Omar Ibn Ibrahim El Khayyam nasceu em Nichapur, Pérsia, a atual República Islâmica do Irã, em 1040 e morreu nessa mesma cidade em 1120.
Khayyam significa, em persa, fabricante de tendas; ele adotou esse nome em memória do pai que era fabricante de tendas.
Além de poeta Omar Khayyam foi matemático e astrônomo. Dos seus livros de ciência chegaram até nós o Tratado de Algumas Dificuldades das Definições de Euclides e as Demonstrações dos problemas de Álgebra. Em 1074, diretor do Observatório de Merv, fez a reforma do calendário muçulmano.
Rubaiyat é o plural da palavra persa rubai, e quer dizer quadras, quartetos. No rubai, o primeiro, o segundo e o quarto versos são rimados, o terceiro é branco.
Nesta "tradução", não mantivemos a rima, nem a métrica "originais".
Os Rubaiyat de Omar Khayyamversão em português de Afredo Braga
1
Nunca murmurei uma prece,
nem escondi os meus pecados.
Ignoro se existe uma Justiça, ou Misericórdia;
mas não desespero: sou um homem sincero.
2
O que vale mais? Meditar numa taverna,
ou prosternado na mesquita implorar o Céu?
Não sei se temos um Senhor,
nem que destino me reservou.
3
Olha com indulgência aqueles que se embriagam;
os teus defeitos não são menores.
Se queres paz e serenidade, lembra-te
da dor de tantos outros, e te julgarás feliz.
4
Que o teu saber não humilhe o teu próximo.
Cuidado, não deixes que a ira te domine.
Se esperas a paz, sorri ao destino que te fere;
não firas ninguém.
5
Busca a felicidade agora, não sabes de amanhã.
Apanha um grande copo cheio de vinho,
senta-te ao luar, e pensa:
Talvez amanhã a lua me procure em vão.
6
Não procures muitos amigos, nem busques prolongar
a simpatia que alguém te inspirou;
antes de apertares a mão que te estendem,
considera se um dia ela não se erguerá contra ti.
7
Alcorão, o livro supremo, pode ser lido às vezes,
mas ninguém se deleita sempre em suas páginas.
No copo de vinho está gravado um texto de adorável
sabedoria que a boca lê, a cada vez com mais delícia.
8
Há muito tempo, esta ânfora foi um amante,
como eu: sofria com a indiferença de uma mulher;
a asa curva no gargalo é o braço que enlaçava
os ombros lisos da bem amada.
9
Que pobre o coração que não sabe amar
e não conhece o delírio da paixão.
Se não amas, que sol pode te aquecer,
ou que lua te consolar?
10
Hoje os meus anos reflorescem.
Quero o vinho que me dá calor.
Dizes que é amargo? Vinho!
Que seja amargo, como a vida.
11
É inútil a tua aflição;
nada podes sobre o teu destino.
Se és prudente, toma o que tens à mão.
Amanhã... que sabes do amanhã?
12
Além da Terra, pelo Infinito,
procurei, em vão, o Céu e o Inferno.
Depois uma voz me disse:
Céu e Inferno estão em ti.
13
Não vamos falar agora, dá-me vinho. Nesta noite
a tua boca é a mais linda rosa, e me basta.
Dá-me vinho, e que seja vermelho como os teus lábios;
o meu remorso será leve como os teus cabelos.
14
Tenho igual desprezo por libertinos ou devotos.
Quem irá dizer se terão o Céu ou o Inferno?
Conheces alguém que visitou esses lugares?
E ainda queres encher o mar com pedras?
15
Na sombra azulada do jardim
o ar da primavera renova as rosas
e ilumina os meigos olhos da minha amada.
Ontem, amanhã... é tão grande o prazer agora.
16
Bebo, mas não sei quem te fez, ó grande ânfora;
podes conter três medidas de vinho, mas um dia
a Morte te quebrará. Numa outra hora perguntarei
como foste criada, se foste feliz, ou por que serás pó.
17
Como o rio, ou como o vento,
vão passando os dias.
Há dois dias que me são indiferentes:
O que foi ontem, o que virá amanhã.
18
Não me lembro do dia em que nasci;
não sei em que dia morrerei.
Vem, minha doce amiga, vamos beber deste copo
e esquecer a nossa incurável ignorância.
19
Khayyam, enquanto erguias a tenda da Sabedoria,
caíste na fogueira da dor; agora és cinzas.
O Anjo Azrail cortou as cordas da tua tenda
e a Morte vendeu-a por uma ninharia.
20
É inútil te afligires por teres pecado;
também é inútil a tua contrição:
além da morte estará o Nada,
ou a Misericórdia.
