
No meu coração ha uma paz de angustia, e o meu sossego é feito de resignação.
Passa tudo isso, e nada de tudo isso me diz nada, tudo é alheio ao meu sentir.
O cansaço de todas as ilusões e de tudo o que há nas ilusões - a perda d'ellas, a inutilidade de as ter, o antecansaço de ter que as ter para perdê-las, a mágoa de as ter tido, a vergonha intelectual de as ter tido sabendo que teriam tal fim.
A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência. Há inteligências inconscientes... brilhos do espírito, correntos do entendimento, vozes [...] e filosofias que tem o mesmo entendimento que os reflexos corpóreos, que a gesão que o fígado e os rins fazem de suas secreções.
Na realidade, o fim do mundo, como o principio, é o nosso conceito do mundo. É em nós que as paisagens tem paisagem. Por isso, se as imagino, as crio; se as crio, são; se são, vejo-as como ás outras. Para que viajar? Em Madrid, em Berlim, na Persia, na China, nos Polos ambos, onde estaria eu senão em mim mesmo, e no tipo e gênero das minhas sensações?
A vida é o que fazemos d'ella. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.
Viagem nunca feita.
E assim escondo-me atrás da porta, para que a realidade, quando entra, me não veja. Escondo-me debaixo da mesa, d'onde subitamente, prego sustos à possibilidade. De modo que desligo de mim como aos dois braços de um amplexo, os dois grandes tédios que me apertam - o tédio de poder viver só o Real, e o tédio de poder conceber só o Possível.
Triunfo assim de toda a realidade. Castelos de areia, os meus triunfos?... De que coisa essencialmente divina são os castelos que não são de areia?
Como sabeis que, viajando assim, não me segui [?] obscuramente?
Infantil e absurdo, revivo a minha meninice, e brinco com as idéias das coisas como com soldados de chumbo com os quais eu, quando menino, fazia coisas que embirravam com a idéia de soldado.
Ébrio de erros perco-me por momentos de sentir-me viver.
Nunca chegar implica não chegar nunca.
O sagrado instinto de não ter teorias...
A mais vil de todas as necessidades - a da consciência, a da confissão. É a necessidade da alma de ser exterior.
Confessa, sim: mas confessa o que não sentes. Livra a tua alma, sim, do peso dos seus segredos, dizendo-os; mas ainda bem que o segredo que dizes, nunca o tinhas dito. Mente a ti próprio antes de dizeres essa verdade. Exprimir-se é sempre errar. Sê consciente: exprimir seja, para ti, mentir.
O mundo exterior existe como um ator num palco: está lá, mas é outra coisa.
A arte é um esquivar-se a agir, ou a viver. A arte é a expressão intelectual da emoção, distinta da vida, que é a expressão volitiva da emoção. O que não temos, ou não ousamos, ou não conseguimos, podemos possui-lo em sonho, e é com esse sonho que fazemos arte.
Outras vezes a emoção é a tal ponto forte que, embora reduzida a ação, a ação que se reduziu, não a satisfaz. Com a emoção que sobra, que ficou inexpressa na vida, se foma a obra de arte.
Assim, há dois tipos de artista: o que exprime o que não tem, e o que exprime o que sobrou do que teve.
Já que não podemos extrair beleza da vida, busquemos ao menos extrair beleza de não poder extrair beleza da vida. Façamos da nossa falência uma vitória, uma coisa positiva e erguida, com colunas, majestade e aquiescência espiritual.
Se a vida [não] nos deu mais do que uma cela de reclusão, façamos por ornamentá-la, ainda que mais não seja, com as sombras de nossos sonhos, desenhos e cores/mistas/esculpindo o nosso esquecimento sob a parada exterioridade dos muros.
Como todo o sonhador, senti sempre que o meu mister era criar. Como nunca soube fazer um esforço ou ativar uma intenção, criar coincidiu-me sempre com sonhar, querer ou desejar, e fazer gestos com sonhar os gestos que desejaria poder fazer.
A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.