segunda-feira, 28 de dezembro de 2009


A CRIANÇA QUE FUI CHORA NA ESTRADA

DEIXEI-A ALI QUANDO VIM SER QUEM SOU,

MAS HOJE, VENDO O QUE SOU É NADA,

QUERO IR BUSCAR QUEM FUI ONDE FICOU.

AH, COMO HEI DE ENCONTRÁ-LO?

QUEM ERROU A VIDA TEM A REGRESSÃO ERRADA.

JÁ NÃO SEI DE ONDE VIM NEM ONDE ESTOU.

DE O NÃO SABER, MINHA ALMA ESTÁ PARADA.

SE AO MENOS ATINGIR NESTE LUGAR UM ALTO MONTE,

DE ONDE POSSA ENFIM O QUE ESQUECI,

OLHANDO-O, RELEMBRAR,

NA AUSÊNCIA,

AO MENOS,

SABEREI DE MIM,

E, AO VER-ME TAL QUAL FUI AO LONGE,

ACHAR EM MIM UM POUCO DE QUANDO ERA ASSIM.


DIA A DIA MUDAMOS PARA QUEM AMANHÃ NÃO VEREMOS.

HORA A HORA NOSSO DIVERSO E SUCESSIVO ALGUÉM DESCE UMA VASTA ESCADARIA AGORA.

E uma multidão que desce, sem

Que um saiba de outros.

Vejo-os meus e fora.

Ah, que horrorosa semelhança têm!

São um múltiplo mesmo que se ignora.

Olho-os.

Nenhum sou eu, a todos sendo.

E a multidão engrossa, alheia a ver-me,

Sem que eu perceba de onde vai crescendo.

Sinto-os a todos dentro em mim mover-me,

E, inúmero, prolixo, vou descendo

Até passar por todos e perder-me.


Meu Deus! Meu Deus!

Quem sou, que desconheço

O que sinto que sou?

Quem quero ser Mora, distante, onde meu ser esqueço,

Parte, remoto, para me não ter.

UM CONSELHO A MIM MESMO


Ouve, então, velho Patrul: Tu mesmo, indulgente distraído, que já por eras tens sido traído, hipnotizado e enganado pelas aparências. Estás ciente disto? Estás? Agora, neste mesmo instante, enquanto estás sob o feitiço da percepção equivocada tens que prestar atenção. Não permita deixar-te levar por esta vida falsa e vazia. Tua mente está apenas girando por aí, levando em frente vários projetos inúteis: Um desperdício! Desiste! Pensar sobre as centenas de planos que desejas realizar, sem tempo suficiente para terminá-los, só aumenta o peso em tua mente. Estás completamente distraído por todos estes projetos que nunca chegam a um final, apenas permanecem aumentando, como círculos na água. Não sê tolo: por agora, apenas sente direito. Ouvindo ensinamentos - já ouvistes centenas de ensinamentos, mas quando não compreendestes o significado de um deles sequer, qual a finalidade de ouvir mais? Refletindo sobre ensinamentos - mesmo apesar de tê-los ouvido, se eles não surgem à mente quando necessários, qual é a finalidade de mais reflexão? Nenhuma. Meditando de acordo com os ensinamentos - se tua prática de meditação ainda não está curando os estados obscurecidos da mente - esqueça-a! Tu contastes quantos mantras já fizestes - mas não estás realizando a visualização "kyerim". Podes conseguir as formas das deidades boas e claras - mas não estás colocando um fim à sujeito e objeto. Podes domar o que parecem ser espíritos do mal e fantasmas, mas não estás treinando o fluxo da tua própria mente. Tuas belas quatro sessões de prática de sadhana, tão meticulosamente distribuídas - Esqueça-as. Quando estás de bom humor, tua prática parece ter muita clareza - mas simplesmente não consegues relaxar nela. Quando estás deprimido, tua prática é estável o suficiente, mas não há brilho algum nela. Quanto à atenção, tentas forçar a ti mesmo num estado semelhante a Rigpa, como se enfiando um dardo no alvo! Quando posições ióguicas e olhares mantém tua mente estável apenas por mantê-la amarrada - Esqueça-as! Dando palestras grandilhoqüentes, não faz nenhum bem ao teu fluxo mental. O caminho do racionalismo analítico é preciso e afiado... Mas é apenas mais ilusão, perfeita como o estrume, sem utilidade alguma. As instruções orais são muito profundas mas apenas se as colocares em prática. Lendo várias vezes estes textos do dharma que apenas ocupam tua mente e fazem teus olhos arder - Esqueça-os! Tu bates teu pequeno "damaru" - ting, ting - E a platéia acha muito bonitinho o que ouve.Estás recitando palavras sobre oferecer teu corpo, mas ainda não parastes de considerá-lo muito querido. Fazes teus pequenos címbalos soarem cling, cling - Sem manter a finalidade definitiva em mente. Todo este equipamento de prática do dharma, que parece tão atraente - Esqueça-o! Agora mesmo, aqueles estudantes todos estão estudando muito... Mas ao final, não conseguem se manter. Hoje, parecem entender, mas pouco depois, não sobra nada. Mesmo se um deles consegue aprender um pouco, raramente aplica seu "aprendizado" a sua própria conduta. Estas disciplinas elegantes do dharma - Esqueça-as! Este ano ele realmente gosta de você, no outro ano não é mais assim. A princípio, ele parece modesto, então ele fica pomposo e metido. E quanto mais tu o ajudas e pajeias, mais distante ele fica. Estes caros amigos que mostram sorrisos no começo - Esqueça-os! Seu sorriso parecia tão cheio de alegria... Mas quem sabe se seria realmente o caso? Uma vez, é puro prazer, então são nove meses de aflição mental. Pode ser ótimo por um mês, mas cedo ou tarde, surgem problemas. As pessoas fazem provocações, tua mente em conflito -Tua namorada - Esqueça-a! Estas infindáveis rodas de conversação são apenas apego e aversão -É apenas mais estrume... Não serve para nada. Na hora parece maravilhosamente divertido, mas na verdade estás apenas espalhando histórias sobre os erros de outras pessoas. Tua platéia parece estar ouvido atenta, mas então ficam com vergonha de ti. Fala inútil que apenas dá sede - Esqueça-a! Dar ensinamentos sobre textos de meditação sem tu mesmo teres atingido a experiência de fato através da prática, é como recitar um manual de dança em voz alta e pensar que é o mesmo que dançar de fato. As pessoas podem estar te ouvindo como devoção, mas simplesmente não é a coisa de fato. Cedo ou tarde, quando tuas próprias ações contradizerem os ensinamentos, sentirás vergonha. Apenas jogando palavras pela boca, dando explicações do dharma que parecem tão eloqüentes - Esqueça-as! Quando tu não tens um texto, anseias por ele... Então quando finalmente o consegue, dificilmente o examinas de fato. O número de páginas parece adequadamente pequeno, mas é um pouco difícil encontrar um tempo para copiá-las todas. Assim... Mesmo que tu copiastes todos os textos de dharma do mundo, não estarias satisfeito. Copiar textos é uma perda de tempo (A não ser que sejas pago). Então, esqueça isto! Hoje, estão felizes como ostras - Amanhã, estão furiosas. Com todos seus humores negros e brancos, as pessoas nunca estão satisfeitas. Mesmo se são realmente boas, podem não aparecer quando tu realmente precisa delas, te desapontando ainda mais. Toda essa polidez, mantendo um tratamento cortês - Esqueça-a! O trabalho mundano e religioso é a providência dos homens de bem. Patrul, velho garoto - isto não é para ti. Não percebestes o que sempre acontece? Como um velho touro, assim que tu te dás o trabalho de aborrecê-lo pelos seus serviços, parece não ter nenhum desejo restante (Exceto voltar a dormir). Sê assim - sem desejos. Apenas durma, coma, mije, cague. Não há nada além disso a ser feito na vida. Não te envolvas com outras coisas: elas não são o ponto. Mantenha-te discreto! Durma. No universo tríplice quando és menor que teu companheiro deves tomar o assento mais baixo. Caso aconteça de seres o superior ali, não te tornes arrogante. Não há necessidade alguma de ter amigos íntimos... Está melhor apenas manter-se consigo mesmo. Quando não tens nenhuma obrigação religiosa ou mundana, não permaneça ansiando adquirir alguma! Se abandonares tudo - tudo, tudo... Este é o ponto!

(Patrul Rinpoche (1808-1887) foi o mestre Dzogchen errante da virada do século, amado por seu povo. Ele era famoso como o vagabundo iluminado.)

SEDE DO INFINITO


Tenho sede...
Mas tudo que a normose me oferece para beber
é um copo d´água salgada, com o propósito
de deixar-me ainda mais sedento.
Somente o Infinito
pode saciar minha infinta sede de Infinito.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

ALUCINAÇÃO



Adaptei essa letra de uma canção de Belchior chamada "Alucinação", para torná-la pessoal.

Eu não estou interessado
Em nenhuma teoria
Em nenhuma fantasia
Em nenhuma religião
Em nenhum dogma
Em nenhuma crença

Nem no algo mais
Nem em tinta pro meu rosto
Para tornar minha máscara mais satisfatória
Para agradar a multidão

Não estou interessado em
Em política, tv
Ou oba oba, ou o que dizem os jornais
Para acompanhar bocejos
Sonhos matinais...

Eu não estou interessado
Em nenhuma teoria
Nem nessas coisas do oriente
Romances astrais

A minha alucinação
É suportar o dia-a-dia
E meu delírio
É a experiência
Com coisas reais...