21
Cristãos, judeus, muçulmanos, rezam,
com medo do inferno; mas se realmente soubessem
dos segredos de Deus, não iam plantar
as mesquinhas sementes do medo e da súplica.
22
Na estação das rosas procuro um campo florido
e sento-me à sombra com uma linda mulher;
não cuido da minha salvação: tomo o vinho
que ela me oferece; senão, o que valeria eu?
23
O vasto mundo: um grão de areia no espaço.
A ciência dos homens: palavras. Os povos,
os animais, as flores dos sete climas: sombras.
O profundo resultado da tua meditação: nada.
24
Eu estava com sono e a Sabedoria me disse:
A rosa da felicidade não se abre para quem dorme;
por quê te entregares a esse irmão da morte?
Bebe vinho; tens tantos séculos para dormir.
25
Admito que já resolveste o enigma da Criação;
e o teu destino? Aceito que desvendaste a Verdade;
e o teu destino? Está bem, viveste cem anos felizes
e ainda tens muitos para viver; e o teu destino?
26
Ninguém desvendará o Mistério. Nunca saberemos
o que se oculta por trás das aparências.
As nossas moradas são provisórias, menos aquela última.
Não vamos falar, toma o teu vinho.
27
Olha, um dia a alma deixará o teu corpo
e ficarás por trás do véu, entre o Universo
e o desconhecido. Enquanto não chega a hora,
procura ser feliz. Para onde irás depois?
28
Os sábios mais ilustres caminharam nas trevas da ignorância,
e eram os luminares do seu tempo.
O que fizeram? Balbuciaram algumas frases confusas,
e depois adormeceram, cansados.
29
A vida é um jogo monótono que dá dois prêmios:
A Dor e a Morte.
Feliz a criança que expirou ao nascer;
mais feliz quem não veio ao mundo.
30
Na feira que atravessas não procures amigos
ou abrigo seguro. Aceita a dor que não tem remédio
e sorri ao infortúnio; não esperes que te sorriam:
Seria tempo perdido.
31
O mundo gira, distraído dos cálculos dos sábios.
Renuncia à vaidade de contar os astros
e lembra-te: vais morrer, não sonharás mais,
e os vermes da terra cuidarão da tua carcaça.
32
Aquele que criou o Universo e as estrelas
exagerou quando inventou a dor.
Lábios vermelhos como rubis, cabelos perfumados,
quantos sois no mundo?
33
Velho mundo sob o passo do cavalo branco e negro
dos dias e das noites, és o palácio triste onde mil Djenchids
sonharam com a glória e mil Bahrams com o amor,
e a cada manhã acordavam chorando.
34
Sono sobre a terra, sono debaixo da terra.
Sobre a terra, sob a terra: homens deitados.
Nada em toda a parte. Deserto.
Homens chegam, outros partem.
35
Enquanto o rouxinol lhe entoava um hino,
murchou a bela rosa por causa do vento sul.
Lamentaremos por ela ou por nós?
Quando morrermos, outra rosa desabrochará.
36
Se não tiveste a recompensa que merecias,
não te importes, não esperes nada;
já estava tudo nas páginas daquele livro
que o vento da eternidade vai virando ao acaso.
37
Quando me falam das delícias que na outra vida
os eleitos irão gozar, respondo:
Confio no vinho, não em promessas;
o som dos tambores só é belo ao longe.
38
Bebe vinho, ele te devolverá a mocidade,
a divina estação das rosas, da vida eterna,
dos amigos sinceros. Bebe, e desfruta
o instante fugidio que é a tua vida.
39
Bebe o teu vinho. Vais dormir muito tempo
debaixo da terra, sem amigos, sem mulheres.
Confio-te um grande segredo:
As tulipas murchas não reflorescem mais.
40
Baixinho a argila dizia
ao oleiro que a torneava:
Já fui como tu, não te esqueças,
não me maltrates.
41
Oleiro, vai com cuidado, trata bem a argila
com que Adão foi conformado.
Vejo no torno que moves a mão de Feridun,
o coração de Khosru... o que fizeste?
42
A tulipa rubra nasce no campo que foi regado
pelo sangue de um altivo rei.
A violeta brota do sinal de beleza que palpitava
na face de uma doce adolescente.
43
Há tanto tempo giram os astros no espaço;
há tanto tempo se revezam os dias e as noites.
Anda de leve na terra, talvez aonde vais pisar
ainda estejam os olhos meigos de um adolescente.
44
As raízes do narciso que se inclina suave,
bebem a vida nos lábios mortos de uma mulher.
Pisa leve a relva macia, ela nasce das cinzas
de rostos tão belos quanto as tulipas.
45
O oleiro ia modelando as alças e os contornos
de uma ânfora. O barro que ele conformava
era feito de crânios de sultões
e mãos de mendigos.
46
O bem e o mal se entrelaçam no mundo.
