajando sonolentamente entre o que sente e o que vê.

É tão difícil descrever o que se sente quando se sente que realmente se existe, e que a alma é uma entidade real, que não sei quais são as palavras humanas com que possa defini-lo. Não sei se estou com febre, como sinto, se deixei de ter a febre de ser dormidor da vida. Sim, repito, sou como um viajante que de repente se encontre numa vila estranha sem saber como ali chegou; e ocorrem-me esses casos dos que perdem a memória, e são outros durante muito tempo. Fui outro durante muito tempo – desde a nascença e a consciência –, e acordo agora no meio da ponte, debruçado sobre o rio, e sabendo que existo mais firmemente do que fui até aqui.


Mas a cidade é-me incógnita, as ruas novas, e o mal sem cura. Espero, pois, debruçado sobre a ponte, que me passe a verdade, e eu me restabeleça nulo e fictício, inteligente e natural.

Foi um momento, e já passou. Já vejo os móveis que me cercam, os desenhos do papel velho das paredes, o sol pelas vidraças poeirentas. Vi a verdade um momento. Fui um momento, com consciência, o que os grandes homens são com a vida. Recordo-lhes os atos e as palavras, e não sei se não foram também tentados vencedoramente pelo Demônio da Realidade. Não saber de si é viver. Saber mal de si é pensar. Saber de si, de repente, como neste momento lustral, é ter subitamente a noção da mônada íntima, da palavra mágica da alma. Mas essa luz súbita cresta tudo, consume tudo. Deixa-nos nus até de nós.

Foi só um momento, e vi-me. Depois já não sei sequer dizer o que fui. E, por fim, tenho sono, porque, não sei porquê, acho que o sentido é dormir.