Um preto, um pobre
Uma estudante
Uma mulher sozinha
Blue jeans e motocicletas
Pessoas cinzas normais

Garotas dentro da noite
Revólver: cheira cachorro
Os humilhados do parque
Com os seus jornais...
Carneiros, mesa, trabalho
Meu corpo que cai
Do oitavo andar
E a solidão das pessoas
Dessas capitais

A violência da noite
O movimento do tráfego

Me interesso pelos meus filhos
Um é Policial Civil
Cumprindo o seu duro dever
E defendendo o seu amor
E nossa vida

Cumprindo o seu duro dever
E defendendo o seu amor
E nossa vida...

Mas eu não estou interessado
Em nenhuma teoria
Em nenhuma fantasia
Nenhuma religião
Nenhum dogma
Nenhuma crença
Nem no algo mais

Longe o profeta do terror
Longe o pecado e sua culpa
O medo
Que os religiosos anunciam

Amar e mudar as coisas

Me interessa mais
Amar e mudar as coisas

Amar e mudar as coisas

Me interessa mais...
Combater a ignorância
E a hipocrisia

Uma estudante
Uma mulher sozinha
Blue jeans e motocicletas
Pessoas cinzas normais
Garotas dentro da noite

Políticos: cheiram a cachorros sujos
Hipócritas: que jogam pedras e escondem as mãos
Ou dinheiros na cueca

Amar e mudar as coisas
Me interessa mais
Mudara mim mesmo











segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

TRIBALISTAS

Não quero ter certeza
Não quero ter juízo nem religião
já não entro em questão
Não entro em doutrina, em fofoca ou discussão

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Tríade, trinômio, trindade, trímero, triângulo, trio
Trinca, três, terno, triplo, tríplice, tripé, tribo

Os tribalistas já não querem ter razão
Não querem ter certeza
Não querem ter juízo nem religião

Os tribalistas já não entram em questão
Não entram em doutrina, em fofoca ou discussão
Chegou o tribalismo no pilar da construção

Pé em Deus e na Taba
Pé em Deus e Fé na Taba

Um dia já foi chimpanzé
Agora eu ando sob um pé
Dois homens e uma mulher
Arnaldo, Carlinhos e Zé

Os tribalistas saudosistas do futuro
Abusam do colírio e dos óculos escuros
São turistas assim como você e seu vizinho
Dentro da placenta do planeta azulzinho

Pé em Deus e Fé na Taba
Pé em Deus e Fé na Taba

Um dia já foi chimpanzé
Agora eu ando sob um pé
Dois homens e uma mulher
Arnaldo, Carlinhos e Zé
Dois homens e uma mulher
Arnaldo, Carlinhos e Zé
Um dia já foi chimpanzé
Agora eu ando sob um pé

Pé em Deus e Fé na Taba
Pé em Deus e Fé na Taba

O tribalismo é um anti-movimento
Que vai se desintegrar no próximo momento
O tribalismo pode ser e deve ser o que você quiser
Não tem que fazer nada basta ser o que se é
Chegou o tribalismo, mão no teto e chão no pé

(Tribalistas Música: Tribalistas Álbum: Outros...)

domingo, 20 de dezembro de 2009

Don Juan


"Quanto mais peso as pessoas acumulam, mais importantes elas se sentem, e menos ações elas executam."

CASTANEDA - Eu cumpro minhas tarefas tão fluidamente que elas não me afetam em termos de auto-importância, mas sim em termos de como vivo minha vida. Conheço dúzias de "professores" que se colocam numa torre de marfim de conhecimento: eles sabem tudo, e comandam o espetáculo para as galerias; quanto mais aclamados, ou quanto mais reconhecimento eles recebem, mais auto-importantes se sentem, mas esta mesma auto-importância se torna peso, a cruz a ser carregada, e eles como pessoas não são nada. O trabalho as afeta em termos de auto-importãncia, mas não em termos de vida pessoal. A mim o trabalho afeta em termos de vida pessoal, mas não de auto-importância. Don Juan me alertou e aconselhou que nunca me tornasse um pavão, "pavo real", que é o resultado à ênfase da importância pessoal. Quanto menos a pessoa pensa e "pseudo-age" em termos de auto-importância ela se torna mais completa. E quanto mais auto-importante se sente, mais incompleta se torna. O ser incompleto nasce da incessante procura por reconhecimento social.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

TRANQUILO



Tranqüilo
Levo a vida tranqüilo
Não tenho medo do mundo
Não vou me preocupar
Tranqüilo
Levo a vida tranqüilo
Não tenho medo da morte
Não vou me preocupar
Que passe por mim a doença
Que passe por mim a pobreza
Que passe por mim a maldade, a mentira e a falta de crença
Que passe por mim olho grande
Que passe por mim a má sorte
Que passe por mim a inveja, a discórdia e a ignorância
Tranqüilo
Levo a vida tranqüilo
Que me passe
A doença que me passe
A pobreza que me passe
A maldade que me passe
Olho grande que me passe
A má sorte que me passe
A inveja que me passe
A tristeza da guerra
Tranqüilo


(Thalma de Freitas - Composição: Kassin)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009


PORQUE É SEMPRE DE NÓS QUE NOS SEPARAMOS QUANDO DEIXAMOS ALGUÉM.


(Esse é meu pai junto a mim e minha irmã, no seu aniversário de 89 anos no dia 11 de Outubro de 2009. Dezoito dias depois ele faleceu. Obrigado pai.)

TENHO PASSADO POR MUITOS CANSAÇOS...


Tenho passado por muitos cansaços
Cheios de vagas esperanças de um futuro qualquer
Tenho dormido muitas vezes
Ao relento de todos os sonhos...
Tenho sido inútil, fruste, incongruente
Como isso que está aí fora e é a vida
Tenho sido estes nadas fúteis.

Eras tu, eras tu, aquela que sempre amei!
Mas não sabia o teu nome - sei-o agora.
Mas não sabia como eras - sei-o agora...

Já te conheço melhor, mas não estou mais perto de ti.

Perco-te mais porque te conheci.

DE REALMENTE MEU SÓ TENHO EU.

"Outrora eu, que era anônimo e prolixo
(Dois adjetivos que há muito sigo)
Amei por ter um coração amigo.
Amo hoje o que amo só porque o persigo."

(Álvaro de Campos)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Escolha uma alternativa

Há vidas que busco conhecer. Medi todas as religiões e todas as filosofias. E então cheguei a seguinte conclusão sobre tudo:

"Neste mundo só temos duas alternativas: oferecemos nosso amor ou projetamos nosso medo".

Eu disse que são só DUAS alternativas.

(Paulo Cesar de Oliveira)
Você conhece tanta coisa.
A tua biblioteca pessoal tem mais de três mil livros.
Você fez tantos cursos, estudou tanto...

Você só não conhece a si mesmo.


(Paulo Cesar de Oliveira)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

"Nas igrejas, nas sinagogas e nas mesquitas buscam refugio os que temem o inferno. Mas o homem que conhece os segredos de Deus não cultiva no seu coração as sementes do medo e da súplica".

(Omar Kháyyám)

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Um homem inteligente nunca tem certeza de nada...

Não estou aqui para dar a você um dogma - o dogma faz com que se tenha certeza. Não estou aqui para dar a você nenhuma promessa para o futuro - nenhuma promessa para o futuro transmite segurança. Estou aqui apenas para deixá-lo alerta e consciente - isto é, para ficar aqui agora, com toda a insegurança que existe na vida, com toda a incerteza que existe na vida, com todo o perigo que existe na vida.

Se você veio aqui em busca de certeza, de alguma doutrina, algum "ismo", algum lugar ao qual pertencer, alguém em quem confiar. Você não encontrará nada disso aqui.

Você está aqui por causa do medo que sente. Você consegue ver esse medo? Ele é quase sempre inconsciente, e por isso muito difícil de se ver. Mas ele está aí, pode acreditar.

Eu gostaria de fazer com que você se sentisse ainda mais inseguro, mais incerto - porque é assim que a vida é, é assim que Deus é. Quando há mais insegurança e mais perigo, o único jeito de reagir aisso é apelar para a consciência.

São duas possibilidades. Ou você fecha os olhos e passa a ser dogmático, vira cristão, hindu ou muçulmano...e aí fica como se fosse um avestruz. Isso não muda a vida; é simplesmente fechar os olhos. Simplesmente faz de você um estúpido, alguém sem inteligência. E nessa tua falta de inteligência, você se sente seguro - todo idiota se sente seguro. Na verdade só os idiotas se sentem seguros. O homem que está verdadeiramente vivo sempre se sentirá inseguro. Que segurança pode existir nesse mundo?

A vida não é um processo mecânico; não pode ser predeterminada. Ela é um mistério imprevisível. Ninguém sabe o que acontecerá em seguida. Nem Deus, que você acha que mora em algum lugar no sétimo céu; nem mesmo ele - se estiver lá -, nem ele sabe o que vai acontecer!... porque, se ele sabe o que vai acontecer, então a vida é só tapeação, tudo é escrito de antemão, é determinado de antemão, um simples jogo de cartas marcadas. Como ele pode saber o que vai acontecer com você se o futuro está em aberto? Se Deus sabe o que vai acontecer daqui à pouco, então a vida é só um processo mecânico, morto. Então não existe liberdade, e como pode existir vida sem liberdade? Então não há possibilidade de crescer ou não crescer. Se tudo é predeterminado, não existe glória nem grandeza. Você é apenas um robô.

