UMA OBSERVAÇÃO SOBRE VERSOS
. Verso branco: é aquele que não rima com nenhum outro da
estrofe, entretanto, como os demais, sua metrificação é perfeita; obedece
rigorosamente as regras do metro. O verso branco também é conhecido como verso
de rima branca.
Quando uma estrofe tem todos os seus versos com a mesma
quantidade de sílabas poéticas, dizemos que é uma estrofe de versos regulares
ou isométricos.
Vejamos a bela estrofe do poema “Maria”, do poeta Elói
Firmino de Melo. Excelente exemplo de versos brancos:
Maria era tão bonita
Mas tinha um choro escondido;
Por ter plantado no peito
Um mar repleto de ausências.
Primeiro, o pai que se foi
deixando um fruto no ventre;
depois a mãe que partiu
quando o fruto fez-se luz.
Analisando, verificamos que a estrofe é composta de 8 (oito)
versos. À estrofe de oito versos, chamamos de oitava. Observamos que todos os
versos têm a mesma quantidade de sílabas poéticas, que, no caso, são sete. Além
disso, não existe correspondência de rima entre os seus versos. Lembramos que
na língua portuguesa contamos as sílabas poéticas a partir do início de cada
verso até a sílaba tônica da sua última palavra. Lendo, recitando ou cantando,
pronunciamos assim:
1 / 2 / 3 / 4 / 5
/ 6 / 7
/ 8
1 Ma / ri / e /
ra / tão / bo / ni / ta A
1 / 2 /
3 / 4
/ 5 /
6 / 7
/ 8
2 Mas / ti / nhum
/ cho / res / con / di / do; B
1 /
2 / 3
/ 4 / 5 /
6 /
7 / 8
3 Por / ter /
plan / ta / do / no / pei / to C
1 /
2 / 3 /
4 / 5 /
6 / 7
/ 8
4 Um / mar / re /
ple / to / deau / sên / cias. D
1 / 2
/ 3 /
4 / 5 /
6 /
7
5 Pri / mei / ro
/ pai / que / se / foi E
1 /
2 / 3 / 4 /
5 /
6 / 7
/ 8
6 dei / xan / dum
/ fru / to / no / ven / tre; F
1 / 2 /
3 / 4
/ 5 /
6 / 7
7 de / pois / a /
mãe / que / par / tiu G
1 /
2 / 3
/ 4 / 5
/ 6 / 7
8 quan / do / fru
/ to / fez / se / luz. H
A reprodução acima serve para melhor entendimento daqueles
que ainda não dominam a técnica da escansão/metrificação ou contagem de sílabas
poéticas. Veja que na terceira sílaba do primeiro verso, há uma elisão, ou
seja, a segunda letra “a” do nome “Maria” foi elidida ou suprimida pela letra
“e” da palavra “era”, porque é assim que lemos normalmente: “Mariera tão
bonita.”
O processo de elisão também aparece naturalmente na 3ª
sílaba do 2º verso, na 6ª sílaba do 4º verso, na 3ª sílaba do 5º verso, na 3ª
sílaba do 6º verso e na 2ª sílaba do 8º verso.
Observamos também que as acentuações mais fortes (ictos) do
1º ao 7º versos, ocorrem na 2ª e 7ª
sílabas, determinando o rítmo de toda a estrofe, inclusive do 8º verso, que tem
seus ictos na 3ª e 7ª sílabas. Neste caso, recitando ou cantando é natural que
o último verso obedeça o rítmo dos demais.
Chamamos de ictos as sílabas mais fortes do verso. São elas
que determinam o seu rítmo (do verso) e, consequentemente, do poema.
Versos isométricos ou regulares: característica trazida pela poesia clássica, que preferencialmente
produzia poemas com a mesma quantidade de sílabas poéticas nos versos,
tornando-os isométricos ou regulares, ou seja, versos com a mesma metrificação,
com a mesma medida. A isometria é uma das características basilares da nossa
poesia popular nordestina, herdada da matriz poético-popular dos árabes. Na
poesia moderna, porém, é constante o uso de versos livres ou irregulares,
também chamados de heterométricos.
Versos irregulares ou heterométricos: característicos da
poesia moderna, que chegou quebrando padrões, substituindo a metrificação pelo versos livres, aqueles que não obedecem
a mesma medida de sílabas poéticas.
. Verso livre: é o verso que não tem rima, nem obedece às
regras da metrificação ou medida de estrofe (estrofação); tem unidade
semântica, mas não obedece a formas fixas. É o sujeito poético quem
determina-lhe o ritmo, de acordo com o fluxo sentimento-emocional de cada um.
Para exemplificar, reproduzimos abaixo, o excelente poema
“Irmãos do Mangue”, de Alfredo Moraes.
IRMÃOS DO MANGUE
Abençoados são vocês
Que alimentam seus filhos
Com esperança
E à noite
Ensinam-lhes a dormir
Com fome.
Analisando a estética:
1 / 2
/ 3 / 5 /
6 / 7
/ 8 / 9
1 A / bem / co /
a / dos / são / vo / cês A
1 / 2 / 3 /
4 / 5
/ 6 / 7 /
8
2 Que / a / li /
men / tam / seus / fi / lhos B
1
/ 2 / 3
/ 4
/ 5
3 Com / es / pe /
ran / ça C
1 / 2 / 3 / 4
4 E / à / noi /
te
D
1 / 2 /
3 / 4 /
5 / 6
/ 7
5 En / si / nam /
-lhes / a / dor / mir E
1 /
2 / 3
6 Com / Fo /
me.
F
Observe que o poeta não se preocupa com metrificação ou
rima, ele dá uma estética moderna ao seu poema, o que permite uma evolução
rítmica de acordo com o que a imagem poética possa despertar no sentimento, na
emoção do leitor. Na poesia moderna
também não existe obrigatoriedade quanto à quantidade de versos numa mesma
estrofe.
Por Meca Moreno
pesquisador, poeta e compositor.