segunda-feira, 16 de março de 2015


Apple arruína de propósito seu iPhone para que você compre outro (ou a conspiração do consumismo)
A Apple converteu-se numa das empresas mais poderosas do mundo, símbolo da evangelização tecnológica do planeta. Como se fosse parte de uma religião secular, a cada ano celebram seu santo: o anúncio mundialmente esperado do novo iPhone. Nesta dinâmica o deus é o consumo -ou o gadget como sacramento da divindade-. Para além da hipérbole, estudos mostram que os produtos da Apple e suas campanhas de marketing geram as mesmas ativações neurais que a devoção religiosa.


Apple arruína de propósito seu iPhone para que compre outro (ou a conspiração do consumismo)
Como muitas religiões, a Apple não é de todo sincera com seus fiéis e manipula seu comportamento para seguir arrecadando oblações e sacrifícios. Uma das formas evidentes que faz isto é com o brilho intenso de seus produtos desenhados como radiantes monólitos, panacéias minimalistas, conservando a potência do Tao, ou jogando com conceitos orientais do vazio.

Produtos que prometem sempre ter novas funcionalidades, as quais vão dosando com conta-gotas, e no frenesi geek de não ficar para trás, de não deixar de ter um aparelho que tire fotos tão boas quanto as que têm seus amigos, ou todo mundo (porque pensamos que todo mundo deve de ter um) nos resulta imperativo comprar o novo iPhone, pese a que o que temos ainda funciona muito bem.

Lógico, a Apple não é a única corporação que cria um ambiente psicossocial que fomenta as vendas, toda nossa cultura alimenta este ambiente que pulula como uma capa memética. Nossa cultura atualprecisa desta atmosfera para que a economia possa seguir crescendo.

O que a Apple levou um pouco mais longe foi a obsolescência de seus produtos, utilizando meios mais sofisticados. Desenhar iPhones de má qualidade que estraguem muito rapidamente seria algo que poderia à longo prazo gerar a fuga de clientes, mas obstruir o funcionamento destes aparelhos de uma forma mais sutil com o software é uma técnica que parece mais inteligente e efetiva.
Apple arruína de propósito seu iPhone para que compre outro (ou a conspiração do consumismo)
Ao final ocorre uma espécie de impulso às vendas que não faz com que o consumidor vincule uma sensação de desgosto com a marca.

Os produtos da Apple são anunciados em ciclos regulares. Um ano após comprar um iPhone, o usuário começa a sentir que o aparelho já é inadequado -já não será o mais bacana-, mas também começará a ter problemas de software. Segundo Sam Biddle, no Gawker:

- "Os produtos de Apple não apenas têm vida útil curta, em realidade são concebidos para alentar, exata e convenientemente, quando os novos modelos estejam disponíveis. Isto é o que se conhece como “obsolescencia planeada”".

Catherine Rampell diz no New York Times que pensou que se tratava de sua imaginação, quando na mesma época do lançamento o iPhone 5S e o 5C, em setembro, notou que seu velho iPhone 4 ficou super lento, uma verdadeira carroça:
"A bateria começou a acabar mais rápido, também. Mas o estranho é que isso aconteceu com muitas pessoas, que, como eu, defendem os produtos da Apple até a morte. Quando procurei um analista de tecnologia, ele me disse que o sistema operacional (iOS7) que estava sendo promovido tornava os modelos mais antigos insuportavelmente lentos. As baterias da Apple, que têm um número finito de cargas, estavam sendo drenadas pelo novo software. De modo que podia pagar 79 dólares a Apple para substituir a bateria ou talvez gastar outros 20 dólares e comprar um iPhone 5C. Ao que parece a Apple estava me mandando uma mensagem não tão sutil para que me atualizasse."
Estes exemplos de atualização forçada com percalços pré-incluídos abundam. Quando Apple lançou o iOS4, imediatamente arruinou o iPhone 3G que tinha vendido milhões de unidades em seu primeiro fim de semana. Usuários descreviam uma latência terrível quando tentavam usar seu teclado: a primeira letra que digitavam ficava congelada enquanto seguiam escrevendo, tornando um pesadelo a digitação dos mais elementares textos. O novo sistema operacional também incrementou enormemente o nível de programas que travavam do nada. Isto ocorreu exatamente quando a Apple anunciou seu iPhone 4.

O seguinte gráfico do New York Times mostra picos na busca de "iPhone slow" no Google que coincidem com os eventos de lançamento de novos produtos da Apple. É como se estivessem enviando um sussurro subliminar através do software, empurrando seus clientes a comprar o novo produto -sempre o mais inovador e imprescindível da história-.
Apple arruína de propósito seu iPhone para que compre outro (ou a conspiração do consumismo)
Evidentemente uma forma de combater estas pequenas e incisivas manipulações é não atualizar os programas a cada vez que se apresenta esta "oportunidade", resistir aos supostos benefícios que outorga o novo sistema operacional. Ainda que isto só pode ser feito até certo ponto, já que logo se tornam incompatíveis com todos os aplicativos. De modo que esta resistência é pouco significativa.

Análises estatísticas mostram que outras marcas não utilizam estas táticas em sincronia com as estréias de novos produtos. Não que isso faça muita diferença quando uma pessoa quer ter um iPhone. Dizem que a religião é o ópio do povo, o mesmo podemos dizer da tecnologia quando nos provoca respostas automatizadas -e não críticas como um dia advertiu Marshall McLuhan- e nos pastoreiam com suas vitrines e suas hipnóticas telas tácteis.
Fonte: Black Bag.