Não, nada é seguro. Essa é a minha mensagem. Nada pode ser seguro, porque uma vida segura seria pior do que a morte. Nada é certo. A vida é cheia de incertezas, cheia de surpresas - é aí que está a beleza dela! Quando disser que está certo de alguma coisa, estará simplesmente declarando a própria morte; terá se suicidado.

A vida continua em marcha, com mil e uma incertezas. É aí que está a liberdade dela. Não chame a isso de insegurança.

A liberdade dá medo. As pessoas falam sobre a liberdade, mas elas têm medo. E um homem não é um homem ainda se ele tem medo da liberdade. A vida te dá liberdade e não segurança. A vida, através da sua experiência, lhe dá entendimento; não te dá conhecimento. O conhecimento lhe traz certezas. Se posso dar a você a fórmula pronta, de que existe um Deus, existe um céu, um inferno e existem as boas e as más ações; cometa um pecado e você irá para o inferno, pratique o bem e irá para o céu - acabou!-, então você tem certezas. É por isso que tantas pessoas optaram por ser cristãos, hindus, muçulmanos, judeus - elas não querem liberdade, querem fórmulas fixas. Faça isso e acontece aquilo...

Quando a morte bater à tua porta, todas as tuas certezas serão simplesmente charadas e tolices. Não se apegue a nenhuma certeza. A vida é incerteza - sua própria natureza é incerta. E um homem inteligente nunca tem certeza de nada.

A própria disposição para permanecer na incerteza é coragem. A própria disposição para ficar na incerteza é confiança. A pessoa inteligente é a aquela que está sempre alerta, não importa a situação - e a enfrenta com todo o seu coração.

by Osho
"É muito fácil pensar no amor. Mas é muito difícil amar. É muito fácil amar o mundo inteiro. Difícil mesmo é amar um ser humano."

by Osho
"Já vi milhões de pessoas assim, elas se apegam ao sofrimento por uma razão muito simples: travaram uma espécie de amizade com o sofrimento. Viveram tanto tempo corm ele que, se o deixarem, será como um divórcio."


Osho

Para ser um indivíduo...

Para ser um indivíduo, é preciso o mais destemido dos treinamentos: "Não importa que o mundo inteiro esteja contra mim. O que importa é que a minha experiência é válida".

by Osho
"Se sua vida é uma dança, Deus já está no seu coração. O coração amoroso está cheio de Deus. Não há necessidade de mais nenhuma busca, não há necessidade de mais nenhuma prece, não há necessidade de ir a templo nenhum, de procurar padre nenhum."

Osho

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Embora meu objetivo seja compreender o amor, vejo que aqueles que me tocaram a alma não conseguiram despertar meu corpo, e aqueles que tocaram meu corpo não conseguiram atingir minha alma.
"Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto."

Fernando Pessoa
"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."

Fernando Pessoa
"Enquanto não superarmosa ânsia do amor sem limites, não podemos crescer emocionalmente. Enquanto não atravessarmos a dor de nossa própria solidão, continuaremos a nos buscar em outras metades. Para viver a dois, antes, é necessário ser único."

Fernando Pessoa

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira.
Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso?
Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
as acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

Álvaro de Campos, 15-1-1928

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

ACORDA!

O QUE VOCÊ VAI FAZER
QUANDO TODA LEITURA NAO MAIS TE ENTRETER?
O QUE VOCÊ VAI FAZER
QUANDO TODA RELIGIÃO NÃO MAIS TE ENTORPECER?
O QUE VOCÊ VAI FAZER
QUANDO TODA FORMA DE BUSCA NÃO TE SATISFAZER?...

O QUE VOCÊ VAI FAZER
QUANDO A MEDIOCRIDADE DAS CONVERSAS TE ABORRECER?
O QUE VOCÊ VAI FAZER
QUANDO O "SCRIPT" SOCIAL NÃO MAIS TE CORRESPONDER?
O QUE VOCÊ VAI FAZER
QUANDO TODA NOVIDADE NÃO TE DER PRAZER?

O QUE VOCÊ VAI FAZER?
QUANDO OS TEUS MAIS QUERIDOS NÃO TE COMPREENDEREM?...
O QUE VOCÊ VAI FAZER
QUANDO A SEGURANÇA DO VELHO NÃO TE REJUVENESCER?
O QUE VOCÊ VAI FAZER?

QUANDO A FILIAÇÃO EM UM GRUPO NÃO TE PROTEGER?
E O QUE VOCÊ VAI FAZER
QUANDO BATER NA PORTA E NINGUÉM TE RESPONDER?...
O QUE VOCÊ VAI FAZER
QUANDO PERCEBER SER FALSA A SEGURANÇA QUE VOCÊ PENSAVA TER?

O QUE VOCÊ VAI FAZER
QUANDO CONQUISTAR TUDO QUE PENSAVA NECESSÁRIO TER?
E O QUE VAI FAZER
QUANDO O DESFRUTAR DO SEU TUDO NÃO TER PRAZER?
O QUE VOCÊ VAI FAZER?
ESPERAR PELA GRAÇA
CAPAZ DE TRAZER GRAÇA
POR TUDO QUE ESTIVER SEM GRAÇA?

"Apenas somos quando em nada nos tornamos. É quando perdemos nossas pernas que nos tornamos corredores".

(Jalal ud-Din Rumi)

Para entender a pobreza

“Pensamentos de falta (escassez) causam medo; o medo nos leva a acordos, e acordos nos conduzem ao sacrifício. Por exemplo, o medo pode nos levar a ver a aparência de insegurança financeira, ou de amor. Sentindo o medo da falta como real, nosso ego aparecerá com uma barganha e nos diz – convincente, mas mentiroso – que podemos trabalhar em condições adversas para reconquistar uma segurança financeira. É assim que o ego mantém seu círculo do medo, fazendo-nos ver a falta onde, em realidade, há abundância do que é Real.”

(“Leve-me à Verdade – Desfazendo o Ego” – N.Sanchez e T. Vieira, Tradução de Maria Theraza de Barros Camargo”, Íbis Libris Editora, 2008)

PARA TI QUE VIVES APRISIONADO NO MEDO DE SER

Que fique esclarecido, que não procuro afastar-te da tua religião, que desistas de seres a tua profissão, que desistas de todas as idéias e ideais que tens sobre a vida, o amor, deus; não procuro nem espero que faças algo que vai de encontro ao sentir do teu Ser.

Apenas procuro chocalhar as águas estagnadas e podres que existem em ti, procuro quebrar a barragem que acumula a água que devia alimentar o rio da tua vida, mas que não o fazes e se o fazes, fá-lo a conta-gotas, por isso há partes de ti que secaram e mirraram, a vegetação luxuriante e viçosa das margens do rio desapareceu.

Só as águas correntes é que são boas para beber, e elas acontecem em rios, fontes e cascatas, nunca em pântanos, nem em lagos, nem em barragens, nestes a água está parada, é no movimento e na agitação da água, que ela se oxigena e que ganha os elementos químicos que vão alimentar plantas e animais.

Que a nossa vida seja como um rio, que não interessa para onde corre, desde que sintamos que a nascente seja a verdadeira nascente da energia criadora que existe em nós, mas que muitas vezes a negamos, quando somos formatados por uma sociedade ou religião, e nos dizem que não temos Poder, que somos pecadores e devemos sacrifícios.

A Liberdade vem dessa Vida agitada e em movimento através da emoção e da ação. Somos intrinsecamente Amor, Vida, Deus, e Liberdade, Alegria, Verdade. E quem nos diz que não somos isto, está mentindo, e quando acreditamos nesses alguéns, seguimos os seus caminhos tortuosos de dogmas, leis, cânones, regulamentos, começamos a secar e a acumular e paramos. Mesmo vivendo estamos mortos.

Quebrem as vossas barragens, dispersem a vossa energia, é na entrega que recebem, e recebendo a devolvem novamente à origem.

Santo sou eu...

"Santo sou eu. Pelo Amor criado e, pelo Amor sustentado. Pois nunca deixei os Braços Eternos. Estou perturbado por sonhos de pecado, e presságios funestos parecem roubar minha paz, e me deixar preso ao terror e a um destino maligno. No entanto, minha santidade permanece intocada, Como Deus a criou. Pois não pode haver Pecado em Deus, e, portanto, nem em mim."

(As Dádivas de Deus, p. 28)

sábado, 10 de outubro de 2009

O que é Deus? O que é eu?

