quinta-feira, 25 de junho de 2015


Abismo

Fernando Pessoa

Olho o Tejo, e de tal arte 
Que me esquece olhar olhando, 
E súbito isto me bate 
De encontro ao devaneando — O que é sério, e correr? 
O que é está-lo eu a ver? 
Sinto de repente pouco, 
Vácuo, o momento, o lugar. 
Tudo de repente é oco — Mesmo o meu estar a pensar. 
Tudo — eu e o mundo em redor — Fica mais que exterior. 
Perde tudo o ser, ficar, 
E do pensar se me some. 
Fico sem poder ligar Ser, 
idéia, alma de nome 
A mim, à terra e aos céus... 
E súbito encontro Deus.