Não agradeças ao Céu
pela sorte que te coube, nem o acuses:
Ele é indiferente.
47
Se em teu coração cultivaste a rosa do amor,
quer tenhas procurado ouvir a voz de Deus,
ou esgotado a taça do prazer,
a tua vida não foi em vão.
48
Vai com prudência, viajante.
A estrada é perigosa, a adaga do destino
é acerada. Não colhas as amêndoas doces,
são venenosas.
49
Um jardim florido, uma bela mulher, e vinho.
Eis o meu prazer e a minha amargura,
o meu paraíso e o meu inferno.
Mas quem sabe o que é Céu e o que é Inferno?
50
Com a tua face como a rosa, com o teu rosto belo,
como o de um ídolo chinês, não sabes
o que o teu olhar faz do rei da Babilônia?
Um bispo do xadrez, que foge da rainha.
51
A vida passa. O que resta de Bagdad e Balk?
A aragem mais leve é fatal à rosa já desabrochada.
Bebe o vinho, e contempla a lua:
lembra-te das civilizações que ela já viu morrer.
52
Ouve o que a Sabedoria diz todos os dias:
A vida é breve.
Não te esqueças, não és como certas plantas
que rebrotam depois de cortadas.
53
Mestres e sábios morreram
sem se entenderem sobre o Ser e o Não Ser.
Nós, ignorantes, vamos apanhar as tenras uvas;
que os grandes homens se regalem com as passas.
54
O meu nascimento não aumentou o Universo,
nem a minha morte lhe fanará o esplendor.
Ninguém me dirá por quê vim ao mundo,
ou porquê um dia irei embora.
55
Iremos nos perder na estrada do amor,
e o destino nos pisará, indiferente.
Vem, menina, taça encantada, dá-me de beber
em teus lábios, antes que eu me torne pó.
56
Só de nome conhecemos a felicidade.
O nosso melhor amigo é o vinho;
afaga a única que te é fiel: a ânfora,
cheia do sangue das vinhas.
57
Não te inquietes, a vida é como um suspiro.
As cinzas de Djenchid e de Kai-Kobad volteiam
na poeira vermelha que tolda o ar.
O Universo é uma miragem, a vida é um sonho.
58
Senta-te e bebe, felicidade que Mahmud não teve.
Escuta os sussuros dos amantes, são os Salmos de Davi.
Não te importes com o passado, não sondes o futuro,
não percas este instante: Eis a paz.
59
Pessoas presunçosas e obtusas inventaram
diferenças entre o corpo e a alma.
Sei apenas que o vinho apaga as angústias
que nos atormentam, e nos devolve a calma.
60
Que enigma os astros que andam pelo espaço.
Agarra-te à corda da sabedoria, Khayyam.
Presta atenção à vertigem
que faz cair perto de ti os teus companheiros.
61
Não temo a morte. Prefiro esse ato inelutável
ao outro que me foi imposto no dia em que nasci.
O que é a vida, afinal? Um bem que me confiaram
sem me consultarem e que entregarei com indiferença.
62
Estou velho, e a paixão que me inspiraste
vai me levar ao túmulo: não cesso de encher a taça.
Esta paixão tem razão contra mim:
o tempo estraga a minha bela rosa.
63
Podes me perseguir, miragem de outra ventura,
podes modular a tua voz, mas só escuto aquela
que já me encantou. Dizem-me: Deus te perdoará.
Recuso o perdão que não pedi.
64
Um pouco de pão, um pouco de água,
a sombra de uma árvore, e o teu olhar;
nenhum sultão é mais feliz do que eu,
e nenhum mendigo é mais triste.
65
Tantos carinhos, tantas delícias,
tanta ternura no começo do nosso amor.
Mas agora o teu prazer
é dilacerar o meu coração. Por quê?
66
Vinho, bálsamo para o meu coração doente,
vinho da cor das rosas, vinho perfumado
para calar a minha dor. Vinho, e o teu alaúde
de cordas de seda, minha amada.
67
Falam de um Criador...
e Ele deu forma às criaturas para destruí-las?
Por que são feias? Por que são belas?
Quem é o responsável? Não compreendo nada.
68
Todos pretendem andar pelo Caminho do Saber.
Uns o procuram, outros afirmam tê-lo encontrado.
Um dia uma grande voz dirá: Não há caminho,
nem atalho.
69
Brinda ao resplendor da aurora, e dedica
o vinho vermelho desta taça, em forma de chama,
ou de tulipa, ao sorriso meigo de algum adolescente.
Bebe, e esquece que o punho da dor te prostrará.
70
Vinho! Que palpite em minhas veias,
que inunde a minha cabeça. Silêncio!
Tudo é mentira. Copos! Depressa!
Envelheci muito.
(...)