Um homem e um leão discutiam a força relativa de homens e leões em geral. O homem sustentou que ele e a sua raça eram mais fortes por causa da sua maior inteligência. "Venha agora comigo", ele gritou, "e eu vou provar que estou certo". Assim, ele levou o leão para os jardins públicos e lhe mostrou uma uma estátua de Hércules derrotando o leão e rasgando a sua boca em duas. "Está tudo muito bem", disse o leão, "mas não prova nada, visto que foi o homem que fez a estátua".
Os seres humanos interpretam as informações de acordo com os preconceitos, os desejos e os quadros de referência limitados. Os rótulos e as estátuas, assim como os símbolos religiosos, teologias e filosofias, podem nomear e definir aspectos da vida, mas nunca revelar diretamente qualquer coisa sobre a existência, tal como a equação 2 + 2 = 4, que é uma definição matemática relativa mais do que o conhecimento absoluto. Até mesmo em circusntâncias extremas, essa aritimética se decompõe. De acordo com a teoria da relatividade especial de Albert Einstein, a velocidade da luz é uma barreira infinita, e quando a colisão de duas astronaves se aproxima dela, a velocidade relativa dessas astronaves não mais derivada da soma suas velocidades individuais, seria quase refletida na comparação 2 + 2 = 2. De forma semelhante, ao perceber o "eu infinito", estátuas, nomes e definições finitos do mundo tornam-se inúteis.
Contemplar a Deus eventualmente revela que o eu se projeta em cada decisão, crença e ação. E a menos que o eu seja questionado, o condicionamento continuará a programá-lo e mantê-lo pequeno. Por meio de perguntas emergindo do eu finito, é impossível perceber um eu infinito, mas questionar O que é Deus? leva à pergunta O que é o eu? à medida que o inquiridor examina o seu sentido flutuante de identidade e intui o seu eu universal subjacente. Consequentemente, passos avançados ao longo da via para o autoconhecimento já não podem estar baseados no exame de ídolos do mundo idealizados pelo homem, pois fazê-lo, na melhor das hipóteses, somente desvelaria o eu que os fez e o eu que os está examinando. Uma vez que os buscadores da verdade aprendem a utilizar a via sofisticada da intuição, investigações externas serão integradas com realizações internas progressivas e positivas da essência do eu.
(Sankara Saranam)

domingo, 20 de setembro de 2009

DEUS SEM RELIGIÃO

Por períodos infinitamente longos, a pergunta O que é Deus? confundiu a humanidade e continua desafiando a compreensão lógica desde que vivamos com o conceito de que há um paraíso lá em cima, onde Deus está sentado julgando toda a humanidade e castigando todos os que se portarem mal. Ao longo da história, com pouco sucesso, pensadores eminentes tentaram achar uma resposta lógica para esta pergunta problemática. Mas há muitas pessoas também que não querem nem saber disso, ou seja, se existe um Deus ou não, preferem viver suas vidas na matéria, sem se preocupar com essa pergunta. Existem outros que só em falar em Deus, Jesus ou Espírito Santo, pensam logo que se estamos falando em religiões.

Sidarta Gautama, o Buda, praticou tapasya (ascetismo em sânscrito) debaixo de uma figueira-de-bengala e, como alguns, estabeleceu que Deus existe dentro do coração de cada ser humano em forma de amor, compaixão, compreensão e outros atributos positivos dos quais a humanidade é capaz, mas frequentemente escolhe suprimir. Jesus também falou disso ao dizer que "O Reino de Deus está dentro de vós".

A confirmação de que ninguém realmente conhece o verdadeiro Deus por trás de todas essas imagens, religiões e seitas, leva a uma compreensão de que os seres humanos podem somente procurar a verdade e não possuí-la, como muitos fanáticos religiosos afirmam. A busca implica humildade, aceitação, enquanto a posse indica arrogância e soberba.

Quando penso em Deus eu penso assim. Há um poder misterioso indefinível que permeia tudo. Eu o sinto, embora não o veja. É esse poder invisível que se faz sentir e ainda desafia todas as provas, porque é tão contrário a tudo aquilo que eu percebo por meio dos meus sentidos. Transcende os sentidos. Percebo vagamente que enquanto tudo ao meu redor é variável, perene, agonizante e implícito a toda essa mudança, existe um poder vivo que é invariável, que mantém tudo unido, que cria, dissolve e recria. Esse poder ou Espírito que me inspira eu chamo de Espírito Santo...Pois consigo ver que no meio da morte, a vida persiste; no meio da inverdade desse mundo, a verdade persiste; no meio da escuridão, a luz persiste. Consequentemente, eu entendo que Deus é vida, verdade e luz.

A religião nunca me satisfez e frequentemente me enfurece. Por isso resolvi empreender minha própria busca. No processo, aprendi que as religiões nunca pretenderam apoiar a busca por um Deus expansivo e são realmente contrárias a isso. Examinando mais adiante, descobri que os seres humanos aspiravam conhecer Deus bem antes das religiões serem estabelecidas para explorarem a ignorância e a culpa inconsciente das pessoas. Simultaneamente, encontrei uma trindade profana de forças políticas, econômicas e religiosas nutrindo e perpetuando a ganância massiva, a pobreza e a ignorância. Comecei então a me aproximar de pessoas que buscam uma compreensão mais unificada de Deus. Mas são muito poucas pessoas assim.

Em setembro de 2001, quando fui apresentado ao livro ditado por Jesus chamado "Um Curso Em Milagres", muitas dúvidas cruciais foram esclarecidas e, um marco, uma linha divisória, foi establecida na minha busca por Deus. Mas como o próprio Curso diz, o livro não é o único caminho e nem é para todos. Para quem tem dificulades com o Curso, O Divino Espírito Santo dará um outro caminho, mas não acredito que qualquer religião organizada possa ajudar, pelo contrário, você terá que estar disposto a derrubar todas as tuas crenças. Aprender esse Curso requer disposição para questionar cada valor que você possui. O Curso foi enviado para economizar nosso tempo e nos ensinar a retornar passo a passo o caminho da casa do Pai que pensávamos ter perdido. Mas não deixe a teologia das religiões te atrasar. Busque dEUs.


(Paulo Cesar de Oliveira 20.09.2009)

sábado, 19 de setembro de 2009

DRUMMOND ERÓTICO

Em um momento de descontração, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu:

"Satânico é meu pensamento a teu respeito,
e ardente é o meu desejo de apertar-te em minha mão,
numa sede de vingança incontestável peloque me fizeste ontem.

A noite era quente e calma e eu estava em minhacama,
quando, sorrateiramente,te aproximaste.
Encostaste o teu corposem roupa no meu corpo nu,
sem o mínimo pudor!

Percebendo minha aparente indiferença,
aconchegaste-te a mim emordeste-me sem escrúpulos.
Até nos mais íntimos lugares.
Eu adormeci.

Hoje quando acordei,
procurei-te numa ânsia ardente,
mas em vão.
Deixaste em meu corpo e no lençol,
provas irrefutáveis do que entre nós ocorreu durante a noite.

Esta noite recolho-me mais cedo,
para na mesma cama te esperar.
Quando chegares, quero te agarrar com avidez e força.
Quero te apertar com todas as forças de minhas mãos.
Só descansarei quando virsair o sangue quente do seu corpo.

Só assim, livrar-me-ei de ti,

pernilongo "filho da puta!"
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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

FERNANDO PESSOA E DEUS

Comunicação às Jornadas Culturais / Literárias 2000 «Imagens de Deus na Literatura Portuguesa nos séc.XIX e XX» – Auditório da Escola Superior de Tecnologia e Gestão – Leiria, 15 e 16 de Março de 2001

por Amélia Pinto Pais
da Escola Secundária de Francisco Rodrigues Lobo, de Leiria

«Pertenço a uma geração que herdou a descrença na fé cristã e que criou em si uma descrença em todas as outras fés. Os nossos pais tinham ainda o impulso credor, que transferiam do cristianismo para outras formas de ilusão. Uns eram entusiastas da igualdade social, outros eram enamorados só da beleza, outros tinham a fé na ciência e nos seus proveitos, e havia outros que, mais cristãos ainda, iam buscar a Orientes e Ocidentes outras formas religiosas, com que entretivessem a consciência, sem elas oca, de meramente viver.

Tudo isso nós perdemos, de todas essas consolações nascemos órfãos. Cada civilização segue a linha íntima de uma religião que a representa: passar para outras religiões é perder essa, e por fim perdê-las a todas.

Nós perdemos essa, e às outras também.

Ficámos, pois, cada um entregue a si próprio, na desolação de se sentir viver. Um barco parece ser um objecto cujo fim é navegar; mas o seu fim não é navegar, senão chegar a um porto. Nós encontrámo-nos navegando, sem a ideia do porto a que nos deveríamos acolher. Reproduzimos assim, na espécie dolorosa, a fórmula aventureira dos argonautas: navegar é preciso, viver não é preciso.

Sem ilusões, vivemos apenas do sonho, que é a ilusão de quem não pode ter ilusões. Vivendo de nós próprios, diminuímo-nos, porque o homem completo é o homem que se ignora. Sem fé, não temos esperança, e sem esperança não temos propriamente vida. Não tendo uma ideia do futuro, também não temos uma ideia de hoje, porque o hoje, para o homem de acção, não é senão um prólogo do futuro. A energia para lutar nasceu morta connosco, porque nós nascemos sem o entusiasmo da luta.(....)

(...). O que vivemos foi em negação, em descontentamento e em desconsolo. Mas vivemo-lo de dentro, sem gestos, fechados sempre, pelo menos no género de vida, entre as quatro paredes do quarto e os quatro muros de não saber agir.

Livro do Desassossego por Bernardo Soares.
(frag.195)

Ao aceitar abordar a questão religiosa em Fernando Pessoa, a pedido do meu amigo e colega Dr. António Gordo, da Comissão Científica destas Jornadas, não pude deixar de colocar-lhe e de me colocar algumas reservas e perplexidades face ao tema proposto.

É que, em primeiro lugar, e sem negar a importância que têm os conteúdos e linhas de sentido de um texto, o meu apreço pela obra de Pessoa se faz sobretudo do ponto de vista estritamente literário /poético e não do ponto de vista dos conteúdos ideológicos / filosóficos que encerra («Era eu um poeta estimulado pela filosofia e não um filósofo com faculdades poéticas», escrevia ele, por volta de 1910); por outro lado, sentia confusamente, do pouco de que me pudera aperceber até aí, que o problema de saber até que ponto Fernando Pessoa era um homem religioso, ele que se confessou uma vez, em 1935,em Nota Biográfica, «cristão gnóstico», ele que em tanto eus diferentes se projectara e se fizera poeticamente, ele que se quisera também um «indisciplinador de almas» — era tarefa algo ingente para o pouco tempo disponível que era o meu, tarefa mais adequada a uma tese de doutoramento em vários volumes e a preparar durante alguns anos.

