domingo, 11 de maio de 2014

ADÉLIA PRADO FALA DE POESIA


Quando eu falo de poesia, não é apenas da poesia que, eventualmente, nem sempre nós encontramos nos poemas. Falo do fenômeno poético de natureza epifânica, reveladora, do que confere uma obra de arte o estatuto de obra de arte pode ser musica, pode ser escultura, pintura, teatro, dança, cinema e literatura que é onde eu me coloco.

Tudo isso que foi nomeado, tudo aquilo que eu chamo de arte se justifica pela poesia que ela contém. Se não tiver poesia não é cinema, não é teatro, não é pintura, não é literatura. Não tendo, ela é tudo  menos obra de arte. A obra verdadeira é sempre nova. Não cansa o que traz de si mesma e apesar de si mesma, algo que não lhe pertence e nem pertence ao seu autor. Vem de um outro lugar, de uma instancia mais alta e através da única via possivel que é a via da beleza. Em arte quando eu falo “beleza” não estou falando de boniteza, mas de forma, a arte é forma, não é do bonito que nós estamos falando. A forma, a beleza, revela o ser das coisas. É muito estranho falar do ser das coisas, esse ser ele é inapriensível, eu não dou conta de pegar o “ser” de uma rosa, de um rio, de uma paisagem ou de um rosto, mas quando a arte ela faz isso, ela apreende a coisa mais alta que está atrás das coisas, ela nos revela, nos remete à beleza suprema se nós estivermos despidos do orgulho, da razão e da lógica.

Então para que esse fenômeno de revelação da arte possa acontecer temos que estar desnudos de todo o orgulho, a razão tem que abrir mão desse poder, a lógica tem que abrir mão desse poder para que a obra seja apreendida no único lugar para qual ela quer ir que é o centro da pessoa, aquilo que nós chamamos, o sentimento, os nossos afetos. 

Aquilo que nos constitui felizes ou infelizes, não é o que nós sabemos, mas é o que nós sentimos.Arte é para o sentimento, é para a sensibilidade, é para a inteligência do coração e não para a nossa inteligência lógica. 

São Tomás de Aquino que falou sobre tudo na sua Suma Teológica, ele disse: “Todo ser é belo”. Se alguma coisa é, ela é bela. E a arte revela. O ser e toda obra verdadeira é, necessáriamente, bela. Ela tem o jeito belo de mostrar até a feiura, é por isso que uma obra verdadeira retratando alguma coisa horrível e asquerosa pode nos mover a ter aquela obra na parede, ou ter em casa ou comprar um livro ou comprar o disco, porque a beleza do ser ela é irretocável seja de que forma esse ser se apresente. 

Porque a beleza na arte, sendo beleza na forma, ela não é assunto! A gente faz muito esse equívoco: “a arte é o assunto, o enredo da novela, o enredo do romance, aquilo que a poesia ta falando”… Não é isso que é a beleza! Não é o que está sendo dito, mas como está sendo ditoNão é a coisa, mas como ela se move através da mão do criador e é isso que nós chamamos forma. Não é o que está se mostrando, mas como se mostra. Se não fosse assim, guerras, execuções, moribundos, enchentes, todo tipo de catástofre não podia ser retratado pelo artista porque não é coisa bonita, não é coisa que se pode aparecer.

A arte fala de absolutamente tudo porque qualquer coisa é a casa da poesia. Ela não escolhe tema nem enredo, nem assunto. Ela pousa onde lhe apraz e é esse o momento que é apreendido pelo poeta ou pela cineasta, enfim.

(Adélia Prado, poetisa)