terça-feira, 30 de junho de 2015


UMA OBSERVAÇÃO SOBRE VERSOS

. Verso branco: é aquele que não rima com nenhum outro da estrofe, entretanto, como os demais, sua metrificação é perfeita; obedece rigorosamente as regras do metro. O verso branco também é conhecido como verso de rima branca.

Quando uma estrofe tem todos os seus versos com a mesma quantidade de sílabas poéticas, dizemos que é uma estrofe de versos regulares ou isométricos.

Vejamos a bela estrofe do poema “Maria”, do poeta Elói Firmino de Melo. Excelente exemplo de versos brancos:

Maria era tão bonita
Mas tinha um choro escondido;
Por ter plantado no peito
Um mar repleto de ausências.
Primeiro, o pai que se foi
deixando um fruto no ventre;
depois a mãe que partiu
quando o fruto fez-se luz.
  
Analisando, verificamos que a estrofe é composta de 8 (oito) versos. À estrofe de oito versos, chamamos de oitava. Observamos que todos os versos têm a mesma quantidade de sílabas poéticas, que, no caso, são sete. Além disso, não existe correspondência de rima entre os seus versos. Lembramos que na língua portuguesa contamos as sílabas poéticas a partir do início de cada verso até a sílaba tônica da sua última palavra. Lendo, recitando ou cantando, pronunciamos assim:

  1  / 2 / 3 / 4 /   5  /  6  / 7  /  8
1      Ma / ri / e / ra / tão / bo / ni / ta                 A
  1   / 2 /   3     /    4  /  5  /  6   /  7  /  8
2      Mas / ti / nhum / cho / res / con / di / do;     B
          1  /  2  /    3   /  4 /  5  / 6  /  7   /  8             
3      Por / ter / plan / ta / do / no / pei / to          C
          1  /   2   /  3 /   4  /  5 /    6   /  7   /   8
4      Um / mar / re / ple / to / deau / sên / cias.  D
          1 /   2  /  3  /  4  /   5   / 6  /  7
5      Pri / mei / ro / pai / que / se / foi                E
          1  /  2   /   3   /  4  / 5  /  6  /   7   /  8
6      dei / xan / dum / fru / to / no / ven / tre;     F
          1 /   2   / 3 /   4   /   5   /   6  /  7
7      de / pois / a / mãe / que / par / tiu              G
           1   /  2  /  3  /  4 /  5  /  6  /  7
8      quan / do / fru / to / fez / se / luz.               H

A reprodução acima serve para melhor entendimento daqueles que ainda não dominam a técnica da escansão/metrificação ou contagem de sílabas poéticas. Veja que na terceira sílaba do primeiro verso, há uma elisão, ou seja, a segunda letra “a” do nome “Maria” foi elidida ou suprimida pela letra “e” da palavra “era”, porque é assim que lemos normalmente: “Mariera tão bonita.”
O processo de elisão também aparece naturalmente na 3ª sílaba do 2º verso, na 6ª sílaba do 4º verso, na 3ª sílaba do 5º verso, na 3ª sílaba do 6º verso e na 2ª sílaba do 8º verso.

Observamos também que as acentuações mais fortes (ictos) do 1º ao 7º  versos, ocorrem na 2ª e 7ª sílabas, determinando o rítmo de toda a estrofe, inclusive do 8º verso, que tem seus ictos na 3ª e 7ª sílabas. Neste caso, recitando ou cantando é natural que o último verso obedeça o rítmo dos demais.

Chamamos de ictos as sílabas mais fortes do verso. São elas que determinam o seu rítmo (do verso) e, consequentemente, do poema. 

Versos isométricos ou regulares: característica trazida  pela poesia clássica, que preferencialmente produzia poemas com a mesma quantidade de sílabas poéticas nos versos, tornando-os isométricos ou regulares, ou seja, versos com a mesma metrificação, com a mesma medida. A isometria é uma das características basilares da nossa poesia popular nordestina, herdada da matriz poético-popular dos árabes. Na poesia moderna, porém, é constante o uso de versos livres ou irregulares, também chamados de heterométricos.

Versos irregulares ou heterométricos: característicos da poesia moderna, que chegou quebrando padrões, substituindo a metrificação  pelo versos livres, aqueles que não obedecem a mesma medida de sílabas poéticas.

. Verso livre: é o verso que não tem rima, nem obedece às regras da metrificação ou medida de estrofe (estrofação); tem unidade semântica, mas não obedece a formas fixas. É o sujeito poético quem determina-lhe o ritmo, de acordo com o fluxo sentimento-emocional de cada um.

Para exemplificar, reproduzimos abaixo, o excelente poema “Irmãos do Mangue”, de Alfredo Moraes.

IRMÃOS DO MANGUE

Abençoados são vocês

Que alimentam seus filhos

Com esperança

E à noite

Ensinam-lhes a dormir

Com fome.

 Analisando a estética:

        1 /   2    /  3  / 5 /  6   /   7  /  8  /  9

1      A / bem / co / a / dos / são / vo / cês          A

          1   / 2 / 3 /   4   /   5   /   6    / 7 /  8

2      Que / a / li / men / tam / seus / fi / lhos       B

           1   /  2  /  3 /  4   /  5

3      Com / es / pe / ran / ça                              C

         1 / 2 /  3  / 4

4      E / à / noi / te                                           D

         1  / 2 /    3   /   4    / 5 /  6   /  7        

5      En / si / nam / -lhes / a / dor / mir               E

           1   /  2  /  3

6      Com / Fo / me.                                          F

Observe que o poeta não se preocupa com metrificação ou rima, ele dá uma estética moderna ao seu poema, o que permite uma evolução rítmica de acordo com o que a imagem poética possa despertar no sentimento, na emoção do leitor.  Na poesia moderna também não existe obrigatoriedade quanto à quantidade de versos numa mesma estrofe.

Por Meca Moreno
pesquisador, poeta e compositor.