Sentia também, e verifiquei-o posteriormente quando meti mãos à obra, que não era muita a bibliografia existente sobre esta complicada problemática. Assim:— como iria eu descobrir em tão pouco tempo o Pessoa nos vários Pessoa(s)? No Pessoa Caeiro, António Mora, Ricardo Reis, adeptos de teorias visando a reconstrução de um neo-paganismo de base helénica, mas também no Pessoa ortónimo de poemas simbolistas e quase místicos (alguns esotéricos e iniciáticos) e num Pessoa-Campos de poemas igualmente quase místicos como os Dois excertos de Odes, o Magnificat ou o «Afinal a melhor maneira de viajar é sentir»? E o Pessoa de Mensagem? – o do «Deus quer, o homem sonha, a obra nasce», o do misticismo nacionalista corporizado no mito (que «é o nada que é tudo») de D.Sebastião, o «Encoberto», adivinhado por Bandarra ou António Vieira, o da «divina loucura», sagrado, como o Infante Santo ou o Infante D.Henrique, por Deus, para ser portador do Sonho construtor de Quintos Impérios ainda não concretizados?

De um desafio se tratava, pois, para mim, o de tentar encontrar pelo menos esboço de resposta para tantas interrogações. É desse esboço de resposta que trago, hoje e aqui, as linhas principais e as muitas interrogações que, certamente no final, vos ficarão.

Vejam-no apenas como esboço, como uma introdução ao problema.

Vou seguir de perto o que pude aprender na pouca bibliografia específica existente e, principalmente, em António Quadros, Fernando Pessoa-Vida, personalidade e génio (ed. D.Quixote, Lisboa, 2ªed.,1984), em Dalila Pereira da Costa, O Esoterismo em Fernando Pessoa (ed.Lello & Irmão, Porto, 2ªed.,1978), em alguns capítulos de Teresa Rita Lopes in «Pessoa por conhecer»(Estampa, Lisboa, 1990) e nos estudos de Yvette Centeno, ligados igualmente às questões do esoterismo, hermetismo e iniciação na poesia de Pessoa.E também, naturalmente, da minha reflexão pessoal. E, principalmente ainda, na minha interrogação inacabada.

Algumas coordenadas para o conhecimento de Fernando Pessoa:

Fernando Pessoa foi baptizado e educado em criança dentro dos parâmetros da religião católica; existe um documento dele, datado de 1907 (tinha o poeta 19 anos), dirigido ao pároco da freguesia em que fora baptizado, em que contesta o facto de o terem baptizado quando «ainda ente irracional», obrigando-o «a fazer parte de uma associação demasiado humana com as teorias da qual o seu raciocínio mais viril talvez não queira concordar»; no mesmo documento considerava a igreja católica «poderosa e estúpida, sustentando a velha hipótese d’um Deus criador, eminentemente estúpido e eminentemente mau»

2..2. Em 1915, em carta dirigida em 6 de dezembro a Mário de Sá Carneiro, confessava- se em crise profunda, derivada de ter tido que traduzir várias obras de teosofia. Cito:

«Tive de traduzir livros teosóficos. Eu nada, absolutamente nada, conhecia do assunto. Agora, como é natural, conheço a essência do sistema. Abalou-me a um ponto que eu julgaria hoje impossível, tratando-se de qualquer sistema religioso. O carácter extraordinariamente vasto desta religião-filosofia; a noção de força, de domínio, de conhecimento superior e extrao-humano que ressumam as obras teosóficas, perturbaram-me muito. Cousa idêntica me acontecera há muito tempo com a leitura de um livro ingçês sobre Os Ritos e os Mistérios dos Rosa-Cruz. A possibilidade de que ali, na Teosofia, esteja a verdade real me "hante".(-...)

E mais adiante: « Ora, se V.meditar que a teosofia é um sistema ultra-cristão — no sentido de conter os princípios cristãos elevados a um ponto onde se fundem não sei em que além-Deus e pensar no que há de fundamentalmente incompatível com o meu paganismo essencial, V. terá o primeiro elemento grave que se acrescentou à minha crise. Se depois reparar em que a Teosofia, porque admite todas as religiões, tem um carácter inteiramente parecido com o do paganismo, que admite no seu panteão todos os deuses, V. terá o segundo elemento grave da minha crise de alma. A Teosofia apavora-me pelo seu mistério e pela sua grandeza ocultista, repugna-me pelo seu humanitarismo e apostolismo (...), atrai-me por se parecer tanto com um «paganismo transcendental (...) É o horror e a atracção do abismo realizados no além-alma...»

Convém esclarecer aqui que a teosofia, literalmente «sabedoria divina» ou «dos deuses» é uma teoria que se situa como síntese de filosofia, religião e ciência, apelando para a intuição e faculdades não racionais e declarando a identidade do Homem com a Realidade e o seu consequente poder de conhecer a Finalidade, a Meta, que se chama Deus.

Vários intelectuais europeus do tempo de Pessoa se deixaram tocar por esta teoria, reactivada sobretudo a partir da actividade de Helena Blavatsky, uma das fundadoras e principal expoente da Sociedade Teosófica em Nova Iorque, em 1875. Fernando Pessoa traduziu, entre outras obras teosóficas, A Voz do Silêncio, obra essencial de Blavatsky. No entanto, a teosofia vem de muito antes e, nomeadamente de Platão e Plotino, para não falar das diversas correntes místicas e do próprio idealismo alemão.

2.3. Também por essa altura, em célebre carta à tia Anica, confessa sentir-se com características de mediunidade e desenvolve práticas de espiritismo, reveladoras, juntamente com o interesse pela teosofia, pelos Rosa-Cruzes e o seu gosto e prática da numerologia e da astrologia, o seu pendor para o oculto, que viria a aprofundar-se nos anos finais da sua vida.

Em 1935, ou seja, no último ano da sua vida, confessa-se, na já referida Nota biográfica, no ponto Posição religiosa: «Cristão gnóstico, e portanto, inteiramente oposto a todas as igrejas organizadas, e sobretudo à Igreja de Roma. Fiel, por motivos que mais adiante estão implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a Tradição Secreta em Israel (a Santa Cabala) e com a essência oculta da Maçonaria» e «Iniciado, por comunicação directa de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal»

Compreende-se a sua autodefinição como gnóstico, dado pretender ser a a gnose o conhecimento esotérico e perfeito da divindade, que se transmite por meio da tradição e mediante rituais de iniciação. Tal iniciação tê-la-á conseguido o poeta não pela sua integração na Maçonaria ou noutras associações secretas e ocultistas, mas pela reflexão e estudo e pela experiência poética , que, segundo Jung « aflora de regiões profundas da alma, salutares e benéficas, preexistentes à segregação das consciências individuais, e que, a partir desse regaço colectivo, seguiram os seus passos dolorosos. Brota dessas regiões onde todos os seres vibram ainda, em uníssono, e onde consequentemente a sensibilidade e a acção do indivíduo valem para toda a humanidade.»

Como última destas coordenadas, em carta do mesmo ano a Adolfo Casais Monteiro, diz-se não mação e opina sobre o Ocultismo, dizendo «não acreditar na comunicação directa com Deus, mas, segundo a nossa afinação espiritual, poderemos ir-nos comunicando com seres cada vez mais altos»; define também, na mesma carta, 3 caminhos para o Oculto, o mágico, o místico e o alquímico, considerando o último «o mais perfeito de todos, porque envolve uma transmutação da própria personalidade que a prepara».

Um conhecimento contemplativo de Deus:

Traçadas as coordenadas principais, a nível do pensamento religioso de Fernando
Pessoa, pondo, para já, de parte a longa teorização e defesa do Neopaganismo português, atentemos nalguns textos reveladores daquilo que podemos considerar ser o seu percurso poético /religioso, na busca do Conhecimento ou Gnose:

Por volta de 1912, tinha o poeta então 24 anos, e no mesmo ano em que publicava na «Águia» os seus primeiros artigos sobre a moderna poesia portuguesa, surge-nos um texto belíssimo intitulado «Prece» que passo a transcrever:

Prece:

«Senhor, que és o céu e a terra, e que és a vida e a morte! O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu! Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também. Onde nada está tu habitas e onde tudo estás - (o teu templo) - eis o teu corpo.

Dá-me alma para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.

Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faz com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai.

[...]
Minha vida seja digna da tua presença. Meu corpo seja digno da terra, tua cama. Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar.

Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.

Senhor, protege-me e ampara-me. Dá-me que eu me sinta teu. Senhor, livra-me de mim.» -

Este texto, em que António Quadros encontra, a meu ver com razão, ecos do Hino ao Sol do faraó monoteísta Akhenaton e afinidades com os cantos de S.Francisco de Assis, marca, segundo o mesmo autor, o «1ºmarco de uma longa e árdua peregrinação», revelando «toda uma vivência interior de transcendência que reúne a visão do ser humano, entre o animal e o espiritual».Nele é visível «uma enorme exigência de pureza e de Absoluto, um sentimento de adoração, a consciência profunda da vanidade egolátrica, um desejo de entrega e de abandono no divino», traduzindo, igualmente, «o efeito de uma experiência íntima, secreta.»

Pouco depois desta «Prece», em 1913, tinha então 25 anos, parece o Poeta ter tido uma primeira experiência de revelação, de êxtase quase místico, como afirma Quadros. Trata- - se do poema em 5 partes, Além-Deus. Na 1ªparte,

Olho o Tejo, e de tal arte
Que me esquece olhar olhando,
E súbito isto me bate
De encontro ao devaneando —
O que é ser rio e correr?
O que é está-lo eu a ver?
Sinto de repente pouco,
Vácuo, o momento, o lugar.
Tudo de repente é oco —
Mesmo o meu estar a pensar.
Tudo — e o mundo em seu redor —
Fica mais que exterior.
Perde tudo o ser, ficar,
E do pensar se me some.
Fico sem poder ligar
Ser, ideia, alma de nome
A mim, à terra e aos céus...
E súbito encontro Deus..

a realidade visível do Tejo e do olhar o Tejo some-se, abre-se para o invisível, o vácuo, como ele diz,«súbito», «de repente» , condição em que como numa aparição «súbito encontr(a) Deus». Todos podemos reconhecer nesta experiência relatada poeticamente ecos da «noite escura da alma» do poeta místico espanhol S.Juan de La Cruz...

Na 2ºparte de Além-Deus, o poeta procura explicar como tudo se passara: Passou (título da 2ªparte): «Passou, fora de Quando,/De Porquê, e de Passando...»; na 3ªparte, intitulada A Voz de Deus, reconhece na percepção do indizível, a fusão total do Eu e do universo a partir da audição da voz de Deus:

«Brilha uma voz na noute..
De dentro de Fora ouvi-a .
Ó Universo, eu sou-te..../»
E mais adiante:
«Cinza de ideia e de nome
Em mim, e a voz: Ó mundo,
Sermente em ti eu sou-me...
Mero eco de mim, me inundo
De ondas de negro lume
Em que pra Deus me afundo.»

Este inundar-se em Deus equivale à Queda (título do 4ºpoema da série)

«Da minha ideia do mundo
Caí...
Vácuo além de profundo,
Se ter Eu nem Ali.»

Tal queda/mergulho no inefável, no indizível é o encontro do Além-Deus.

«Além-Deus! Além Deus! Negra calma ..
Clarão de Desconhecido...
Tudo tem outro sentido, ó alma,
Mesmo o ter-um-sentido...»

O 5º e último poema, de título de ressonância esotérica ( e surrealista) – Braço sem corpo brandindo um Gládio – «é o regresso à realidade quotidiana, lugar da dúvida, da interrogação, do espanto, da incapacidade de aferir, pela razão humana, aquilo que por instantes envolveu o ser inteiro, deixando atrás de si um sentimento de irrealidade» — conclui assim o poema:

«Deus é um grande Intervalo,
Mas entre quê e quê?...
Entre o que digo e o que calo
Existo? Quem é que me vê?
Erro-me...»

Em 1914, nova série de poemas— Os Passos da Cruz (curiosa a imagística que é a mesma da Paixão de Cristo – atingir o saber, o conhecimento, será cumprir, como em qualquer ritual iniciático, os passos da cruz em subida a um qualquer Calvário? Será a queda necessária ao atingir do Graal, da revelação?)– a morte de «anima». Trata-se, como sabemos, de uma série de 14 sonetos, de que convém destacar os sonetos X —

Aconteceu-me do alto do infinito
Esta vida. Através de nevoeiros,
Do meu próprio ermo ser fumos primeiros,
Vim ganhando, e através estranhos ritos
De sombra e luz ocasional, e gritos
Vagos ao longe, e assomos passageiros
De saudade incógnita, luzeiros
De divino, este ser fosco e proscrito...
Caiu chuva em passados que fui eu.
Houve planícies de céu baixo e neve
Nalguma coisa de alma do que é meu.
Narrei-me a sombra e não me achei sentido
Hoje sei-me o deserto onde Deus teve
Outrora a sua capital de olvido...

os sonetos XI e XIII, em que o Poeta se vê como emissário, simples executor de algo que lhe é ditado (por quem? – por oculta mão? , por um rei desconhecido?) de reminiscências notoriamente neoplatónicas

XI
Não sou eu quem descrevo. Eu sou a tela
E oculta mão colora alguém em mim.
Pus a alma no nexo de perdê-la
E o meu princípio floresceu em Fim.
Que importa o tédio que dentro em mim gela,
E o leve Outono, e as galas, e o marfim,
E a congruência da alma que se vela
Com os sonhados pálios de cetim?
Disperso... E a hora como um leque fecha-se...
Minha alma é um arco tendo ao fundo o mar...
O tédio? A mágoa? A vida? O sonho? Deixa-
- se...
E, abrindo as asas sobre Renovar,
A erma sombra do voo começado
Pestaneja no campo abandonado...

XIII
Emissário de um rei desconhecido
Eu cumpro informes instruções de além,
E as bruscas frases que aos meus lábios vêm
Soam-me a um outro e anómalo sentido...
Inconscientemente me divido
Entre mim e a missão que o meu ser tem,
E a glória do meu Rei dá-me o desdém
Por este humano povo entre quem lido...
Não sei se existe o Rei que me mandou
Minha missão será eu a esquecer,
Meu orgulho o deserto em que em mim estou...
Mas há! Eu sinto-me altas tradições
De antes de tempo e espaço e vida e ser...
Já viram Deus as minhas sensações...

O último poema da série termina com «E Deus, a Grande Ogiva ao fim de tudo»

Vejamos:

Como uma voz de fonte que cessasse
(E uns para os outros nossos vãos olhares
Se admiraram), para além dos meus palmares
De sonho, a voz que do meu tédio nasce
Parou... Apareceu já sem disfarce
De música longínqua, asas nos ares,
O mistério silente como os mares,
Quando morreu o vento e a calma pasce...
A paisagem longínqua só existe
Para haver nela um silêncio em descida
Para o mistério, silêncio a que a hora assiste...
E, perto ou longe, grande lago mudo,
O mundo, o informe mundo onde há a vida...
E Deus, a Grande Ogiva ao fim de tudo...

Pessoa parece reconhecer em Deus a meta – em carta a Armando Cortes Rodrigues, datada de 19.1.1915, escrevia: «você é, como eu, fundamentalmente um espírito religioso» e mais adiante, referindo-se à solidão de sentir alguém que se «adiantou de mais aos companheiros de viagem » a viagem que, segundo diz, acha«tão grave» porque é uma viagem «entre almas e estrelas, pela Floresta dos Pavores...e Deus, fim da estrada infinita, à espera no silêncio da Sua grandeza...»

Podemos então talvez concluir como Quadros e Dalila Pereira da Costa, que entre 1912 e 1915 o Poeta, reconhecendo-se explicitamente como «espírito religioso» terá tido uma experiência de conhecimento contemplativo, quase de contacto místico, não racional, portanto, com o grande Intervalo, com Deus. Só bastante mais tarde, a partir de 1932, tal experiência viria a repetir-se, como veremos.

A busca da unidade perdida: o neopaganismo / Mestre Caeiro

Nos anos seguintes, foi a vez da uma busca de respostas outras ao problema: —
sou múltiplo, sou plural como o Universo.- Como reencontrar a Unidade perdida? Como ultrapassar o conflito /divisão entre o que sou e o que me sonho, entre o que sonho e o que faço, entre «a lealdade que devo /À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora/E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro»?
Penso que esta terá sido porventura a questão fundamental de Pessoa e dos seus «desassossegos» existenciais...

É este o período fecundo das tentativas neopagãs (e de toda a teoria do neopaganismo português – uma «Igreja» de que se fazem eco e «evangelistas» o filósofo António Mora, mas também Ricardo Reis e o próprio Pessoa).Nessa nova Igreja , Cristo é apenas mais um deus no panteão e como tal aceite por Reis; o que é intolerável é que os cristãos o afirmem como único; se a natureza é plural, como conceber um panteão que não o seja?. Cristo, a existir, será o Deus- Criança, a «Criança Nova», a «Criança eterna» do Poema VIII de O Guardador de Rebanhos de Caeiro (ele próprio, o Mestre, o que «não era pagão, era o paganismo», segundo o discípulo porventura mais amado e mais rebelde, Campos) – a criança surgida em sonho, fugida do Céu e das roupagens míticas de que o revestiram, e vindo morar na casa do Outeiro /«adormecendo» na alma do Poeta, não sem antes o ter ensinado a ver — e se ter comportado como criança:
«Esta é a história do meu Menino Jesus – conclui o poeta - Por que razão que se perceba/Não há-de ser ela mais verdadeira/Que tudo quanto os filósofos pensam /E tudo quanto as religiões ensinam?»

O mesmo Menino Jesus-Caeiro, que afirma não acreditar em Deus.«Não acredito em Deus porque nunca o vi./Se ele quisesse que eu acreditasse nele,/Sem dúvida que viria falar comigo /E entraria pela minha porta dentro /Dizendo-me, Aqui estou !

Uma religião, afinal, panteísta, a deste Mestre Caeiro, que parece recusar a visão do transcendente, mas absolutiza o real como se Deus fosse tão somente o real, as coisas da natureza. Um pouco como nas filosofias orientais, mas, ainda que o não parecendo, muito próxima da visão de S. Francisco no Cântico das Criaturas....Dando a sua resposta, afinal – a da sua completa a perfeita comunhão com o real, recusando conhecê-lo pelo pensamento (afinal: pensar é não compreender, pensar é estar doente dos olhos, pensar incomoda como andar à chuva...). Poderemos, ainda aqui, falar de misticismo de outro tipo – o misticismo panteísta de fusão com a natureza; por ele Sujeito e Objecto fundem-se e encontram a Unidade.

Mas Caeiro morreu cedo, como, de certo modo, inviável era «aprender a desaprender», recuperar a inocência da criança que vê tudo como se fosse pela primeira vez ou da ceifeira e da sua alegre inconsciência de não saber como a «ciência pesa tanto e a vida é tão breve!» e por isso «canta sem razão» — e com a sua morte prematura morreu também um pouco a teoria/igreja neopagã:

— Mora, o assumidamente filósofo, reduz-se ao silêncio;

— Reis assume o seu epicurismo triste, o «colhe o dia porque és ele», o «abdica e sê rei de ti próprio», tristemente, ou antes, desconsoladamente, dando conselhos, a meu ver pouco convictos, refugiando-se num cepticismo de escola («Assim talvez os deuses / Para si o não sejam, / E só de serem do que nós maiores / Tirem o serem deuses para nós // Seja qual for o certo, / Mesmo para com esses / Que cremos serem deuses, não sejamos / Inteiros numa fé talvez sem causa») ; digamos que ele é um «pagão triste da decadência», como a última imagem que quer conservar de Lídia, sua apaixonada virtual.

— Quanto a Pessoa, o ortónimo, aquele de quem Campos diz que «seria um pagão se não fosse um novelo embrulhado para o lado de dentro» atingirá, de certo modo, confundindo - se com Campos, na parte final da vida, o êxtase que entrevira em 1912 a 1915;

— Campos será sempre, e passada a fúria sensacionista do querer ser toda a gente e toda a parte, o mais desassossegado de todos, encontrando a paz e a verdade possíveis apenas no sonho de epopeias marítimas triunfais sem sair nunca do «cais deserto», imagem e sombra do Cais absoluto e arquetípico , de reminiscência ou anamnese platónica - atingirá, porém, e talvez em resposta ao seu desassossego e à sua busca, finalmente, e de novo, a alegria de encontrar Deus, ou em todo o caso, o Sagrado e a plenitude em textos como Magnificat e no Sursum Corda! de Afinal a melhor maneira de viajar é sentir...

Como diz Dalila Pereira da Costa, «o paganismo como idade da humanidade, forma e
visão do cosmos e apreensão do mundo, ser-lhe-ia revelado e dado a participar por directa experiência pessoal, em instantes que, abolindo milénios de afastamento, tal uma prodigiosa anamnese, o poeta consignou em Dois excertos de Odes, Passagem das Horas, Afinal a melhor maneira de viajar é sentir ... Aí, pela sua intuição poética, pelo seu dom de visionário, ele teria o poder, tal como Holderlin, de realizar uma ressurreição vivida dessa idade, em toda a sua verdadeira alma, e dela participar. Aí o cosmos surgir-lhe-ia em toda a sua antiga e eterna sacralidade.»

É esse, a seu ver, o verdadeiro sentido do neopaganismo de Pessoa.Com efeito, o sentido do mistério perpassa nesses poemas, onde é visível, como nos poemas orrtónimos «Silvos ou gnomos tocam?» ou «Passos tardam na relva», em que pequenos seres míticos são pressentidos.

« Caminhos para o oculto»:

Chegamos, neste ponto, ao tratamento daquilo que Quadros designa de caminhos
para o oculto. Segundo ele, Pessoa experimentou ou tentou, melhor dizendo, três caminhos de aproximação do Mistério, tantas vezes pressentido ou entrevisto. Seriam eles o caminho gnósico da percepção e visão supranormal, da imaginação, do sonho, da mediunidade, da reminiscência anamnésica platónica, da permeabilidade ao inconsciente colectivo ou arcaico, ou das iluminações , inspirações e contactos de ordem mística. A segunda via, segundo Quadros, seria ocaminho sófico – reflexão metafísica associada à cultura erudita; depois do clarividente, o pensador, o intelectual, o erudito, o que raciocina exaustivamente. Finalmente, a via ou caminho iniciático, presente em poemas esotéricos conhecidos como Na sombra do Monte Abiegno, Do Vale montanha`,A Múmia, Iniciação, Eros Psique, No túmulo de Christian Rossencreutz. Estes poemas têm sido exaustivamente analisados, quer por Dalila Pereira da Costa, quer por Yvette Centeno, e remeto para tais estudos aprofundados os meus queridos e pacientes ouvintes.

Na sombra do Monte Abiegno
Repousei de meditar.
Vi no alto o alto Castelo
Onde sonhei de chegar.
Mas repousei de pensar
Na sombra do Monte Abiegno.
Quando fora amor ou vida,
Atrás de mim o deixei,
Quando fora desejá-los,
Porque esqueci não lembrei.
À sombra do Monte Abiegno
Repousei porque abdiquei.
Talvez um dia, mais forte
Da força ou da abdicação,
Tentarei o alto caminho
Por onde ao Castelo vão.
Na sombra do Monte Abiegno
Por ora repouso, e não.
Quem pode sentir descanso
Com o Castelo a chamar?
Está no alto, sem caminho
Senão o que há por achar.
Na sombra do Monte Abiegno
Meu sonho é de o encontrar.
Mas por ora estou dormindo,
Porque é sono o não saber.
Olho o Castelo de longe,
Mas não olho o meu querer.
Da sombra do Monte Abiegno
Que me virá desprender?
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por casas, por prados,
Por quinta e por fonte,
Caminhais aliados.
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por penhascos pretos,
Atrás e defronte,
Caminhais secretos.
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por plainos desertos
Sem ter horizontes,
Caminhais libertos.
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por ínvios caminhos,
Por rios sem ponte,
Caminhais sozinhos.


Na sombra do Monte Abiegno: — o Monte Abiegno é a Montanha que une os planos terrestre e celeste, desafio ao homem que aspira pelo Absoluto. A imagem docavaleiro-monge, como a do Castelo, ambas de ressonâncias medievais, é a do cavaleiro solitário que busca «por ínvios caminhos» o seu Graal – a Verdade

Mais importante ainda é o conjunto de poemas A Múmia, também cronologicamente o primeiro destes poemas esotéricos. Segundo Yvette Centeno, assistimos nesta poesia cifrada «a um percurso espiritual, iniciático (em que se confirma a morte da alma) e a uma revelação. O poeta desce progressivamente dentro de si mesmo, separa-se de toda a realidade material e espiritual, fica reduzido à própria espinha, ao osso, à pura essência; e obtém no fim a revelação sobre a qual nada diz...»Tal percurso «é pontuado por uma absorção no Inconsciente, pela constatação da morte de Anima e pela depuração do Eu até à fixação na própria espinha, terminando de chofre com a enigmática substantivação «As espadas». As espadas equivaleria ao fogo dos filósofos, sendo também um atributo dos iniciados templários e rosa-cruzes, o que leva Centeno a interrogar-se: «Que concluir daqui? Que a revelação das espadas equivale à revelação simultânea, à «abertura, aqui» da porta do Entendimento e da beleza? Experiência que coroa a realização do homem, do poeta.»

A experiência alquímica visa, segundo Mirciade Eliade, «transmutar o homem; pela iniciação, o místico mudava de regime ontológico (fazia-se imortal). A transmutação, o opus magnum, que conduzia à pedra filosofal. obtém-se fazendo passar a matéria por 4 graus ou fases, entre as quais a nigredo e putrefactio, ou morte iniciática (....).»

Os poemas mais claramente iniciáticos de Pessoa são os já referidos «Iniciação», «No túmulo de Christian Rossencreutz» e ainda o de certo modo enigmático «Gomes Leal». Detenhamo-nos um pouco mais sobre o primeiro:

Iniciação

Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.
......
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.
Vem a noite, que é a morte
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.
Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os Anjos a capa.
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.
Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.
Por fim, na funda caverna,
Os Deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.
......
A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não estás morto, entre ciprestes.
......
Neófito, não há morte.

Só despindo-se, pela desnudação, o poeta encontra a verdadeira vida/unidade: por isso, «neófito, não há morte». Para o conseguir é preciso, porém atingir o fundo do poço, da caverna onde a verdadeira vida e a verdadeira verdade, passe a redundância, se encontram.

O corpo nada mais é que invólucro pesado e obstáculo de que é necessário despojar-se.

Como escreve Dalila Pereira da Costa:

«. Aqui o neófito renasce, depurado para outra vida, nessa caverna regeneradora, centro das forças do mundo e do eu, da energia primeira: sua matriz. Novo ciclo de existência se lhe abre: a dos deuses, «pois aí vês que são teus iguais». Aqui se termina a transmutação suprema, tal outra operação alquímica, que é a morte. Por esses estados sucessivos se ultrapassou, ou largou, a natureza humana e se adquiriu a natureza celeste, matéria última, incorruptível e eterna.
Iniciação poderá ser visto semelhantemente como uma purificação, numa alquimia do corpo humano. Por essa destruição, combustão de todos os elementos acidentais, exteriores, agarrados ao seu núcleo, central e incorruptível, fazer que este por fim, liberto e único, brilhe na caverna, a última etapa do trabalho interior: como a «matéria-prima». Nesse cadilho alquímico, ela será a obtenção final do diamante incorrupto, ou «Lapis Philosophorum». O ser primordial e eterno, o que um dia caiu do infinito, e que aqui sobre a terra, é o proscrito. Fechando assim agora o círculo, este poema, como «exitus», será o segundo e complementar movimento desse outro (como linha ascensional numa mesma onda), que surgiu na sua juventude, e em semelhante ambiente de mistério iniciático: os Passos da Cruz»

Da iniciação resulta também a desgraça, a tristeza e a solidão, como parece entrever- - se no poema Por que Ó Sagrado (datado de 1932):

Por que, ó Sagrado, sobre a minha vida
Derramaste o teu verbo?
Por que há- de a minha partida
A coroa de espinhos da verdade
Antes eu era sábio sem cuidados,
Ouvia a tarde finda, entrar o gado
E o campo era solene e primitivo
Hoje no meu ser sou o escravo
Só no meu ser tenho de a ter o travo,
Estou exilado aqui e morto vivo.
Maldito o dia em que pedi a ciência!
Mais maldito o que a deu, porque me a deste!
Que é feito dessa minha inconsciência
Que a consciência, como um traje, veste?
Hoje sei quase tudo e fiquei triste...
Sei a verdade, enfim, do Ser que existe,
Prouvera a Deus que eu não soubesse tanto!

O retomar da experiência de êxtase:
Novas experiências místicas vão surgir, no entanto, a partir desse mesmo ano – e o êxtase dos primeiros tempos, de Além - Deus, surge em Magnificat, de Álvaro de Campos:

MAGNIFICAT (7-11-1933)

Quando é que passará esta noite interna, o universo,
E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei. O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.
Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?
Gato que me fitas com olhos de vida, quem tens lá no fundo?
É esse! É esse!
Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei;
E então será dia.
Sorri, dormindo, minha alma!
Sorri, minha alma, será dia!

Trata-se, na opinião de Quadros, de «um cântico de assunção e êxtase», «momento de apaziguamento – consolado, repousado, gratificado. Porque, contemplado em êxtase, Esse lho terá concedido.» .

Confirma-se, assim, a opinião já referida de Dalila Pereira da Costa de que:

«Deus em Pessoa não é um conceito, uma noção teórica nem um ideal abstracto. Sua ideia de deus não é racional. Ele é uma realidade conhecida por experiência directa. Uma realidade eminentemente viva, como o Deus vivo da Bíblia, o mesmo que todos os grandes espirituais conheceram.(...) Não procuremos tão pouco no seu pensamento um Deus de feição moral. O seu deus é o dos contemplativos, conhecido e revelado no amor e na liberdade. A salvação aqui não é dada através dos méritos e das obras próprias, mas pela união sagrada com Deus. É nela que estará o homem justificado.»

Vemo-lo também lendo, em vésperas de Natal de 1934, e ainda com Álvaro de Campos, a 1ª Epístola aos Coríntios:

Ali não havia electricidade.
Por isso foi à luz de uma vela,mortiça
Que li, inserto na cama,
O que estava à mão para ler —
A Bíblia, em português (coisa curiosa), feita para protestantes.
E reli a «Primeira Epístola aos Coríntios».
Em torno de mim o sossego excessivo de noite de província
Fazia um grande barulho ao contrário,
Dava-me uma tendência do choro para a desolação.
A «Primeira Epístola aos Coríntios»...
Relia-a à luz de uma vela subitamente antiquíssima,
E um grande mar de emoção ouvia-se dentro de mim...
Sou nada...
Sou uma ficção...
Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo?
«Se eu não tivesse a caridade.»
E a soberana luz manda, e do alto dos séculos,
A grande mensagem com que a alma é livre...
«Se eu não tivesse a caridade..»
Meu Deus, e eu que não tenho a caridade!---
Em Magnificat reencontra-se Campos / Pessoa consigo mesmo, com a Unidade. Tal unidade, conseguida pelo contacto directo com o Absoluto, é também, no entender de Quadros e nosso, prosseguida e conseguida no poema «A melhor maneira de viajar é sentir».

Nele se afirma:

Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas
Quantas mais personalidades eu tiver
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir como todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a essência total do universo,
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora
Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for,
Porque, seja ele quem for, com certeza que é tudo,
E fora d’ Ele há só Ele, e tudo para Ele é pouco...

E mais adiante:

Cada alma é uma escada para Deus
Cada alma é um corredor-Universo para Deus,
Cada alma é um rio correndo para as margens do Externo
Para Deus e em Deus com um sussurro soturno.
— E, se assim é, o convite:— Sursum corda!
Sursum corda! Erguei as almas!
Todo o Mistério é Espirito (...)

O Poeta, cuja alma é corredor - Universo para Deus explode em cânticos de louvor –
«reparo para ti e sou todo um hino!»

e pede:

Ocupa de toda a tua força e de todo o teu poder quente
Meu coração a ti aberto!
Como uma espada trespassando meu ser erguido e extático,
Intersecciona com meu sangue, com a minha pele e os meus nervos,
Teu movimento contínuo, contíguo a ti próprio sempre.

É que, afirma:

Sou uma chama ascendendo, mas ascendo para baixo e para cima,
Ascendo para todos os lados e ao mesmo tempo, sou um globo
de chamas explosivas buscando Deus e queimando
A crosta dos meus sentidos, o número da minha lógica
A minha inteligência limitadora e gelada.

E o poema prossegue: — Oferece-se como dinamismo poderoso, tendo integrado em si «todos os movimentos que compõem o universo, a fúria minuciosa e dos átomos, a fúria de todas as chamas, a raiva de todos os ventos, a espuma furiosa de todos os rios» e dizendo:

«Sou um formidável dinamismo obrigado ao equilíbrio
De estar dentro do meu corpo, de não transbordar da minh’alma»

O poema termina, com o poeta dirigindo-se a essa força cósmica (Deus?) dizendo:

«Ruge, estoira, vence, quebra, estrondeia, sacode (...)
Sê com todo o meu corpo todo o universo e a vida, (...)
Sobrevive-me, em minha vida, em todas as direcções!»

As questões que ficam:

E aqui está, como neste sensacionismo assumido se retoma e se esclarece, ganhando
nova luz, o «Já viram Deus as minhas sensações». de Passos da Cruz.
Concluiríamos assim que também (ou sobretudo?) a sensação é força propulsora da caminhada do cavaleiro-monge em direcção ao Monte Abiegno ou a Deus, a Grande Ogiva?

Que Caeiro – o sensacionista dos sensacionistas, o porventura talvez mais whitmaniano (indo para além do próprio Whitman, de resto) – seria também uma via para Deus, para o Absoluto, para a fundamental unidade?

São perguntas que ficam. Eu nada sei – ou quase nada. Apenas me interrogo – e interrogo; como Pessoa me sinto – ou gostaria de me sentir e ser – indisciplinadora de almas, levando-as a interrogarem-se.

Em todo o caso, e como esboço de uma conclusão, sempre provisória, reforço, parece-- me poder concordar com a opinião expressa por Murillo Nunes de Azevedo, um teósofo brasileiro, em texto intitulado: Fernando Pessoa Teósofo:

«Fernando Pessoa é, por excelência, o poeta do transcendentalismo. Sua poesia pode ser igualada à de Wiliam Blake. É densa, atingindo zonas do inconsciente, só reveladas aos místicos, aos profetas »

O mesmo autor aproxima a criação dos heterónimos da teosofia:
«Ao criar, do modo como o definiu, quase em êxtase, os heterónimos, o poeta mergulhava cada vez mais nas raízes do próprio Ser. Recebia então a comunicação directa das camadas profundas do inconsciente colectivo comum a todos os homens (...)A intuição é a visão directa da realidade, sem intermediários.»

Talvez «isto» que agora vos li seja tão só um muito pequeno e tímido começo para uma reflexão mais pessoal e mais profunda. Minha e de todos vós. Com a certeza de que são bastante ínvios os caminhos para captar o Pessoa detrás de todos os fingimentos e de todos os Pessoa (s).

Peço desculpa pela extensão do meu texto – era, porém, difícil fazê-lo mais breve.
É que só é capaz de ser sintético quem domina muitíssimo bem e vê claramente um problema. O que não é, decididamente, e por enquanto, o meu caso.

Para além de tudo o mais, dizia Camões, dirigindo-se à Canção: «E se acaso / te culparem de larga e de pesada, «Não pode ser – lhe dize - limitada / a água do mar em tão pequeno vaso »...

Termino como comecei, com referência ao homem de todos os desassossegos, Bernardo Soares, relembrando as suas palavras desconsoladas:

«Pertenço a uma geração que herdou a descrença na fé cristã e que criou em si uma descrença em todas as outras fés. Os nossos pais tinham ainda o impulso credor, que transferiam do cristianismo para outras formas de ilusão. Uns eram entusiastas da igualdade social, outros eram enamorados só da beleza, outros tinham a fé na ciência e nos seus proveitos, e havia outros que, mais cristãos ainda iam buscar a Orientes e Ocidentes outras formas religiosas, com que entretivessem a consciência, sem elas oca, de meramente viver.
Tudo isso nós perdemos, de todas essas consolações nascemos órfãos. »


Leiria, Fevereiro e Março de 2001
Amélia Pinto Pai
Comunicação às Jornadas Culturais / Literárias 2000 «Imagens de Deus na Literatura Portuguesa nos séc.XIX e XX» – Auditório da Escola Superior de Tecnologia e Gestão – Leiria, 15 e 16 de Março de 2001
por Amélia Pinto Pais,
da Escola Secundária de Francisco Rodrigues Lobo, de Leiria